
Morreu, neste sábado (12/7), o cineasta Jean-Claude Bernardet, aos 88 anos. Um dos mais importantes críticos do cinema nacional, ele estava internado no Hospital Samaritano, em São Paulo, e sofreu um AVC. O intelectual convivia com HIV, um câncer reincidente na próstata, que decidiu não tratar com quimioterapia, e a quase perda da visão devido à uma degeneração ocular. O velório, aberto ao público, ocorre no domingo (13) na Cinemateca Brasileira, também na capital paulista, entre 13h e 17h.
Nascido na Bélgica, Bernardet chegou ao Brasil aos 13 anos de idade, onde se naturalizou, após passar a infância em Paris, na França. Também conhecido pelos trabalhos como ator, roteirista, diretor, escritor, professor e pesquisador, ele se interessou por cinema a partir do cineclubismo e começou a escrever críticas no jornal O Estado de São Paulo a convite de Paulo Emílio Sales Gomes.
Nas telonas, estreou como roteirista em O caso dos irmãos Naves (1967) e, no ano seguinte, assinou o filme Brasília: Contradições de uma cidade nova. Nos anos 2010, exerceu as funções de ator e diretor nas obras Periscópio (2013), Fome (2015) e a A destruição de Bernardet (2016). Seu último trabalho foi o curta A última valsa, em codireção com Fábio Rogério.
Um dos criadores do curso de Cinema da Universidade de Brasília (UnB) e professor de História do Cinema Brasileiro na Universidade de São Paulo (USP), Jean-Claude também é responsável pela autoria de mais de 20 livros, transitando entre crítica, historiografia e ficção. Em 1996, lançou A doença, em que conta sua experiência como portador da Aids.
Abertamente homossexual, Bernardet sofreu inúmeros ataques ao longo da vida por defender ideias progressistas e pela atuação como militante da esquerda. Durante a ditadura militar, chegou a ser cassado pelo AI-5 e afastado da USP, em 1969. Na década seguinte, foi reintegrado à instituição após a Lei da Anistia. O cineasta deixa uma filha.
Ao Correio, o professor e crítico de cinema Sérgio Moriconi exaltou o legado deixado pelo colega. “Jean-Claude era um farol da crítica. Ele se caracterizava por opiniões muito singulares. Em uma época em que todos tinham um certo conceito ou perspectiva do cinema, ele estava à margem disso”, apontou.
Amigos próximos, o cineasta, quando em Brasília, costumava frequentar as aulas de Moriconi. “Quando discordava com ele, eu ficava com vergonha. Eu tinha vontade de concordar com ele e discordar de mim mesmo, de tão brilhante que ele era”, riu o professor.
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Nas redes sociais, o cientista político e sociólogo Sérgio Abranches lamentou a morte de Bernardet. “Na minha encarnação em que estudava cinema e a ele pretendia me dedicar, fiz um curso de extensão coordenado por Paulo Emílio Sales Gomes e ele. Jean-Claude me ensinou a ver o cinema brasileiro, o Cinema Novo, com os mesmos olhos que via o Neorrealismo Italiano e a Nouvelle Vague francesa”, narrou.
“Convivemos por quase um ano. Tudo desmoronou com o AI-5. Segui outros rumos, mas nunca deixei de gostar de cinema. Jean-Claude, Paulo Emílio e Maurice Capovilla me formaram como cinéfilo, embora não tenha sido possível me formar como cineasta”, finalizou Sérgio.
Em nota à imprensa, a Cinemateca Brasileira descreveu o intelectual como “nome fundamental do cinema no país”. “Figura central e incontornável do pensamento e da produção cultural brasileira, na historiografia do cinema nacional, Jean-Claude Bernardet foi parceiro fundamental da construção da Cinemateca”, afirmou o instituto.
“Na instituição, passou por diversas funções sempre com foco no seu desenvolvimento e fortalecimento. A Cinemateca guarda o Arquivo Jean-Claude Bernardet, que foi doado por ele à instituição em 1988 e foi acrescido com novos materiais nos anos que se seguiram, consolidando ainda mais o legado de Bernardet no âmbito da pesquisa e difusão do cinema e da cultura”, relatou a organização.
“Um nome de importância ímpar nos estudos de cinema no Brasil, teve uma capacidade excepcional de análise de forma totalizante, acreditando na interlocução entre a crítica e a produção cinematográfica”, acrescentou a Cinemateca.
Em Brasília, Jean-Claude foi agraciado com a medalha Paulo Emílio Sales Gomes no 49° Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, a maior honraria oferecida pelo evento a figuras de destaque nacional até então. Na ocasião, em entrevista ao jornalista José Carlos Vieira, o cineasta chegou a opinar sobre o papel da sétima arte nos retrocessos culturais.
“Não acredito que o cinema, em si, mude, como o teatro não muda nada sozinho. Mas articulado com movimentos sociais e com outras ações, aí sim, porque ele pode levar informações, documentar ações, fazer com que atos ocorridos em algum lugar sejam vistos por outras pessoas em outras áreas. Mas não creio que um filme em si vai mudar alguma coisa. Ele pode proporcionar discussões, debates, como todas as expressões, como o teatro”, pontuou.
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