CINEMA NACIONAL

Dia do Cinema Brasileiro: A importância da cultura para um país

Produções cinematográficas brasileiras são exaltadas em data comemorativa desta quinta (19/6); especialistas comentam sobre a indústria

Ainda estou aqui -  (crédito: Divulgação)
Ainda estou aqui - (crédito: Divulgação)

Recentemente evidenciado pela premiação de Ainda Estou Aqui no Oscar, pela vitória de O Agente Secreto no Festival de Cannes e pelo sucesso de Homem com H nas telonas, o cinema brasileiro protagoniza cada vez mais novos cenários. 

Para celebrar a produção cinematográfica nacional, nesta quinta-feira (19/6) comemora-se o Dia do Cinema Brasileiro. A data foi instituída em 19 de junho de 1898, quando as primeiras imagens utilizando a tecnologia do cinema no país foram produzidas. 

Foi neste dia, há 128 anos, que o ítalo-brasileiro Afonso Segreto gravou a Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. Segreto desembarcava no país a bordo do navio Brésil, saído da França, onde havia cursado cinema. 

Projeção internacional

Para Pablo Gonçalo, professor de Audiovisual da UnB, o cinema brasileiro afeta diretamente a história e o imaginário do país — principalmente com a cultura de exaltar o cinema estrangeiro. Ressaltando a identificação com o nacional, Gonçalo cita obras como O Pagador de Promessas e O Cangaceiro, filmes menos conhecidos que encantam o povo brasileiro ao primeiro contato. 

“Falar de cinema brasileiro é sempre falar porque ele não é tão visto como poderia e deveria. Muitos deles não são distribuídos internacionalmente”, salienta. Segundo Gonçalo, a hegemonia de conteúdos norte-americanos e franceses acontece desde 1920. 

Embora não tão difundida globalmente, a produção cinematográfica nacional vêm conquistando seu espaço. Prova disso são as recentes vitórias do país em festivais internacionais — o que Gonçalo analisa como episódicas, no entanto. “Temos de parar de pensar nesses mecanismos de reconhecimento internacional como nossos. Esse entusiasmo não condiz com a condição do país, e o potencial do cinema brasileiro é o debate público”, argumenta. 

Produção identitária 

O crítico de cinema Sérgio Moriconi descreve as manifestações artísticas como uma representação da identidade: “No caso do cinema, talvez ainda mais, por trazer imagens, cenários, contextos históricos. O cinema revela não só o que somos, mas o que fomos ou imaginávamos ser em determinadas épocas.” 

Na história do cinema brasileiro, de Mazzaropi às chanchadas da Atlântida, Moriconi lembra da maturação da indústria nacional, que intelectualizou circunstâncias históricas do Brasil. Observa-se tal mudança no movimento do Cinema Novo, nos anos 1950 e 60, do qual Nelson Pereira dos Santos e Glauber Rocha foram uns dos principais expoentes. 

“Como o cinema é uma arte de massa, uma linguagem acessível, ele é essencial para definir tanto a identidade individual quanto a coletiva do país. Por isso, o Dia do Cinema Brasileiro é tão importante: nos convida a refletir sobre quem somos, sobre nosso presente e as possibilidades que o futuro nos reserva”, conclui o especialista. 

Do DF para o mundo

Produtora de cinema e supervisora do Cine Brasília, Daniela Marinho destaca a data comemorativa como um gesto de criação de imaginários e afirmação de identidade a partir da capacidade de produção própria. Ao destacar obras como O Último Azul, que ganhou o Urso de Prata em Berlim, e o próprio trabalho em A Natureza das Coisas Invisíveis, dirigido por Rafaela Camelo, Daniela disserta que o cinema brasileiro é fruto de um pensamento de política pública e gestão do audiovisual iniciado anos atrás.

Diante de um debate sobre a regulamentação das plataformas de streaming — a chamada "lei do VoD" — Daniela opina que esse é o momento de refletirmos sobre o futuro do nosso cinema. A especialista explicita que produtores têm reivindicado, por exemplo, uma contribuição de 12% para a Condecine, o principal imposto que alimenta o fundo de financiamento do cinema nacional, gerido pelo BRDE e em parceria com a Ancine.

“Que histórias queremos contar? Que imagens queremos projetar como país? Vamos mostrar o Pantanal, a Amazônia, o Cerrado? Ou continuaremos limitados às narrativas mais tradicionais que sempre dominaram nossas telas? Acredito que precisamos valorizar essa multiplicidade de paisagens e de vozes que o Brasil tem — e levá-las para o mundo”, questiona. 

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A cara do Brasil

Segundo o Censo 2022 do IBGE, 55,5% da população brasileira se identificam como pretos ou pardos. Como a arte imita a vida, o cinema nacional deve retratar a realidade. Para isso, surge a Associação de Profissionais do Audiovisual Negro (Apan), instituiçao de valorização e divulgação de audiovisuais protagonizados por pessoas negras, bem como a promoção desses profissionais no o mercado.

Marisa Arraes — diretora, produtora, membro da Apan e distribuidora de Taguatinga — opina que o cinema brasileiro é um caso complexo devido aos custos e a especialização de profissionais. “A mudança pro cinema digital, por um lado, democratizou o acesso, mas por outro, dificultou a circulação em cinemas e festivais de prestígio”, expõe.

Por isso, Marisa estimula a valorização de obras brasileiras que conseguiram visibilidade no cenário internacional, mas exalta a cultura nacional da democratização da arte no próprio Brasil. “São nossas histórias que estão na tela e a luta por igualdade de oportunidades é o que fará com que nosso cinema reflita cada vez mais nosso país”, afirma.

“Devemos nos abrir para outros cinemas e maneiras de assisti-los: o cinema negro, periférico, marginal, cineclubes, preservação e restauração de acervo, mostras em escolas e centros comunitários etc. O cinema brasileiro é gigante e uma redistribuição de renda se mostra o único caminho para que ele possa vir a ser tudo que o Brasil é”, defende.

Presidente da Apan, Tatiana Carvalho Costa avalia que o setor cultural, especialmente o cinema, ainda sente os impactos de um período recente de ataques e desvalorização. Nas últimas duas décadas, houve um crescimento expressivo da produção negra, com mais qualidade, diversidade de narrativas e presença nacional — o que ela considera fruto de ações afirmativas e políticas públicas que promoveram inclusão e circulação dessas obras.

“Ver-se na tela e reconhecer histórias é fundamental para o sentimento de pertencimento e identidade nacional”, diz. Para Tatiana, o cinema não é apenas arte; é também uma atividade econômica, da qual os profissionais do setor merecem viver com dignidade a partir do seu talento.

postado em 19/06/2025 00:01
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