SEMANA DA AMAMENTAÇÃO

Amamentação e trabalho: veja os direitos das trabalhadoras que amamentam

Intervalos para ordenha e salas de apoio à amamentação são garantidos por lei

Bianca Lucca
Amanda S. Feitoza
postado em 06/08/2025 16:08 / atualizado em 06/08/2025 16:09
Segundo pesquisa da Fundação Getulio Vargas (FGV), 50% das brasileiras foram demitidas no período de até dois anos após a licença-maternidade -  (crédito: Pexels)
Segundo pesquisa da Fundação Getulio Vargas (FGV), 50% das brasileiras foram demitidas no período de até dois anos após a licença-maternidade - (crédito: Pexels)

Na Semana Mundial da Amamentação, celebrada entre 1º e 7 de agosto, ganham destaque os desafios enfrentados por mães que desejam manter a amamentação após o retorno ao trabalho. Apesar dos avanços na legislação, muitas ainda têm dúvidas sobre seus direitos e como conciliar a rotina profissional com a nutrição e o vínculo com seus bebês. Licença-maternidade, pausas durante o expediente, salas de apoio e políticas de acolhimento no ambiente corporativo são temas fundamentais nesse debate.

"Não precisei fazer essa escolha (entre trabalho e amamentação) e tenho ciência de que isso é um privilégio. Mas não foi um caminho fácil", define a jornalista e recreadora Camila Guesa, 38 anos, mãe solo de gêmeos de 3 anos. Ao conciliar amamentação e trabalho, ela retomou as atividades profissionais quando os filhos completaram seis meses, mas, ao contrário de outras mães, pôde trabalhar de casa.

Com o apoio contínuo da agência onde atua, Camila conseguiu manter a amamentação exclusiva. “Havia lugares específicos para retirada e armazenamento correto de leite e, no caso da escola das crianças, também tinha um espaço para que eu pudesse amamentá-los pessoalmente — eu ia, todos os dias, no meu horário de almoço até a escola amamentar, até eles completarem 1 ano”, disse. 

Determinada a manter a amamentação, Camila se preparou intensamente: estudou o tema, aprendeu a coletar e armazenar o leite com segurança. Além disso, quando a jornalista precisava ir presencialmente ao escritório do trabalho, naquele ambiente também se sentiu apoiada. “Tinha um espaço exclusivo para isso, com apoio de uma técnica de enfermagem para dúvidas, e geladeira também para armazenamento. os colegas compreendiam o processo, respeitaram minha escolha e foram compreensivos com as saídas breves para ordenha”, compartilha. 

Para ela, o maior desafio era coletar os volumes de leite que precisava extrair para levar à escola. “Cheguei a tirar um litro de leite por dia para atender os dois em todas as refeições do período escolar. Exige muito do corpo, alimentação regrada, muita ingestão de líquidos e, claro, o emocional, pois são muitas horas de ordenha, em vários momentos do dia”, conta. “É preciso muita resiliência e dedicação, mas vale a pena!”

Os desafios de ser mãe não contemplam apenas o estresse pessoal. Segundo pesquisa da Fundação Getulio Vargas (FGV), pelo menos metade das brasileiras foi demitida no período de até 2 anos após a licença-maternidade. O estudo, que analisou 247 mil mães com idades entre 25 e 35 anos, revela ainda que, mesmo com a garantia de estabilidade nos primeiros seis meses após o retorno ao trabalho, a probabilidade de demissão nesse período já chega a 10%, evidenciando a vulnerabilidade das mulheres no mercado de trabalho após a maternidade.

Direitos das lactantes 

Segundo Fernanda Maria Rossignolli, sócia do HRSA Sociedade de Advogados, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e outras normas garantem o direito a dois intervalos diários de 30 minutos para amamentar ou extrair leite até o bebê completar seis meses. Também prevê licença-maternidade de 120 dias, afastamento de atividades insalubres, local adequado para amamentação e, em empresas do Programa Empresa Cidadã, possibilidade de prazos maiores. As pausas podem ser prorrogadas com recomendação médica, e mães estudantes têm direito a adaptações como realizar provas em casa.

Além disso, conforme o art. 389, § 1º, da CLT, as empresas com mais de 30 funcionárias com mais de 16 anos de idade devem oferecer um local apropriado para a guarda e assistência dos filhos no período da amamentação. “A empresa pode optar por uma creche, um berçário ou um espaço adequado para que as mães possam amamentar, higienizar os bebês e descansar”, resume Fernanda.

Caso os direitos não sejam respeitados, Fernanda indica acionar a CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes), o Sindicato e o setor de Recursos Humanos. “Se a situação não for resolvida, poderá realizar uma denúncia formal ao Ministério Público do Trabalho (MPT) ou à Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE) — pode ser anônima. Na Justiça do Trabalho, poderá pedir indenização por danos morais”, explica. 

Embora o pai ou parceiro não tenha direito à extensão da licença ou algum direito relacionado ao apoio da amamentação, a licença paternidade permite a presença nos primeiros dias do nascimento. A advogada trabalhista, que também é mãe, defende o aumento da licença-maternidade remunerada para 180 dias para todas as trabalhadoras e a criação de uma licença parental compartilhada entre os pais, para um cuidado equitativo. 

Jornada dupla

Conciliar o retorno ao trabalho com a continuidade da amamentação foi um desafio físico e emocional para Jéssica Menezes, 34 anos, assistente de pessoal terceirizada no Conselho Federal de Enfermagem (Cofen). Mãe solo, ela enfrentou o cansaço da dupla jornada e a pressão constante para manter a produção de leite. Ela amamentou o filho até os 2 anos e dois meses. “Sigo firme nesse processo”, conta.

A adaptação ao retorno foi possível, mas não sem obstáculos. Ela relata que o mais difícil foi o esforço de manter a produção de leite em horários específicos e a tentativa de formar um estoque adequado. “Foi um grande impacto emocional”, diz. “Tinha muita preocupação se conseguiria alimentar meu filho sob demanda exclusiva do leite materno até que ele estivesse apto à introdução alimentar.” Todos os dias, ela usava a sala de amamentação duas vezes e fazia a entrega do leite em casa de moto durante o almoço — prática permitida pela empresa.

A estrutura oferecida pela sala de apoio à amamentação foi essencial. Segundo Jéssica, o ambiente era acolhedor, com lavatório, bomba manual, freezer, climatizador, poltrona e potes esterilizados. Ela destaca que o ambiente de trabalho acolhedor e o apoio dos colegas também fizeram diferença: “Recebi muito apoio. Isso contribuiu significativamente para o meu bem-estar e para a saúde do meu filho.”

O acolhimento do setor de recursos humanos também ajudou no processo. “Eles estiveram ao meu lado, oferecendo apoio emocional sempre que necessário”, conta. Para Jéssica, iniciativas como horários mais flexíveis, salas adequadas para ordenha e extensão da licença-maternidade até pelo menos os seis meses do bebê são medidas urgentes para que mais mulheres possam viver a maternidade sem precisar abrir mão de suas carreiras.

Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular

 

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação