Podcast do Correio

Desmatamento põe disputa comercial do Brasil com os EUA em risco, diz especialista

Para o diretor executivo do Instituto Escolhas, Sérgio Leitão, avanço da fronteira agrícola, uso intensivo de insumos químicos e atraso em políticas sustentáveis podem justificar tarifas sobre soja, carne e madeira, afetando exportações e empregos; país precisa coordenar ações entre governo, agronegócio e sociedade civil

Sergio Leitão: é fundamental que os diferentes atores no Brasil montem uma coalizão para defender a soja e outros produtos de sanções  -  (crédito:  Ed Alves CB/DA Press)
Sergio Leitão: é fundamental que os diferentes atores no Brasil montem uma coalizão para defender a soja e outros produtos de sanções - (crédito: Ed Alves CB/DA Press)

Na disputa comercial contra os Estados Unidos, o Brasil tem um ponto vulnerável: o desmatamento ilegal. O avanço da fronteira agrícola e o atraso na adoção de políticas sustentáveis representam pontos negativos para a economia brasileira e podem criar mais óbices nas relações entre os dois países.

Esse é o diagnóstico do diretor executivo do Instituto Escolhas, Sergio Leitão, convidado do Podcast do Correio. Aos jornalistas Carlos Alexandre de Souza e Roberto Fonseca, o dirigente alertou para o cenário desfavorável ao Brasil. Lembrou que o presidente dos Estados Unidos (EUA), Donald Trump, determinou a abertura de uma investigação por práticas comerciais desleais, no âmbito da seção 301.

Um dos pontos investigados pelos Estados Unidos, o desmatamento ilegal, pode afetar a exportação de soja. O Brasil é líder global na produção do grão — em 2019 ultrapassou o rival norte-americano. Para o diretor executivo do Instituto Escolhas, Sérgio Leitão, essa investigação pode justificar a imposição de tarifas adicionais sobre a soja e outros produtos brasileiros, como carne e madeira. 

A partir de pesquisa elaborada pelo Instituto Escolhas, Leitão argumenta que a produção brasileira de soja assumiu a liderança mundial em razão do aumento de área plantada — e, mais grave, com o uso intensivo de insumos. "Nosso estudo, chamado "Brasil como líder mundial em produção de soja, até quando e a que custo", mostra que a gente foi super bem-sucedido em fazer o Brasil ocupar o primeiro lugar na produção mundial de soja. Esse estudo mostra que uma parte desse aumento da produção também se deveu não a ganhos de produtividade, mas sim pelo aumento da área plantada. Ou seja, enquanto você teve uma taxa média de crescimento da área plantada de soja no Brasil de 5% ao ano entre 1993 e 2023, a produtividade cresceu 2% ao ano." explicou. 

Além disso, Leitão afirma que, apesar de o Brasil ser líder global na produção de soja, o produtor está perdendo a rentabilidade, porque a soja está precisando cada vez mais do uso de insumos químicos — agrotóxicos e fertilizantes — e os preços subiram muito, especialmente depois da guerra da Ucrânia. "Ou o Brasil muda o modelo de produção, ou ele vai perder competitividade" , completa o fundador do Instituto Escolhas. 

Leitão destaca que uma audiência pública está marcada para 3 de setembro, em Washington, especificamente para tratar das investigações relacionadas à Seção 301. Ele considera que é preciso ter cautela no capítulo do desmatamento. "Temos pecados que a gente precisa pedir perdão", diz. "E não podemos cometê-los novamente, para que não fiquemos à mercê de uma investigação que pode justificar exatamente as tarifas sobre produtos agrícolas brasileiros", adverte.

Diálogo coordenado

Na avaliação do especialista, o governo brasileiro e o setor do agronegócio estão em posição delicada. "No tópico do desmatamento, a gente está vulnerável", resume. Uma possível estratégia para responder à ofensiva norte-americana é alegar que o desmatamento ilegal no Brasil está sendo combatido. "(Dizer que) essa situação foi uma situação do passado. O Brasil de agora em diante está assumindo e deixando muito claro o compromisso de que ele vai produzir nas áreas que já foram abertas", sugere.  

O diretor lembrou que o avanço da área cultivada de soja em prejuízo ao meio ambiente contraria o alerta de vários ministros da Agricultura. Segundo ele, autoridades como Kátia Abreu, Tereza Cristina, Blairo Maggi e Roberto Rodrigues afirmaram repetidamente que não é preciso desmatar mais para produzir mais. 

Leitão defende um diálogo coordenado entre todas as partes — sociedade civil, empresas, agronegócio e governo brasileiro — para apresentar uma defesa do Brasil em Washington. E enumera os motivos para que se forme uma coalizão nacional.  

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"Primeiro, a soja é importante. Ela é o segundo produto que a gente mais exporta, o Brasil não pode prescindir disso na balança comercial. Seria irresponsável imaginar o contrário. Segundo, reconhecer que o Brasil já tem áreas abertas suficientes para continuar expandindo sua produção. Terceiro, a gente está diante de uma ameaça muito forte aos interesses econômicos do país, que devem servir como um estímulo para juntar e quebrar essas relutâncias que muitas vezes afastam as partes", descreve. "Ou a gente faz isso agora, ou o país vai pagar a conta", alerta.

COP30

As consequências de uma punição contra o Brasil em razão do desmatamento ilegal vão além do agronegócio. Caso o país seja efetivamente sancionado, corre o risco de ser atingido por desemprego e afetar outros produtos, como a carne e a madeira.  

"Do ponto de vista legal, como a lei americana exige uma justificativa  crível, para impor a tarifa. Se eles constatarem que existe desmatamento, de modo a tornar os produtos brasileiros mais baratos nos Estados Unidos ou compitam com os produtos americanos — como é o caso da soja brasileira exportada para a China — eles têm uma justificativa legal para punir o Brasil por práticas comerciais desleais", explica.

Leitão também diz que os problemas do desmatamento vão afetar o Brasil na COP 30 (a 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas). Isso porque o governo brasileiro, na COP de Paris, em 2015, não cumpriu compromissos de replantio de áreas degradadas.  

"Seremos cobrados para recuperar aquilo que a gente desmatou. São 12 milhões de hectares. É o tamanho da Inglaterra. Doze milhões de hectares são 10 bilhões de mudas de árvores que a gente tem que dispor para fazer o plantio. Desses 12 milhões de hectares, nós plantamos efetivamente pouco mais de 100 mil", detalhou.

Além da compensação ambiental, Leitão ressalta que o plantio de árvores tem um efeito econômico imediato. "Cinco milhões de empregos podem ser gerados se o Brasil mobiliza todo o capital dos seus bancos públicos de desenvolvimento para dar conta da meta. Nessa conta, 156 milhões de toneladas de alimentos podem ser produzidas exatamente porque você vai consorciar, recuperar a floresta com sistemas agroflorestais, que é plantio de comida", sustenta. 

O convidado do Podcast do Correio compara a situação do Brasil com a de outros países. "A China recuperou 25 milhões de hectares, inclusive nas suas áreas de deserto. Os Estados Unidos, 15 milhões de hectares. Então, a gente tem uma oportunidade, fazendo uma recuperação que vai juntar, recuperar o meio ambiente e produzir alimentos para que todo mundo saia ganhando, inclusive empregos e combatendo a desigualdade social", completa. 

Além do problema do desmatamento, Leitão falou de outras práticas danosas à sustentabilidade, como o uso intensivo de agrotóxicos e fertilizantes. Segundo o estudo feito pelo Instituto Escolhas, de 1993 a 2023, a comercialização de agrotóxicos no Brasil cresceu de 76 mil toneladas para 755 mil toneladas — aumento de 893%. A área cultivada, por sua vez, cresceu 96% no mesmo período.  

Prejudicial ao meio ambiente, o agrotóxico não representa nem mesmo mais ganhos ao produtor. "Em 1993, com 1 kg de agrotóxico, você produzia 23 sacas de soja. Em 2023, isso caiu para sete. O que isso significa? Menos dinheiro no bolso do produtor".

Esse seria mais uma razão, de ordem econômica, para o Brasil investir em bioinsumo. "O bioinsumo veio como a necessidade dos grandes produtores de fugir, da dependência do insumo químico do agrotóxico", ressalta. Para Sérgio Leitão, é fundamental avançar em políticas públicas que impulsionem o bioinsumo, essencial em uma agricultura sustentável.

* Estagiário sob a supervisão de Carlos Alexandre de Souza

 


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CY
postado em 19/08/2025 04:00 / atualizado em 19/08/2025 07:03
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