LUTO

Morre Silvio Tendler, um dos maiores documentaristas do país, aos 75 anos

Autor de mais de 70 filmes, ele ajudou a contar a história política do Brasil em obras como ‘Jango’ e ‘Marighella’

Silvio Tendler, 75, documentarista brasileiro, faleceu vítima de infecção generalizada -  (crédito:  Xeno Veloso/Divulgacao)
Silvio Tendler, 75, documentarista brasileiro, faleceu vítima de infecção generalizada - (crédito: Xeno Veloso/Divulgacao)

O Brasil perdeu, nesta sexta-feira (5/9), um dos mais importantes documentaristas do país. Silvio Tendler, morreu, aos 75 anos, em decorrência de uma infecção generalizada enquanto estava internado no Hospital Copa Star, em Copacabana, na Zona Sul do Rio de Janeiro. O enterro está marcado para domingo (7/9), às 11h, no Cemitério Comunal Israelita do Caju, localizado na Zona Portuária, conforme confirmado por familiares ao jornal O Globo.

Ao longo de mais de quatro décadas de carreira, Tendler produziu mais de 70 filmes, entre curtas, médias e longas-metragens, consolidando-se como um dos maiores cronistas da história política do país. Entre seus documentários mais conhecidos estão Os anos JK — Uma trajetória política (1981), Jango (1984), Marighella, retrato falado do guerrilheiro (2001) e Tancredo: A travessia (2010), obras que ajudaram a registrar e interpretar momentos decisivos da política brasileira.

Tendler, do meio de três irmãos — entre o engenheiro Sérgio Tendler, o mais velho, e o artista plástico Sidnei Tendler, o caçula —, construiu uma carreira dedicada a registrar a vida e a obra de grandes nomes da arte e da história brasileira. Suas obras produzidas também contemplam Castro Alves — Retrato falado do poeta (1999), Glauber, labirinto do Brasil (2003) e Ferreira Gullar — Arqueologia do poeta (2019).

Em 1981, lançou O mundo mágico dos Trapalhões, sobre o grupo de humor formado por Renato Aragão, Dedé Santana, Zacarias e Mussum, que permanece como o documentário de maior público nos cinemas brasileiros, com 1,8 milhão de espectadores, segundo a Ancine.

"Nos anos da pandemia, Silvio foi peça fundamental para garantir a realização do Festival de Cinema de Brasília, que estava ameaçado de sofrer interrupção. Juntos, lembramos que o festival só foi interrompido durante a ditadura militar, e por isso, decidimos não poupar esforços para sua realização. Foram dias angustiantes que me serviram para mostrar a grandeza da alma de Silvio, que praticante me segurou pelas mãos repetindo sempre: não vamos nos entregar a essa crise. Desde então, mantivemos uma amizade profunda e o meu respeito por ele não tem limites. Sou eternamente grato", afirmou Bartolomeu Rodrigues, ex-secretário de Cultura do DF, ao Correio.

“Silvio será sempre lembrado pelo espírito combativo, pelo cinema aguerrido e pela defesa de uma sociedade mais justa. Foi um dos pioneiros do cinema de arquivo no Brasil, com clássicos absolutos como Os anos JK e Jango, sua obra-prima”, declarou Hernani Heffner, gerente da Cinemateca do MAM-Rio, ao O Globo

Em 2023, Tendler lançou seu último longa, O futuro é nosso!, feito a partir de entrevistas por videoconferência durante a pandemia, com participações de nomes como o cineasta britânico Ken Loach. Conhecido como “o cineasta dos vencidos”, ele definiu o filme como “um filme utópico de Silvio Tendler”.

No mesmo ano, Tendler também atuou como fotógrafo e curador da exposição Resistência retiniana, no Sesc Niterói. Também estreou como dramaturgo e diretor no espetáculo Olga e Luís Carlos, uma história de amor, no Sesc Copacabana, baseado na correspondência entre o líder comunista brasileiro e a militante alemã entregue aos nazistas pelo governo Vargas em 1936.

Desde 2011, o diretor enfrentava dificuldades de locomoção devido a um defeito congênito que quase o deixou tetraplégico. Operado pelo neurocirurgião Paulo Niemeyer, recuperou parte dos movimentos dos membros superiores e continuou trabalhando, parte dessa trajetória registrada no documentário A arte do renascimento — Uma cinebiografia de Silvio Tendler, de Noilton Nunes.

Nos últimos anos, além dos problemas de saúde, Tendler enfrentou dificuldades para financiar seus projetos cinematográficos. Em abril de 2025, afirmou que, nos editais do Ministério da Cultura, recebia pontuação apenas pelo critério de ser cadeirante. Ainda em 2025, recebeu a Ordem do Mérito Cultural.

Nascido no Rio de Janeiro em 2 de março de 1950, Tendler se apaixonou pelo cinema nos cineclubes cariocas dos anos 1960. Em 1969, iniciou o curso de Direito na PUC-Rio, mas abandonou os estudos para se dedicar integralmente ao cinema. Em 1970, mudou-se para o Chile, entusiasmado com a vitória de Salvador Allende, permanecendo no país por quase dois anos. Antes do golpe militar de Augusto Pinochet, seguiu para a França, onde concluiu seus estudos em Cinema e História e desenvolveu amizade com o diretor Jean Rouch, que o incentivou a se especializar em documentários.

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De volta ao Brasil no final dos anos 1970, começou a trabalhar em Os anos JK e ministrou cursos de Cinema e História na PUC-Rio, instituição em que lecionou por mais de 40 anos.

Tendler deixa a esposa, Fabiana Fersasi, a filha e produtora Ana Tendler, e dois animais de estimação — o cão cane corso Camarada e a calopsita Renê —, que foram companhias importantes durante a pandemia.

 

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postado em 05/09/2025 12:00 / atualizado em 05/09/2025 15:35
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