
Não raro, acontece de a festa de Nossa Senhora Aparecida coincidir com a de Nossa Senhora de Nazaré. Elas são uma só — a mãe de Jesus Cristo — manifestadas sob vestes diferentes. A primeira tem a sua data solene fixada em 12 de outubro, enquanto a segunda é celebrada no segundo domingo de outubro. Poucos traços diferenciam uma da outra, que têm em comum até mesmo a história da origem, ambas encontradas sob as águas.
Aparecida, padroeira do Brasil, é preta, veste-se de azul-marinho bordado a ouro, sob o título de Rainha do Brasil, por isso, possui uma coroa. Ela também traz, presas ao manto, duas bandeiras: a do Brasil e a do Vaticano. Leva o nome de Aparecida, por ter "aparecido" nas águas do Rio Paraíba do Sul, em São Paulo, capturada por três pescadores, em 1717.
Nazaré é padroeira do estado do Pará, e nos dias do Círio de Nazaré abraça como filhos milhões de devotos que chegam a Belém para participar do cortejo, segurar a corda e participar das missas. De aparência branca, a imagem carrega o menino Jesus no colo e está vestida de vermelho. O manto muda a cada ano, a partir do tema proposto pela igreja local para celebrar o seu dia. Essa tradição teve início logo nos primeiros anos desde que foi encontrada, em outubro de 1700, pelo caboclo Plácido José de Souza, às margens do Igarapé Murucutu. Este ano, o manto foi inspirado no tema "Maria, Mãe e Rainha de toda a criação".
Carinho
As duas também têm em comum o amor ardente e o afeto com que são tratadas pelos devotos que, para demonstrar a intimidade com a mãe, chamam as duas pelo apelido "Cida" e "Naza". Esta, inclusive, já ganhou até música, com o apelido, o Zouk da Naza, de Almirzinho Gabriel. "Naza, Nazarezinha, Nazaré rainha Nazaré, mãe da terra, Mãezinha me ajuda a cuidar", diz um trecho da música, que descreve o carinho dos devotos.
"Para mim, o Círio de Nazaré representa fé, família e testemunho. É tempo de renovar a confiança em Deus, celebrar o amor de Nossa Senhora de Nazaré e fortalecer os laços que nos unem. No mês de outubro, acolhemos amigos e familiares em nossas casas, partilhando a alegria do Círio. Maria aponta a seu filho Jesus como modelo de amor e vida", conta a paraense Regina Carvalho, que hoje mora em Brasília, mas não deixa de promover o tradicional "almoço do Círio", servido ao amigos que chegam, com comidas típicas — como pato no tucupi, maniçoba, vatapá e os doces regionais. "Esse almoço reúne todos em volta da mesa, em um encontro marcado pela fé, amizade e gratidão", comenta.
Também paraense, Osmar Arouke descreve o almoço como uma expressão cultural, que tem a fé como principal marca, mas passa também pela amizade e acolhida aos romeiros que vêm de outros cantos do país. "Além da procissão dos elementos religiosos, eu destacaria a mesa. A mesa que acolhe, a mesa que é farta, a mesa que inclui, os pratos tradicionais, o pato no tucupi, a maniçoba, mas acredito que o ingrediente principal é o acolhimento. Acolher não só os familiares e amigos, mas acolher o estrangeiro", conta. "O visitante é o amigo que chega e que se deslumbra não só com a fartura, mas com o acolhimento e a inclusão da mesa do paraense", acrescenta.
Gisa Maia, integrante da comunidade Missionárias da Fraternidade Cristã (MFraC), em Salvador, tem especial apreço por Cida. Esteve na Basílica de Aparecida três vezes e lá aprendeu a chamar a padroeira de mãe. "Falar do Santuário de Nossa Senhora Aparecida é falar do coração. Se o Brasil tivesse um coração, seria, por certo, lá. O coração materno e o coração feminino de Deus. Nos sorri, nos espera em Aparecida."
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Gisa conta que, a cada visita, a emoção é diferente. "Nossa alma peregrina, nossa alma criança, nossa alma singela, para chegar no átrio daquela grande construção, daquele templo. A gente tira, interiormente, um chapéu de palha da cabeça e diz: "Mãe, cheguei, estou aqui, sua bênção", cita, relembrando como fazem os devotos.
Gisa acrescenta que há um simbolismo forte na participação das procissões. "Estamos em comunhão com as milhares de pessoas, na sua grande maioria, rostos simples, rostos do nosso povo, dos mais simples e pobres, embora todos os segmentos da sociedade brasileira se façam presentes. Mas, de forma muito majoritária, é o rosto mais simples. Foi emocionante encontrar com um grupo de motociclistas fazendo barulho nas suas motos — braços e pernas tatuados, capacetes estavam vindo. Cavaleiros também, homens, da sua maioria, mas também mulheres montando a cavalo.
Multidão
Ontem, Belém amanheceu coberta por uma névoa de fé para o Círio de Nazaré. Antes mesmo de o Sol romper o horizonte, o som das cordas e o murmúrio das orações já tomavam as ruas da capital paraense. Às 7h28, a Imagem Peregrina de Nossa Senhora deixou a Catedral da Sé e iniciou seu percurso de 3,6 quilômetros até a Praça Santuário, onde chegou por volta do meio-dia. Entre lágrimas, promessas e cânticos, cerca de 2,5 milhões de pessoas acompanharam a 233ª edição do Círio de Nazaré, a maior procissão católica do Brasil e uma das maiores demonstrações públicas de fé do mundo.
A cada passo, histórias se cruzavam: mãos que seguravam a corda com fervor, famílias inteiras ajoelhadas nas calçadas, promesseiros descalços, crianças carregadas nos ombros e idosos que, mesmo em meio ao calor e à multidão, seguiam firmes, com os olhos marejados. Entre eles, Giovana Nogueira, jovem bailarina, repetia pela terceira vez o gesto que virou sua promessa: seguir todo o trajeto em passos de balé, agradecendo uma graça alcançada e pedindo uma nova bênção à Senhora da Berlinda.
A procissão começou com uma missa celebrada por dom Alberto Taveira, às 6h15, e seguiu o tradicional trajeto pelo centro histórico de Belém, passando pelo Ver-o-Peso, a Estação das Docas e a Praça da República, até chegar à Basílica Santuário.
O fim de semana também foi marcado por outras demonstrações de devoção. A Romaria Fluvial, com mais de 400 embarcações e cerca de 50 mil pessoas, encheu de cores e cânticos as águas da Baía do Guajará.
No coração da festa, a Casa de Plácido, erguida em homenagem ao agricultor que encontrou a imagem original de Nossa Senhora no século 18, acolheu cerca de 18 mil peregrinos e mobilizou 530 voluntários.
Fé, tradição e organização
Mais do que um evento religioso, o Círio de Nazaré também se confirma como um fenômeno cultural e social que transforma a cidade. Desde 2013, o Círio é reconhecido pela Unesco como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. A edição de 2025, em especial, ganhou um simbolismo adicional: servir de teste logístico e de infraestrutura para a COP30, conferência global sobre mudanças climáticas que será sediada em Belém no próximo mês.
Segundo o governo do Pará, as operações de segurança, transporte e acolhimento de fiéis — que envolvem milhares de agentes públicos e voluntários — estão ajudando a calibrar o planejamento da cidade para receber chefes de Estado e as delegações internacionais. "O Círio mostra ao mundo a força do nosso povo e a capacidade de Belém de se organizar para eventos de grande porte", destacou a gestão estadual em nota.
A bênção do papa
Considerado o maior templo católico do país e o segundo maior do mundo, o Santuário Nacional de Aparecida, em São Paulo, longas filas se formaram para a passagem dos fiéis pelo nicho que abriga a imagem original de Nossa Senhora. Por volta das 6h30, duas filas se estendiam pelos corredores do templo — uma delas para os visitantes que desejavam se aproximar do altar, e outra para quem preferia acompanhar o momento de forma mais distante. O movimento intenso também se repetiu em outros espaços do complexo religioso, como a Capela das Velas, o entorno do altar central e as passarelas de ligação com a Basílica Velha.
Embora o Santuário não tenha divulgado a estimativa oficial de público, o governo paulista calculou que cerca de 450 mil pessoas passaram pela cidade entre os dias 3 e 12 de outubro. O estacionamento, com capacidade para 3 mil carros e 2 mil ônibus, chegou a ser fechado temporariamente por volta das 9h, devido à lotação. A reabertura ocorreu pouco antes das 11h.
Ao longo do dia, a programação contou com missas, procissões e apresentações culturais, além da tradicional consagração solene à Padroeira, realizada no início da tarde. A data, feriado nacional desde 1980, quando o então papa João Paulo II coroou Nossa Senhora Aparecida como Rainha e Padroeira do Brasil, manteve-se como uma das maiores celebrações religiosas do país.
O papa Leão XIV abençoou a imagem de Nossa Senhora Aparecida, levada para ele pelos integrantes da redação brasileira da Rádio Vaticano e do portal Vatican News. Eles participaram do encontro do papa com o Dicastério para a Comunicação.
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