
O Cerrado, a savana mais biodiversa do planeta e berço das principais bacias hidrográficas do Brasil, segue sem o espaço que merece nas discussões sobre o clima. É o que afirma o professor Guarino Colli, do Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador da Rede Biota Cerrado. Segundo ele, a COP30, marcada para acontecer em novembro, em Belém (PA), representa uma oportunidade decisiva para mudar esse cenário.
“A crise climática é indissociável da crise da biodiversidade, e o Cerrado é essencial nessa equação. É hora de colocá-lo na pauta global”, afirmou o pesquisador em entrevista às jornalistas Mariana Niederauer e Mila Ferreira, no CB.Poder, programa do Correio em parceria com a TV Brasília.
Colli lembrou no programa que, embora o evento ocorra na Amazônia, é fundamental ampliar o olhar para outros biomas. “Sempre que se fala em conservação no Brasil, fala-se da Amazônia. É importante, claro, mas o foco exclusivo deixa outras regiões descobertas — e o Cerrado é uma delas”, destacou.
Segundo o especialista, o bioma ocupa posição estratégica na regulação do clima, na produção de alimentos e no abastecimento de água. “O que acontece no Cerrado repercute em todo o território nacional. Ele é o berço das águas. Se reduzirmos sua vegetação, reduzimos a chuva, o lençol freático e, com isso, a energia, a irrigação e o abastecimento”, disse.
Desafios e legislação
O professor criticou, ainda, as lacunas na legislação ambiental. “A Constituição cita a Amazônia e a Mata Atlântica, mas não menciona o Cerrado. O Código Florestal exige preservar 80% das propriedades na Amazônia, mas apenas 20% no Cerrado. Isso é um erro estrutural, que reflete um histórico de negligência”, afirmou. Ele defendeu a revisão das normas e a ampliação das áreas de proteção, em sintonia com a meta 30x30 das Nações Unidas, que prevê a conservação de 30% dos ecossistemas do planeta até 2030.
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Para Colli, o desafio vai além da preservação: envolve restaurar áreas degradadas e investir em ciência. “O passivo ambiental é enorme. Precisamos de dados confiáveis, monitoramento e financiamento contínuo. O Cadastro Ambiental Rural é uma ferramenta essencial, mas carece de atualização e fiscalização”, avaliou. Ele destacou o papel das universidades públicas e dos institutos de pesquisa na busca por soluções sustentáveis. “Investir em ciência é investir em soberania ambiental”, completou.
O pesquisador defendeu ainda que o Cerrado seja incluído de forma efetiva no mercado de carbono, frequentemente voltado apenas para florestas tropicais. “Quando se pensa em carbono, todos olham para as árvores. No Cerrado, a maior parte da biomassa está sob o solo, nas raízes. É uma floresta invertida. Ignorar esse potencial é um erro grave, porque a remoção da vegetação libera carbono acumulado há milênios”, explicou.
Colli reforçou também o papel dos povos indígenas e das comunidades tradicionais na conservação. “Esses grupos manejam o território de forma sustentável há séculos. Proteger suas terras é também proteger a biodiversidade e enfrentar a crise climática”, frisou. Para ele, discutir o Cerrado na COP30 é mais que uma questão ambiental — é uma questão de sobrevivência. “Cuidar do Cerrado é garantir água, alimento e energia. É garantir qualidade de vida e justiça social”, concluiu.
*Estagiária sob a supervisão de Andreia Castro
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