Belém — Às vésperas da 30ª Conferências das Partes (COP 30), figuras políticas são categóricas ao afirmar: Belém nunca mais será a mesma após o evento.
A declaração otimista é um alento para quem vive do turismo, mas pode ser vista com receio por aqueles que nasceram ou fincaram raízes na capital paraense. Elogios, reclamações, esperança e descrença se misturam entre a população belenense, prestes a receber o mundo inteiro na cúpula que vai de 10 a 21 de novembro.
As obras por toda a cidade impactaram o cotidiano da população desde o anúncio da sede do evento. Para a motorista Priscila Leão, 42, elas vieram para mudar a capital para melhor, mas pontua: “tudo tem um preço”.
Trânsito caótico, ruas interditadas e trajetos comprometidos são alguns dos fatores relatados pela moradora, que contou ter ficado com o carro atolado em um buraco ocasionado pela obra nos últimos dias.
Apesar das frustrações, ela avalia as mudanças como benéficas, pois, além das novas melhorias, os preparativos destravam obras que estavam paradas há anos.
“Entrava governo, saía governo e a cidade ficava esquecida, agora Belém está na boca do mundo”, afirma. Uma delas é a entrega do BRT Metropolitano, inaugurado na sexta-feira (31/10) em evento com participação do
ministro da Casa Civil Rui Costa.
Na solenidade, o governador Helder Barbalho (MDB-PA) agradeceu à população pela tolerância com o período de obras intensas.
“Eu sei o quanto precisou a população ter um exercício de paciência para tolerar, para suportar. Isso fica para trás e agora é usufruir, porque a casa está pronta e o novo sistema de transporte coletivo é uma realidade para o transporte coletivo de nós que vivemos no estado do Pará", declarou.
A obra do BRT Metropolitano, no entanto, não foi uma promessa de COP. O sistema de transporte que liga cidades da região metropolitana à capital foi iniciado em 2012 e passou por uma série de problemas com licitações, superfaturamentos e atravessou gestões de diferentes governos sem uma solução para os moradores.
Belém pós-COP
Michele Araújo relata transtornos com os preparativos para a COP 30. “Obra para tudo quanto é lado, umas obras inacabáveis”, declara.
Embora perceba mudanças na infraestrutura da cidade, para ela, as operações se restringem aos pontos turísticos e não refletem em melhorias para a população. “Para mim não mudou nada, continua a mesma coisa, porque eu não saio muito e os turistas estão acostumados a andar por lugares que eu não ando”.
A moradora acredita que algumas as obras podem se arrastar ainda mais, como o BRT, e critica os governantes, que, segundo ela, se preocupam mais com os visitantes do que com os problemas que afetam o cotidiano local.
“O governador deveria aparecer para nós, não para os turistas, porque os turistas vão embora depois de 15 dias e nós ficamos aqui, ele poderia ter feito essas obras muito antes”, declara.
Para ela, a COP é uma oportunidade para que Belém receba mais investimentos, mas é preciso muito mais. “Eu espero que essa situação aí da COP 30 venha para melhorar a nossa vida”, comenta.
O segurança João Paulo Pereira, 45, atribui os problemas a uma série de más gestões estaduais e municipais, mas vê melhoras nos últimos anos.
“Antigamente era muito abandonado isso aqui”, conta. O belenense acredita que a agenda da conferência não vai impactar tanto o cotidiano entre os dias 10 e 21 de novembro. “Qualquer evento com autoridade é assim mesmo que acontece, mas não atrapalha não”, comenta ainda.
Apesar do otimismo, ele acredita que algumas mudanças vão se restringir ao período do evento. “Belém sempre foi perigosa, tráfico, roubo, assim como em outros estados”, afirma. “Durante a COP a cidade vai ficar um pouco segura, mas depois vai voltar a ser a mesma coisa”.
Fique em casa
As delegações ainda nem chegaram e o maior congestionamento no trânsito já pode ser sentido. Com mais turistas, reuniões pré-COP e as obras em execução, o belenense tem demorado mais para se deslocar. “As mudanças no trânsito começaram pesado”, relata o chef de cozinha Magno de Castro.
A partir deste domingo (2/11), o ir e vir na sede da COP vai se transformar com o Plano de Mobilidade, que dura até 23 de novembro. A operação inclui o bloqueio total de trechos das avenidas Júlio César, Dr. Freitas, Duque de Caxias e Brigadeiro Protásio, que formam o perímetro de segurança do Parque da Cidade, onde acontece a COP.
Também deve haver interdições eventuais de vias para passagem de comboios, desvios de rotas no transporte público e uma frota de ônibus exclusivos para participantes do evento.
Para desafogar o trânsito, as entidades governamentais decretaram férias escolares e os servidores públicos vão trabalhar home office. Outros moradores, preocupados com o tráfego e o superlotamento das ruas, afirmam que vão evitar sair de casa quando não for necessário.
Preços
Nos meses que antecederam o evento global, a cidade esteve no centro dos noticiários pelos preços abusivos das hospedagens. Mas não foram só os leitos para estadias temporárias que sofreram o impacto.
A crise nos leitos afetou a oferta de moradias para os belenenses. Até casa para morar, ponto para alugar, aumentou tudo”, conta Magno.
Às vésperas da conferência, a cidade vê os preços de hospedagem despencarem para preencher os últimos leitos.
Esperança
Mesmo com os problemas, Belém espera ansiosa pelo evento, com aumento das barracas, mercadorias e produtos temáticos. O aumento do turismo já impactou a economia local, ponto positivo destacado pelos moradores.
“Tem muita gente que nunca teve um emprego fixo e agora tem”, comenta a da comerciante Francinete Corrêa, que trabalha em uma loja de artesanato no mercado Ver-o-Peso. “Nós aqui tínhamos um funcionário, agora temos três”.
Para Socorro Loura, vendedora de ervas no Ver-o-Peso, a COP tem tudo para ser inesquecível. Figura emblemática entre os turistas, a comerciante já representou o Pará fora do Brasil e dá um recado para quem vem de fora: “procurem a cultura, essa é a maior riqueza dos paraenses”.
*Repórter viajou a convite da Vila Galé
Gabriella Braz
RepórterJornalista pela UnB, piauiense residente no DF, escritora e entusiasta de temas relacionados à educação e meio ambiente. Tem passagens pelo EuEstudante, assessorias e pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC).