Violência

Mulheres caminham contra a violência hoje, às 10h, na Torre de TV

Diante de seguidos episódios de assasinatos e outros tipos de violência, o Mulheres Vivas percorre várias ruas do Brasil

Mulheres de diversos estados se reúnem para protestar, com o intuito de pedir um basta para a subjugação da mulher. -  (crédito: Rubi Salgado/Pexels)
Mulheres de diversos estados se reúnem para protestar, com o intuito de pedir um basta para a subjugação da mulher. - (crédito: Rubi Salgado/Pexels)

O Distrito Federal aderiu ao movimento nacional Mulheres Vivas, que convoca a sociedade para um grande ato neste domingo (7/12). Em Brasília, a manifestação está marcada para as 10h, na Feira da Torre de TV. Organizado de forma voluntária por grupos independentes de mulheres, o movimento, de caráter suprapartidário, nasce como reação à escalada da violência de gênero e aos casos recentes de extrema brutalidade que chocaram o país.

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De janeiro a setembro deste ano, 1.075 mulheres foram assassinadas em crimes de feminicídio no Brasil, segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Em 2024, o país registrou 1.450 mortes, média de quatro mulheres assassinadas por dia. No Distrito Federal, uma mulher é morta a cada 12 dias, conforme o 19º Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O feminicídio é caracterizado quando uma mulher é assassinada pelo fato de ser mulher — violência extrema motivada por razão de gênero.

A professora Luana Leal da Silva Rocha, de 25 anos, está internada em estado grave após ter grande parte do corpo queimado na tarde de sexta-feira (5), no distrito de Sobradinho, em São Tomé das Letras (MG). A Polícia Militar aponta o namorado, de 19 anos, como principal suspeito de atear fogo na vítima durante uma discussão.

O episódio se soma à onda de violência contra mulheres nas últimas semanas, no país, que vem levantando questionamentos sobre a banalização desses acontecimentos, que não são isolados e refletem um fenômeno sociedade e da política brasileira. Por isso, hoje, mulheres de diversos estados se reúnem para protestar, com o intuito de pedir um basta para a subjugação da mulher.

O levante Mulheres Vivas tem manifestações confirmadas, até o momento, em Brasília (DF) — com concentração marcada para as 10h, na Torre de TV —, São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ) , Curitiba (PR), Cuiabá (MT), Campo Grande (MS), Manaus (AM), Parnaíba (PI), Belo Horizonte (MG), Porto Alegre (RS), São José dos Campos (SP), Salvador (BA), São Luís (MA), Belém (PA) e Teresina (PI).

"Nós vamos tomar as ruas para dizer um basta à violência contra as mulheres. Nos últimos dias, nós vimos muitos casos de feminicídio, de violência física, violência sexual. Nós não suportamos mais e vamos tomar as ruas de todo o Brasil para dar um basta a essa situação. É fundamental que a gente se mobilize e se levante", disse a deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP), nas redes sociais. 

A deputada Erika Kokay (PT-DF) também convocou as mulheres para as manifestações. "Chega de silêncio, chega de morte, chega de abandono! Nossa luta é por vidas, pelo direito de existir sem medo. Traga sua voz, sua força, sua revolta. Por nós, pelas que vieram antes e pelas que precisam viver", escreveu no Instagram. 

Elas reivindicam delegacias da Mulher 24h e atendimento especializado, casas-abrigo e acolhimento imediato, medidas protetivas rápidas e investigação sem demora, autonomia emergencial para mulheres em risco, proteção de filhos e filhas, paridade de gênero no poder público e o combate à violência digital e aos discursos de ódio.

Socióloga e autora do livro Não voltaremos para casa — Ensaios feministas sobre poder, território e resistência no Brasil, que a editora Blimunda lança neste mês, Raissa Rossiter afirma que a violência de gênero é política, pois ela vai contra as possibilidades e direitos que as mulheres têm de ocupar espaços de tomadas de decisões e de decidirem o destino de seus próprios corpos. 

Ela destaca que quando uma mulher contraria essa dinâmica de subalternidade está fazendo um ato político. E, ao contrário disso, quando se submete a um poder masculino, em uma relação de dominação, ou é silenciada por um poder de violência física, moral, psicológica, ela está sendo submetida politicamente. "A violência de gênero é uma violência política, sim. Porque impede as mulheres de exercerem plenamente os seus direitos de decidirem sobre os seus corpos, sobre as suas ocupações, sobre a transformação, sobre as suas vidas. E sobre a vida da sua cidade, da sua comunidade, da sua família, sobre a vida também nos negócios, a vida na pólis, na cidade, enquanto espaço político", afirma a autora. 

Para a socióloga, quando as mulheres se insurgem contra as discriminações, as desigualdades, as violências, estão ocupando e se posicionando também politicamente. "Elas estão assumindo um lugar de fala, um lugar em que não lhes é destinado simplesmente aceitar uma condição que historicamente e culturalmente foi relegada às mulheres. É sobretudo não aceitar a violência como destino", pondera.

Raissa aponta ainda a autonomia econômica das mulheres como um pilar fundamental para que ela se imponha. "É sabido que as mulheres que não têm o seu dinheiro, que não têm a sua autonomia, não conseguem romper o ciclo de violência doméstica. A gente precisa também fortalecer as estruturas de apoio, as redes de suporte às mulheres, e isso não se faz somente na situação extrema, mas é preciso trabalhar preventivamente. E, finalmente, é preciso trabalhar também para que os homens participem dessa transformação, porque nós já estamos cansadas de falar entre nós", conclui.

Absurdos

No dia 29 de novembro deste ano, Tainara Souza Santos,  de 31 anos, foi atropelada, em São Paulo, e arrastada por cerca de 1 km após um ataque ocorrido na saída de um bar na Zona Norte da capital. A vítima passou por quatro cirurgias e teve as duas pernas amputadas. O agressor, Douglas Alves da Silva, de 26 anos, foi motivado por ciúmes, de acordo com testemunhas do crime. Douglas foi preso por tentativa de feminicídio e conduta violenta pelos policiais que o abordaram. Ele afirmou que não conhecia Tainara. 

Também no dia 29, na cidade de Salto, no interior paulista, o coach e influenciador Thiago Schutz, conhecido como "Calvo do Campari", foi detido após ser acusado de agressão e tentativa de estupro pela então namorada. O exame do IML apontou ao menos 11 agressões, com machucados distribuídos na face, nos membros superiores e inferiores, além de sinais de possíveis tentativas de defesa. O influenciador negou ter agredido a mulher, após ela negar ter relações sexuais com ele, disse que ela o agrediu primeiro e que a chutou em defesa. 

No dia 27 de novembro, na zona rural de Jaborandi, no oeste da Bahia, Yngrid Sousa de Jesus, de 19 anos, foi arrastada do banho e assassinada a tiros. O principal suspeito do crime é Paulo Henrique Silva Conceição, de 27 anos. Paulo e a vítima tiveram um relacionamento de cinco anos que chegou ao fim, porém, de acordo com a Polícia Civil da Bahia, o homem não aceitou o término e ameaçava Yngrid há cerca de um ano. Ele retirou a própria vida no mesmo dia que matou a jovem. 

No dia 21 do mesmo mês, a professora Catarina Karsten, de 31 anos, em Florianópolis, capital de Santa Catarina, foi estuprada e assassinada enquanto fazia uma trilha. O assassino, Giovane Correa Mayer, também é suspeito de estuprar uma senhora, que tinha 69 anos na época do crime. 

Os dados também assustam. Segundo o DataSenado, 3,7 milhões de mulheres brasileiras sofreram algum tipo de violência doméstica ou familiar, no período de maio de 2024 a maio de 2025. Quase seis em cada 10 mulheres afirmam que as agressões ocorreram há menos de seis meses do período das entrevistas, enquanto 21% relataram conviver com episódios há mais de um ano.

A Pesquisa Nacional de Violência Contra a Mulher também revela que, em 40% dos casos de violência em que existiam testemunhas presentes, elas não ofereceram qualquer tipo de ajuda às vítimas. Das vítimas, 58% recorreram à família, 53% à igreja e 28% procuraram delegacias da Mulher. Apenas 5% não tomaram nenhuma atitude. Entre as que solicitaram medida protetiva, quase metade relatou descumprimento.

Somente em São Paulo, desde o início deste ano, 207 mulheres foram vítimas de feminicídio em todo o estado, de acordo com a Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP-SP). Na capital, foram 53 casos de feminicídio registrados, de janeiro a outubro de 2025. O número é recorde anual, desde 2018, sem contar, ainda, com novembro e dezembro. 

Raissa Rossiter alerta que a violência doméstica não é a única forma política de controlar as mulheres. A sobrecarga dos cuidados de casa e a pressão estética também são formas de limitar o espaço político feminino. 

"As mulheres saíram de casa no século passado, e buscaram ocupar outros espaços, mas ao voltarem para as suas casas, elas ainda encontram a sobrecarga do trabalho, que fazem para além da sua vida pública. Elas voltam para casa e levam essa carga, sozinhas. Há esse peso dos cuidados dentro das suas casas com seus filhos, com seus pais, com seus parentes. Eu declaro isso no meu livro com o título Não voltaremos para casa. A casa como esse espaço simbólico de dominação, de subordinação das mulheres", falou a socióloga.  

Para Raissa, o próprio corpo feminino é também uma expressão política. "Essa pressão estética que recai sobre as mulheres é também parte de uma cultura de dominação, de que as mulheres se amoldem, se adequem a um padrão, a um estilo que atende a um conservadorismo, a uma exigência de que sejam adaptadas, sejam silenciosas", detalha. 

Os argumentos de Rossiter são semelhantes aos escritos pela jornalista americana Naomi Wolf no livro O mito da beleza". Na obra, a escritora defende que os padrões de beleza, como obsessão pela magreza, não são necessariamente instrumentos de vaidade, e sim formas de obediência feminina, pois ao passar grande parte do tempo preocupadas com como se encaixar em padrões estéticos inalcançáveis, as mulheres não têm tempo e perdem as habilidades de questionarem e protestarem.

*Estagiária sob a supervisão de Edla Lula

 


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LC
postado em 07/12/2025 04:02 / atualizado em 07/12/2025 09:48
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