Para muitas famílias brasileiras, as festas de Natal e Réveillon foram interrompidas por uma calamidade que varreu o país em 2025: a violência contra as mulheres. Um dos casos mais chocantes das últimas semanas teve um capítulo trágico no último dia 24, véspera de Natal.
Vítima da barbárie de um homem com quem teve um breve relacionamento, a autônoma Tainara Souza Santos, 31 anos, morreu na última quarta-feira, véspera de Natal. Em 29 de novembro, ela foi atropelada e arrastada por um quilômetro na Zona Norte da capital paulista. Douglas Alves da Silva, 26 anos, autor do crime, está preso.
Tainara passou por cinco cirurgias de alta complexidade. Em razão da gravidade dos ferimentos, teve as duas pernas amputadas. No início desta semana, passou por nova cirurgia, mas não resistiu.
Lúcia Aparecida da Silva, mãe de Tainara, lamentou a morte da filha nas redes sociais. "É uma dor enorme. Mas acabou o sofrimento e agora é pedir por justiça", escreveu. A mãe agradeceu, ainda, as mensagens de apoio e as orações. "Agradeço desde já todas as mensagens de oração, carinho e amor que vocês tiveram comigo e pela minha filha. Ela acabou de partir desse mundo cruel e está com Deus", escreveu.
A morte de Tainara expõe, de forma explícita, a dolorosa realidade da violência de gênero no país. A cada 100 mil mulheres brasileiras, 5,12 foram, em média, mortas ou quase mortas em tentativas de feminicídio em 2025. Foram identificados 5.582 mil casos consumados e tentados no Brasil durante o ano. Os dados foram levantados pelo Monitor de Feminicídios no Brasil (MFB), divulgados pelo Laboratório de Estudos de Feminicídios (Lesfem), em 10 de dezembro. O estudo registra recordes de ocorrências de violência contra mulheres por questões de gênero em diferentes estados.
Segundo levantamento feito pelo Observatório da Mulher Contra a Violência, vinculado ao Senado Federal, 718 feminicídios foram registrados em todo o país apenas entre janeiro e junho de 2025. Em média, quatro mulheres foram mortas por dia. De acordo com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, mais de 2,7 mil mulheres sofreram crimes por questões de gênero entre janeiro e setembro. Destas, 1.075 mil morreram.
Segundo o Monitor de Feminicídios no Brasil (MFB), a variação das taxas estaduais de casos de feminicídio não acontece de forma homogênea no país. Alguns tiveram queda singela. Outros, aumento expressivo. Rio de Janeiro (-0,9 pontos), Paraná (-0,8) e Piauí (-1,4) são as poucas unidades da Federação onde houve declínio. Amapá ( 14,7 pontos), Mato Grosso ( 8,0), Sergipe ( 4,3) e o Distrito Federal ( 4,2) registraram aumento na taxa de mortes por 100 mil mulheres.
Lula cobra expulsão
A cidade de São Paulo foi recordista no total de casos. Entre janeiro e outubro de 2025, foram registradas 53 mortes por feminicídio. É o maior da série histórica, iniciada em 2015.
Sensibilizado com esse drama nacional, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva resolveu se empenhar pessoalmente no enfrentamento à violência doméstica. Além de repudiar, em eventos públicos, a ação de agressores de mulheres, o chefe do Executivo pretende reforçar políticas de combate à misoginia e ao feminicídio.
Ontem, Lula voltou a abordar o assunto, desta vez em referência a um caso ocorrido no Distrito Federal. Nas redes sociais, exigiu uma punição a um servidor da Controladoria-Geral da União flagrado dando socos e tapas contra uma mulher e o filho dela, de quatro anos. David Cosac Júnior é auditor da CGU. O caso aconteceu em 7 de dezembro, mas as imagens da agressão vieram a público esta semana e causaram comoção nas redes sociais.
Lula considerou o episódio "inadmissível". O presidente determinou ao ministro Vinícius Marques de Carvalho, controlador-geral da União, a "abertura imediata de processo interno para responsabilização e expulsão" de David Cosac do serviço público. "Não vamos fechar os olhos aos agressores de mulheres e crianças, estejam eles onde estiverem", afirmou Lula. "O combate ao feminicídio e a toda forma de violência contra as mulheres é um compromisso e uma prioridade do meu governo", escreveu Lula.
Paralelamente ao episódio com o servidor público, outro caso chocou a capital federal. Na madrugada de terça-feira, um homem de 44 anos foi preso depois de degolar uma mulher, em Taguatinga Norte. O feminicídio foi praticado com crueldade contra uma mulher de 43 anos. Ela tinha medida protetiva vigente contra o agressor. Ele vivia em situação de rua.
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Os casos de violência não param pelo país. Também na semana do Natal, a professora Luana Leal Silva Rocha, de 26 anos, morreu, terça-feira, em São Tomé das Letras (MG). A vítima teve 60% do corpo queimado. O namorado, Kauê Magalhães Justino, 19 anos, ateou fogo no corpo da companheira, com gasolina. O crime aconteceu em 5 de dezembro. Ela passou 18 dias internada.
Fatores diversos
Para Juliana Gebrim, psicóloga clínica e neuropsicóloga pelo Instituto de Psicologia Aplicada e Formação de Portugal (IPAF), a violência contra a mulher não acontece de forma repentina. Indica, principalmente, uma conjunção de fatores. Ela cita, em primeiro lugar, questões estruturais, como desigualdade de gênero, cultura de controle, dependência emocional, sentimento de inferioridade e uma estrutura social marcada por relações patriarcais.
"O cenário de violência contra as mulheres no Brasil é grave e preocupante, e não está restrito a um único perfil social", explicou. "(A violência) aparece em comportamentos como ciúmes excessivos, desvalorização da mulher, controle da rotina e isolamento. (...) pode acontecer em qualquer ambiente, inclusive em instituições onde disciplina e respeito são valores centrais. Isso reforça que o problema não está apenas no local, mas em padrões emocionais e culturais profundamente enraizados na sociedade", avalia.
Segundo Gebrim, frequentemente as vítimas que buscam apoio psicológico expressam sentimentos de culpa, vergonha e confusão sobre o que enfrentaram. É comum as mulheres exibirem baixa autoestima, medo constante, culpa, insegurança e isolamento. Muitas passam a duvidar de si mesmas e perdem a confiança nos outros. Entre as várias medidas necessárias, a psicóloga destaca a necessidade de reconstrução pessoal. "A missão é identificar a experiência como violência e ressignificá-la, fortalecendo a autoestima", ressalta a especialista.
Do ponto de vista legal, o advogado criminalista Amaury Andrade, vê melhoras no reconhecimento e punição dos agressores, além da tipificação de novos crimes. A Lei Maria da Penha, por exemplo, central na prevenção e punição da violência contra a mulher, teve avanços significativos desde 2006. Mas ele ainda observa muitos problemas.
"As etapas de prevenção e proteção efetiva podem e devem melhorar. Esse é o grande desafio: proteger e prevenir", explicou. Na avaliação do especialista, fatores sociais agravam a situação das mulheres. "O problema central não é a ausência de leis, mas falhas sociais, que são o pano de fundo. Falhas sociais, falhas estatais na execução e prevenção e na cultura, da violência em si. Falhamos em interromper o ciclo da violência antes da letalidade", avalia.
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