Investigação

Caso da menina que viajou para encontrar homem no Ceará desafia a polícia

Menina de 13 anos pegou um avião de Brasília para Fortaleza, sozinha. No Ceará, ela estava com o suspeito de tê-la atraído pela internet. O homem teria se passado por um adolescente. Ele foi preso, mas acabou liberado em seguida

Darcianne Diogo
Edis Henrique Peres
Pedro Marra
postado em 13/11/2021 06:00
José Emerson Santana, padrasto de adolescente, conta que a família está aliviada e que aguardam a volta da jovem -  (crédito: Carlos Vieira/CB/DA Press)
José Emerson Santana, padrasto de adolescente, conta que a família está aliviada e que aguardam a volta da jovem - (crédito: Carlos Vieira/CB/DA Press)

O caso da menina que desapareceu no Distrito Federal e foi encontrada no município de Massapê (CE), a 2.000 km de Brasília, levanta uma série de questionamentos. Aos 13 anos, a adolescente conseguiu embarcar sozinha de avião até o Aeroporto de Fortaleza Pinto Martins, para encontrar um homem, de 35 anos. O Correio revelou que o rapaz é servidor público municipal da Secretaria de Saúde. Ele chegou a ser preso, mas foi liberado.

A menor foi encontrada na quinta-feira em Massapê, município com pouco mais de 30 mil habitantes, depois de uma operação conjunta entre a Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) e a Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE). O suspeito, identificado como Jocelio Vieira da Luz, pode responder pelos crimes de estupro de vulnerável e subtração de incapaz, a depender do andamento das investigações.

A polícia, agora, quer saber como a menina conseguiu embarcar sozinha no avião. Quando desapareceu, em 5 de novembro, a mãe recebeu informações de que a filha estaria no Aeroporto de Brasília. Ela foi ao terminal aéreo verificar a denúncia, mas não encontrou a garota. Segundo apuração policial, ao que tudo indica, a jovem, realmente, pegou voo sozinha, o que é proibido perante ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Crianças e adolescentes com menos de 16 anos só podem viajar desacompanhados caso tenham uma autorização judicial de algum dos responsáveis. O formulário fica disponível no site do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Após preencher o documento, é preciso, ainda, reconhecer as assinaturas em cartório.

Jocelio trabalha como digitador na secretaria do município e ingressou no cargo em fevereiro deste ano, depois de ser aprovado no processo seletivo de seleção pública simplificada. Solteiro, o suspeito se passou por um adolescente de 15 anos para atrair a garota. Os dois conversavam por meio de uma rede social e logo trocaram números e passaram a dialogar pelo WhatsApp.

Para a adolescente, Jocelio dizia que morava no Maranhão e era neto de um coronel. Nas redes sociais, ele se intitulava como Maurício Gomes Chagas e usava outras fotos para enganar a garota. No DF, os dois chegaram a se encontrar pessoalmente. A mãe da adolescente contou que a filha queria conhecer o amigo que fez pela internet e que permitiu, desde que ela acompanhasse o encontro. A mãe, no entanto, não notou que se passava de um homem adulto, pois, segundo ela, o suspeito tem a estatura baixa, é magro e estava de boné, máscara e óculos.

O homem trocou mensagens com a mãe da adolescente por meio de um aplicativo. Na ocasião, o celular da menina tinha quebrado, e o servidor depositou dinheiro para que o aparelho fosse consertado, alegando que havia adquirido o valor com o pai.

Alívio

Com a notícia de que a menina havia sido encontrada bem, a família comemorou. A adolescente está aos cuidados do Conselho Tutelar do Ceará e deve ser trazida à capital federal nos próximos dias. "Vamos tratar mais da educação dela nesse sentido. Agora, ela vai ficar um tempo sem mexer no celular. Eu estou aliviado, porque ela está em boas mãos. Agora, só quero a presença dela e dar um abraço", afirma, ao Correio, o padrasto da garota, José Emerson, 41.

Segundo José, a enteada utilizava o celular com frequência. "Ela é uma menina bem na dela. Chegava da escola, colocava a mochila na cama, deitava e ficava muito tempo no celular. A gente sempre dava confiança para ela usar o aparelho", relata.

Os vizinhos, que também se comoveram com o caso, destacam que a adolescente tem comportamento tímido e não costuma falar com as pessoas na rua. Moradora da casa ao lado da família, a aposentada Maria Araújo, 63, vive na região há 32 anos e diz que era difícil ver a jovem fora de casa. "A mãe dela, inclusive, só vai ao mercado, à igreja e não deixa os filhos com ninguém. E sem contar que ela é muito tímida, porque não falava até conosco, que somos vizinhos", descreve.

Moradora de frente à casa da família, Maria de Lourdes Soares, 69, lembra quando viu a menina sentada na frente da residência. "A única vez que vi ela aqui fora foi com livros e cadernos na mão, há dois meses. Ela é muito quieta. Ninguém via ela muito na rua", ressalta.

O caso

A adolescente saiu de casa por volta das 6h20, em 5 de novembro, dizendo para a mãe que iria para um passeio escolar, mas não compareceu à unidade de ensino. O Correio revelou, na quinta-feira, que a menina tomou rumo em direção à estação do Metrô de Samambaia e embarcou sozinha, no Aeroporto de Brasília.

Quando a jovem desapareceu, Jocelio mandou mensagem para a mãe da adolescente perguntando sobre o desaparecimento. "Ele é um manipulador. Ele disse que era do Maranhão e foi encontrado no Ceará", denuncia um dos tios da garota.

Em nota oficial, a Secretaria de Segurança Pública do Ceará (SSP-CE) informou que a localização do paradeiro da jovem aconteceu após uma ação conjunta das Delegacias Regional de Sobral e de Combate a Exploração da Criança e do Adolescente (Dceca), além da troca de informações com a Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF).

Os dois foram encontrados em Massapê (CE), e segundo o relato da polícia, a adolescente e o homem demonstraram surpresa. Eles foram conduzidos para a delegacia de Sobral. A menina passou por exames periciais e foi encaminhada para Fortaleza, para ser ouvida na sede da Dceca.

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Mariana Nery, advogada especialista em direito e gênero

 

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