BICHOS DO ZOO

Do resgate à fama das onças: conheça a história dos irmãos George e Peter

Encontrados em meio às chamas que assolavam Mato Grosso, os irmãos George e Peter tornaram-se protagonistas na capital do país. Leia a terceira e última reportagem da série que conta as histórias dos bichos mais famosos do Jardim Zoológico de Brasília

Os felinos foram resgatados ainda filhotes, em 2021, no Mato Grosso  -  (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
Os felinos foram resgatados ainda filhotes, em 2021, no Mato Grosso - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

As brincadeiras entre George e Peter, as sonecas que tiram agarrados e o auxílio que um dá ao outro na hora do banho, por meio de extensas lambidas, distanciam os irmãos felinos do cenário em que foram encontrados num passado não tão distante. A dupla foi resgatada em 2021, desamparada e órfã, em meio às chamas que destruíram a mata onde viviam, em Mato Grosso. As onças-pintadas do pantanal chegaram ao Jardim Zoológico de Brasília em outubro de 2021, e logo a beleza de suas manchinhas despadronizadas fez com que virassem protagonistas do espaço. 

Trazidos ao Zoo por recomendação do programa de conservação da Associação de Zoológicos e Aquários do Brasil, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), George e Peter ganharam nomes em homenagem a profissionais renomados na área de estudo da espécie. 

George Schaller é um zoólogo americano, destaque no âmbito da vida selvagem e vice-presidente da Panthera Corporation, que atua na conservação de felinos no mundo. Peter Crawshaw foi aprendiz de Schaller e pioneiro no estudo de onças-pintadas no Brasil. Ele nasceu em São Paulo e morreu em decorrência de complicações da covid-19 em abril de 2021, deixando um legado admirável para estudiosos da espécie.

Segundo o biólogo Raphael Camargo, supervisor do setor de mamíferos, os felinos foram destinados ao Zoológico de Brasília por haver, aqui, uma equipe especialista no manejo de animais dessa espécie. Também havia um recinto disponível, que estava de acordo com todas as instruções normativas para abrigar onças-pintadas. 

Melhores amigos

Contrariando o padrão, já que a espécie é considerada solitária e territorialista, os irmãos vivem juntos desde que nasceram, tornaram-se melhores amigos e apreciam a companhia um do outro. Hellen Cristina de Sousa, médica veterinária e chefe do núcleo de mamíferos, apontou que os dois dormem juntos, interagem e, arteiros, estão sempre brincando. "Eles são muito apegados. Fazem o famoso 'banho de gato' um no outro e interagem demais. Como chegaram ainda filhotinhos, têm um laço de afetividade forte", contou. 

Diferentemente dos vizinhos do recinto ao lado, o trio de onças-pardas (que estrelou a primeira reportagem da série), gostam de fazer barulho. Ativos, apreciam esturrar e, junto dos pássaros e patos, fazem a trilha sonora de fundo do Zoo. Da espécie considerada como maior felino das Américas, a dupla falha em intimidar. Os olhinhos brilhantes e os bigodes de gato derretem o coração dos visitantes. 

Espertos, aprenderam, com o condicionamento, a dar a patinha, mostrar peito e abrir a boca, quando lhes é solicitado. Todos esses comandos são ensinados por uma equipe de profissionais especialistas com um único objetivo: melhorar a qualidade de vida dos bichos. Dessa forma, há menos estresse quando necessário realizar exames e manejos. 

Celebridade na internet

Não contente com a fama no Zoo, Peter foi além. Em dezembro de 2023, viralizou nas redes após ser gravado escalando a parede do recinto e chegando próximo ao topo das grades de segurança. A cena foi registrada em um vídeo gravado pelos visitantes e chamou a atenção na internet. Nas semanas seguintes ao episódio, o fluxo no Zoo aumentou. Curiosos fizeram questão de ir ao espaço para conhecer o animal de perto e, claro, fotografá-lo.

A veterinária ressaltou que, apesar do susto, os bichos não conseguiriam pular as grades. "Era muito seguro, e hoje a gente reforçou. Aquele episódio foi apenas um susto, somente travessura. O recinto é preparado e segue todas as normas", apontou. Seguindo as instruções normativas, os recintos de grandes felinos têm cerca elétrica, de baixa tensão, que serve somente para provocar impulso caso o animal a toque. Os especialistas asseguraram que os animais não levam choque.

Além de escalar as grades, no mês seguinte, em janeiro do ano passado, Peter voltou a viralizar. Dessa vez, ele se equilibrou em cima de um toco estreito e permaneceu parado no topo, surpreendendo todos os visitantes que foram privilegiados com a cena. "São animais que estão atingindo a maturidade sexual e que são hiperativos. Eles interagem com os enriquecimentos e atendem bem aos condicionamentos. Esse é um hábito de gato, que gosta de escalar e ficar no alto. O que aconteceu naquela época pegou todo mundo de surpresa, mas é algo do comportamento dos felinos", completou o biólogo Raphael Camargo. 

Monitorados

Acompanhado em tempo integral, Peter teve de passar por uma cirurgia oftalmológica recentemente. Os especialistas explicaram que o felino tem sialocele, que ocorre quando, segundo eles, uma glândula salivar que fica localizada próximo ao olho incha. "Por isso, a gente precisou fazer essa intervenção. Quando o público perceber que ele tem algum problema na região dos olhos, saiba que ele já passou por cirurgia e está em processo de recuperação. Ele não perdeu a visão e se recupera bem, por ser jovem e forte", disse Raphael. O irmão, George, é saudável e não apresenta nenhuma alteração.

Conservação

No Brasil, as onças-pintadas são consideradas vulneráveis, segundo os especialistas. George e Peter participam do programa de conservação. "A ideia dos empreendimentos de fauna, seja zoológicos, seja santuários, é fazer a reprodução desses animais para quando existir um bom número da espécie dentro das instituições, haver a possibilidade de adaptar os filhotes e colocá-los em vida livre", explicou o biólogo.

A dupla foi destinada ao Zoo também por indicação do programa do Studbook, em que profissionais, especialistas no comportamento e na genética dos animais, estudam e trabalham monitorando espécies para que não haja hibridação e consanguinidade — quando espécies diferentes se reproduzem, gerando um descendente ou o acasalamento entre animais com certo grau de parentesco. Esse é um importante trabalho para a conservação saudável das espécies, conforme apontou Raphael. 

Mas se os dois são tão companheiros, o esperado é que não sejam jamais separados, não é? Infelizmente, não. Hellen e Raphael explicaram que há estudos para separá-los, exatamente por causa do Studbook. "Esse é um programa internacional, então, se eles encontrarem um lugar que tenha duas fêmeas, por exemplo, podem determinar que uma delas venha para cá, para cruzar com um deles, e, nesse caso, o outro seguiria para a instituição onde há uma outra fêmea, que não tem nenhum grau de parentesco, para haver, assim, reprodução e conservação da espécie", disse Raphael. 

Mas, nesse caso, os bichos não seriam afetados, pois ganhariam uma nova companhia. "Eles só vão para outra instituição se houver uma fêmea para trazer ao zoológico e fazer a troca", finalizou.

  • George e Peter criaram um forte laço e permanecem sempre juntos
    George e Peter criaram um forte laço e permanecem sempre juntos Foto: Fotos: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
  • Os irmãos amam esturrar e interagir um com o outro
    Os irmãos amam esturrar e interagir um com o outro Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
Letícia Guedes
postado em 26/01/2025 09:00
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