ENSINO

Teatro contra o bullying: 'Hora da saída' aborda prevenção contra violência

A peça "Hora da saída" aborda a prevenção à violência e ao preconceito no ambiente escolar. A obra, criada a partir de uma pesquisa com psicólogos, psiquiatras e educadores, estará em unidades da rede pública entre 24 de abril e 5 de maio

Ideia é retratar as dores de estudantes e mostrar que é possível enfrentar o problema com sensibilidade -  (crédito:   Carlos Vieira/CB/DAPress)
Ideia é retratar as dores de estudantes e mostrar que é possível enfrentar o problema com sensibilidade - (crédito: Carlos Vieira/CB/DAPress)

Em 10 dias, o Distrito Federal registrou dois casos de esfaqueamento em escolas públicas. Em Brazlândia, na terça-feira (8/4), um adolescente de 15 anos foi esfaqueado nas costas por um colega de 14, no Colégio Cívico-Militar CED 02 de Brazlândia. De acordo com a Delegacia da Criança e do Adolescente II (DCA II, o ato foi em legítima defesa, pois o jovem vinha sendo ameaçado e intimidado pelo colega. O estudante ferido foi socorrido e encaminhado ao hospital regional da cidade.

Em 31 de março, um adolescente de 16 anos foi esfaqueado por dois colegas no Centro de Ensino Médio 01 do Gama. Os autores foram apreendidos pela Polícia Militar e levados à DCA I. A vítima foi atendida no Hospital Regional de Santa Maria.

Ambos os episódios alertam para situações de bullying e de violência nas instituições de ensino. Nesta semana, em 7 de abril, foi celebrado o Dia Nacional de Combate ao Bullying e à Violência na Escola, que reforça a urgência de discutir práticas que, muitas vezes, passam despercebidas por educadores e famílias.

No Distrito Federal, um projeto pedagógico-cultural tem transformado essa reflexão em arte e acolhimento. A peça Hora da saída, que aborda a prevenção à violência e ao preconceito no ambiente escolar, será apresentada em instituições públicas de ensino de Santa Maria, Fercal, Guará e Plano Piloto entre os dias 24 de abril e 5 de maio. 

Criada a partir de uma pesquisa transdisciplinar com psicólogos, psiquiatras e educadores, a iniciativa une teatro e educação para dar nome às dores vividas em silêncio por muitos estudantes, e mostrar que é possível enfrentar o problema com escuta, sensibilidade e ação.

A idealizadora, diretora e dramaturga Luciana Mauren, contou ao Correio que a proposta nasceu anos antes, entre 2008 e 2009, com o objetivo de criar novas linguagens para alcançar adolescentes. “Não existem muitos espetáculos teatrais voltados para adolescentes. Existe teatro infantil e teatro adulto. O jovem, que está em formação, fica esquecido. E é exatamente nessa fase que questões delicadas como o bullying emergem com força dentro das escolas”, explicou.

A apresentação, baseada em vivências reais, foi pensada justamente para dar nome ao sofrimento que muitos estudantes enfrentam calados. “Quando entendi o que era o bullying, eu percebi que precisava falar sobre isso. Vi acontecer dentro de sala de aula e entendi que tinha nome. Isso me deu um norte. Se tornou uma missão”, contou Luciana.

Hoje, com o termo mais popularizado, o projeto encara o desafio de corrigir o uso distorcido da palavra. “Tudo passou a ser chamado de bullying. Quando banalizamos uma violência, ela perde força e se torna alvo de deboche. Nosso objetivo atual é fortalecer o sentido real da palavra, diferenciar bullying de outras formas de agressão e reafirmar sua gravidade”, afirmou.

Segundo ela, é uma prática que ocorre entre pares – ou seja, entre pessoas do mesmo nível hierárquico, como estudantes. Deve ser repetido, intencional e desequilibrado, em que uma vítima é constantemente perseguida. “Quando um professor é atacado, isso não é bullying, é assédio. E quando uma ofensa acontece de forma isolada, é racismo, homofobia, gordofobia. O bullying se torna o guarda-chuva que cobre tudo isso, mas tem critérios próprios”, destacou.

  • Peça teatral Hora da Saída chega às escolas entre os dias 24 de abril e 5 de maio
    Peça teatral Hora da Saída chega às escolas entre os dias 24 de abril e 5 de maio Carlos Vieira/CB/DAPress
  • Ideia é retratar as dores de estudantes e mostrar que é possível enfrentar o problema com sensibilidade
    Ideia é retratar as dores de estudantes e mostrar que é possível enfrentar o problema com sensibilidade Carlos Vieira/CB/DAPress
  •  Peça teatral Hora da Saída chega às escolas entre os dias 24 de abril e 5 de maio
    Peça teatral Hora da Saída chega às escolas entre os dias 24 de abril e 5 de maio Carlos Vieira/CB/DAPress
  •  07.04.2025 Carlos Vieira/CB/DAPress. Peça teatral Hora da Saída chega às escolas entre os dias 24 de abril e 5 de maio,Peça teatral Hora da Saída chega às escolas entre os dias 24 de abril e 5 de maio
    07.04.2025 Carlos Vieira/CB/DAPress. Peça teatral Hora da Saída chega às escolas entre os dias 24 de abril e 5 de maio,Peça teatral Hora da Saída chega às escolas entre os dias 24 de abril e 5 de maio Carlos Vieira/CB/DAPress
  • Peça teatral Hora da Saída chega às escolas entre os dias 24 de abril e 5 de maio
    Peça teatral Hora da Saída chega às escolas entre os dias 24 de abril e 5 de maio Carlos Vieira/CB/DAPress
  •  07.04.2025 Carlos Vieira/CB/DAPress. Peça teatral Hora da Saída chega às escolas entre os dias 24 de abril e 5 de maio,Peça teatral Hora da Saída chega às escolas entre os dias 24 de abril e 5 de maio
    07.04.2025 Carlos Vieira/CB/DAPress. Peça teatral Hora da Saída chega às escolas entre os dias 24 de abril e 5 de maio,Peça teatral Hora da Saída chega às escolas entre os dias 24 de abril e 5 de maio Carlos Vieira/CB/DAPress

 

 

Saúde mental

O psicólogo Rodrigo Macedo, especialista em saúde mental infantojuvenil, acompanha o projeto de perto e reforça o impacto do bullying na formação emocional das crianças e adolescentes. 

“O que observo com mais frequência nas falas de vítimas de bullying é um sentimento profundo de solidão e a dificuldade de superar o dano psicológico na autoestima, na autoimagem, na capacidade de socialização. Esses danos podem gerar comportamentos agressivos, profunda insegurança afetiva, isolamento e, em alguns casos, evoluir para transtornos como ansiedade, fobia social, depressão, pânico e transtornos alimentares”, explicou.

Segundo ele, muitas crianças e adolescentes demoram a entender o que estão vivendo. “Algumas nem conseguem nomear. Outras ficam constrangidas, com medo de denunciar e sofrerem represálias ou mais isolamento”, explica. Entre os sinais de alerta, ele aponta o desinteresse repentino pela escola, a recusa em frequentar as aulas, maior agressividade, perda de apetite, mudanças significativas de comportamento e aumento excessivo no tempo em frente a telas e jogos eletrônicos.

Rodrigo também diferencia bullying de outras formas de agressão. “A principal diferença é que o bullying é uma prática sistemática. E ele acontece geralmente para uma plateia que ri e estimula. Tem a adesão de um grupo, sem o qual o praticante nem teria por que fazer aquilo. A satisfação geralmente vem dessa aprovação do grupo”, apontou.

Arte que acolhe

Em meio ao silêncio que ecoa entre as cadeiras da plateia, vozes jovens se erguem para dar forma à dor que muitos não conseguem nomear. O espetáculo transforma o palco em espaço de reflexão e acolhimento. Por meio da arte, os estudantes criam pontes entre emoção e conscientização, tocando professores, colegas e a comunidade escolar com cenas intensas e carregadas de significado.

“Não é só sensibilizar. A gente quer trazer um impacto de mudança também. Muitos alunos vivenciam isso, mas não conseguem entender o quanto isso afeta outras pessoas. Não é só uma questão de empatia, é um chamado à transformação”, comentou Eduarda Tavares, uma das integrantes da peça.

A também integrante do elenco, Clarice Faria, acredita no poder da linguagem artística para causar impacto. “Quando a gente tira isso só do discurso e leva para o teatro, eles têm outra visão. As cenas plásticas ajudam a entrar em outro universo. Isso ajuda muito eles a enxergarem de forma diferente", afirmou.

Lhorran Santiago compartilha a ansiedade antes de cada apresentação. “A gente quer ver a galera se comovendo e sentindo a história de certa forma. É um nervosismo bom, porque a gente sabe o quanto isso é importante", disse.

Para Vitor Han, a peça ajuda o público a entender, de fato, o peso do bullying. "A gente ouve que bullying é errado, mas quando mostra no palco, é tipo assim: agora eu consegui sentir. Talvez eles possam tirar suas próprias conclusões e reflexões a partir disso, e escolher a melhor forma de interpretar", contou.

Bate-papo transformador

Após a peça, um bate-papo conduzido por psicólogos aprofunda o debate com os alunos. São explicadas as diferenças entre bullying físico, verbal, direto, indireto, masculino, feminino — e também o cyberbullying, cada vez mais comum com o uso das redes sociais.

“Antes, quando o estudante sofria bullying, ele encontrava alívio ao chegar em casa. Hoje, as agressões continuam nos celulares, nos grupos de mensagens, nos comentários. Não existem mais paredes seguras”, alerta Rodrigo Macedo.

É nesse momento de escuta que surgem desabafos inéditos. “Eles se identificam com os personagens, com as situações. O teatro abre espaço para a emoção, para o reconhecimento. Eles passam a se ver e se sentir acolhidos, e até mesmo para prestar depoimentos sobre vivências próprias”, relatou Luciana.

Rodrigo Macedo finaliza com um alerta: “A principal mensagem creio ser a de que é uma prática criminosa, grave e que, apesar de infelizmente ainda ser frequente, não pode ser normalizada e nem tratada como uma brincadeira inocente”, concluiu. Segundo ele, os números são alarmantes: 1 a cada 10 crianças sofre bullying em escolas no Brasil e, nas redes sociais, 1 a cada 6.

*Estagiária sob a supervisão de Malcia Afonso

postado em 10/04/2025 02:00
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