
O delegado Bruno Linhares, da 5ª Delegacia de Polícia do Distrito Federal, denunciou ter sido alvo de ameaças por parte de policiais militares após se recusar a formalizar flagrantes sem evidências concretas. A situação teria começado quando agentes da PMDF apresentaram dois casos seguidos, com características semelhantes, para registro como tráfico de drogas — ambos sem qualquer substância apreendida. "Expliquei que não podia fazer o flagrante. Eles disseram que iam me processar e tudo mais", contou o delegado.
Segundo Linhares, a postura dos policiais passou a escalar para retaliações diretas. Em vídeos que circulam nas redes sociais, policiais gravam a filmagem do videomonitoramento da Rodoviária do Plano Piloto para repassar ao delegado, como parte de uma investigação. Entretanto, ao fundo, é possível ouvir os militares proferindo ofensas ao delegado e ameaças à família dele.
“Eles disseram que fariam blitz em volta do meu condomínio, que iriam à academia da minha esposa, que é personal trainer. Ameaçaram me prender, falaram que iam esperar eu beber para me pegar no erro”, relatou. Em um dos vídeos que embasam a denúncia, os policiais fazem ofensas ao delegado e mencionam tentar alterar sua lotação na corporação.
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Nos vídeos, ouve-se a voz dos policiais chamando o delegado de coisas como “baiano safado” e “arrombado”. Também debocham do fato de o delegado ter ido contatá-los portando um skate — objeto que Linhares usa para lazer e transporte. Em outro vídeo, os militares são gravados, supostamente, articulando maneiras para forjar um flagrante. Um das vozes no vídeo diz que o policial deve “passar as orientações a ele (um usuário de drogas que aparece no vídeo)” e pergunta ao colega: “Você sabe passar as orientações, né?”, ao que um homem responde: “Tem métodos”. Veja:
Ação recorrente
Ainda de acordo com o delegado, os mesmos policiais atuam frequentemente na região. Ele aponta que as abordagens do grupo têm viés discriminatório. "Queriam ‘limpar’ a rodoviária. Passam a imputar crimes a moradores de rua e pessoas pretas, sem evidência", afirma. Em um dos episódios relatados por Linhares, uma adolescente de 13 anos, testemunha de um caso, foi colocada em viaturas junto a homens e levada pela cidade sob pretexto de obter informações — sem respaldo legal. “Disseram que era para ver se ela apontava quem eram os traficantes”, diz.
Policial há 14 anos, Linhares diz que já teve que lidar com ameaças de facções criminosas, mas que nunca havia vivenciado algo semelhante vindo de colegas de segurança pública. “Foi a primeira vez que recebi ameaça à minha família. Isso tem um caráter institucionalizado, com uso de informação privilegiada. E ainda mais grave por vir de policiais.”
Apesar das ameaças, o delegado afirma que não vê o caso como reflexo de toda a corporação da PMDF. “Tivemos apoio da PM diversas vezes. Mas esse grupamento específico age de maneira coordenada e reiterada. Não é um caso isolado.” Ele também aponta que a postura de enfrentamento pode ter incomodado. “Eu ando de skate no Plano inteiro, conheço muita gente, converso com todo mundo. Isso, pelo jeito, ajudou a me identificar e os incomodou.”
Repercussão
A denúncia gerou reação imediata de órgãos de controle e fiscalização. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), por meio da 3ª Promotoria de Justiça Militar, solicitou à Corregedoria-Geral da Polícia Militar a abertura de um inquérito para apurar a conduta dos agentes envolvidos. A requisição foi expedida na sexta-feira (13/6). Segundo o MPDFT, a apuração da Corregedoria da PMDF deve esclarecer, entre outros pontos, o teor das ameaças, o uso de informações privilegiadas contra o delegado e possíveis violações institucionais.
Em nota, a Polícia Militar do Distrito Federal informou que tomou conhecimento dos fatos por meio da Corregedoria da própria corporação, que “realizou os registros pertinentes” e dará continuidade à apuração dos elementos disponíveis, "observando o devido processo legal".
Além das medidas em âmbito local, o delegado Bruno Linhares também solicitou que o Ministério da Igualdade Racial acompanhe o caso. Ele alega que a atuação do grupo de policiais militares envolvidos tem caráter discriminatório e apresenta viés étnico. Segundo o delegado, há um padrão de abordagem direcionado a pessoas negras e em situação de vulnerabilidade na região central de Brasília.