PATRIMÔNIO

Fundação Athos Bulcão ganha casa após 16 anos de espera no DF

Com o decreto assinado por Ibaneis Rocha que cede, por 35 anos, uma área no Eixo Monumental, a Fundação Athos Bulcão busca recursos para a construção do projeto criado pelo arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé

Projeto do arquiteto João Filgueiras Lima para a sede da Fundação Athos Bulcão -  (crédito: Divulgação)
Projeto do arquiteto João Filgueiras Lima para a sede da Fundação Athos Bulcão - (crédito: Divulgação)

Depois de 16 anos de luta, a Fundação Athos Bulcão finalmente encontrou um local para construir sua sede definitiva. Na última segunda-feira, o governador Ibaneis Rocha sancionou a lei que autoriza a concessão de um terreno público à Fundathos. Localizada no Setor de Divulgação Cultural (SDC), próximo a Torre de TV e do Centro de Convenções Ulysses Guimarães, a área cedida possui 1.225 m², e a concessão, válida por 35 anos, pode ser prorrogada por igual período.

"A obra de Athos Bulcão se confunde com a própria história de Brasília", destaca Márcia Zarur, presidente da fundação. "Ele se apaixonou pela cidade e viveu aqui até o fim, produzindo sempre e procurando fazer um trabalho integrado à arquitetura e à paisagem. O artista plástico encheu a cidade de beleza, cores e formas, mostrando que a arte não precisa estar apenas encerrada nos museus". A Fundathos preza pela preservação e valorização do legado do artista ao se responsabilizar pela manutenção das obras, e mais importante, ao ensinar às novas gerações sobre a importância de Bulcão.

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Agora, o grande problema é captar recursos para a construção do projeto, estimado entre R$ 8 milhões e R$ 10 milhões. Márcia acredita que instituições financeiras, empresários e parlamentares (com emendas) poderão ajudar a financiar o projeto. "Tivemos manifestações muito importantes de parlamentares como a deputada federal Érika Kokay e das senadoras Leila Barros e Damares Alves. Seria lindo termos os deputados e senadores unidos por essa causa nobre, presenteando a cidade com um museu de Athos Bulcão", completa a presidente da Fundathos. Além disso, o site da instituição possui um espaço para a doação. "Depois de décadas, destravamos esse projeto e agora o legado dele ganha a própria casa, perto da antiga Funarte. Brasília valoriza sua arte, sua história e sua identidade", afirma Ibaneis nas redes sociais.

Arquitetos da cidade levantam opções para a viabilização da obra. Luiz Eduardo Sarmento, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-DF), conta que o instituto acompanha há muitos anos as dificuldades da Fundação Athos Bulcão com aluguel e mudanças de endereço, mas com o terreno no Eixo Monumental fica mais fácil captar recursos. "Essa é uma chance maravilhosa para o mecenato de Brasília, para os grandes empresários que, diferentemente de outros lugares, não costumam investir em cultura. É preciso devolver à cidade esse equipamento tão importante", destaca. 

Daniel Mangabeira, ex-presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Distrito Federal (CAU-DF) e sócio-fundador do Bloco Arquitetos, reforça que é preciso contar com apoio de empresários locais, principalmente construtores que cresceram com a ampliação da capital. "Tenho absoluta certeza de que se as grandes construtoras da cidade se unissem para a construção da nova sede, estariam retribuindo à cidade o que ela lhes deu. Seria incrível ver essa movimentação", argumenta Daniel. 

Além do apoio das construtoras, também é possível viabilizar a obra de outros formatos. Para Eduardo Sainz, arquiteto e fundador da Sainz Arquitetura, a Fundathos tem que ser tratada como um espaço cultural, e a verba deve sair do Fundo de Apoio à Cultura (FAC). "Eu acredito que o caminho seja por aí, até porque, se não me engano, o terreno era de ocupação de um órgão desses (ligado à cultura) e estava sob responsabilidade da Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec)", comenta. 

Márcia  Zarur destaca a contribuição e o empenho do secretário de Cultura, Cláudio Abrantes, na articulação do processo, e celebra a tão esperada conquista: "O terreno para a Fundação Athos Bulcão é uma dívida antiga que a cidade finalmente está pagando. Foram muitos anos de luta e a emoção é indescritível. Foi uma grande vitória, mas esse é apenas o primeiro passo. Após a sanção do terreno, começamos uma nova luta que será a captação de recursos para a construção do lindo prédio", ressalta Márcia.  

A Lei nº 1.786/2025 disponibiliza apenas o local para a fundação, que vai ser responsável por arcar com as despesas de construção do prédio, licenças, tributos e demais autorizações legais. Além disso, as obras deverão ser concluídas em até cinco anos a partir da publicação da lei. 

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Obra de Lelé

O projeto arquitetônico da Fundathos foi desenhado por João Filgueiras Lima, o Lelé, um pioneiro na aplicação da arquitetura industrializada do país, morto em 2014, e grande parceiro de Athos em edificações como os hospitais da Rede Sarah Kubitschek, o Tribunal de Contas da União (TCU) e inúmeros outros. Pronto desde 1992, o desenho da fundação finalmente vai ganhar vida com um local que engloba complexo cultural com teatro/auditório de 180 lugares, sala multiuso, museu, galeria, loja e café, e finalizado com cobertura ondulada e uma grande claraboia ao centro para proporcionar iluminação natural.

Desenvolvido por uma pessoa que estava ligada à construção de Brasília, o novo prédio trará de volta a alma da capital e, "sem dúvida, estará entre os mais bonitos da cidade. Vê-lo pronto será a confirmação de que Brasília ainda é a capital da esperança e a cidade onde é possível sonhar e realizar", acrescenta Márcia.

O projeto será mantido como original, com atualizações e adequações apenas nas áreas de acessibilidade e segurança, sob supervisão do arquiteto Haroldo Pinheiro e do escritório da filha de Lelé, Adriana Filgueiras Lima. Também arquiteta, Adriana admira a parceria do pai com Athos que unia a arquitetura e arte: "Havia perfeita comunhão de ideias entre os dois, que sempre resultava em uma genial explosão de criatividade e beleza. O prédio projetado por meu pai para abrigar o inestimável acervo do Athos simboliza essa preciosa comunhão, baseada em profunda admiração mútua e enorme amizade", comenta.

 

Projeto do arquiteto João Filgueiras Lima para a sede da Fundação Athos Bulcão
Projeto de João Filgueiras Lima para a sede da Fundação Athos Bulcão (foto: Divulgação)

 

Niemeyer

Nascido no Rio de Janeiro, em 1918, Athos se mudou para Brasília em 1958 a convite de Oscar Niemeyer e participou da construção da capital, sendo autor de obras marcantes como azulejos da Igrejinha Nossa Senhora de Fátima, na 307/308 sul, o relevo em concreto na lateral do Teatro Nacional e o relevo em madeira iluminado na sala do Cine Brasília. "Todo o brasiliense se identifica com as pombinhas do Espírito Santo, que surgem naquela igreja, que é uma joia de integração arquitetura e arte extraordinária", afirma o crítico e curador de arte, Marcus Lontra.

Organizador de diversas exposições de Athos ao redor do Brasil, ele afirma que a máxima de que o "artista é uma ponte" se aplica com precisão a Athos Bulcão. "Durante toda sua vida, ele estabeleceu exatamente essa comunicação entre a arquitetura, a natureza, a alma, o espírito barroco e a vocação construtiva geométrica. Também teve a ideia de unir a azulejaria com as propostas contemporâneas. Por isso, a obra dele é essencialmente Brasília", define o curador.

Ele também comenta a parceria de Athos com arquitetos, no caso de João Filgueiras Lima. O artista plástico "se permite a utilização poética da cor e da criatividade, dando a essa arquitetura uma espécie de lirismo e de poesia". Já com Oscar Niemeyer, o papel de de Athos Bulcão é de complementar as edificações e criar de novas descobertas.

O artista sintetiza a ideia da capital de mesclar um modernismo internacional com características e particularidades brasileiras, por isso, ele é um artista fundamental para o Brasil, especialmente para Brasília. "Sem dúvida, um espaço dedicado à Fundação Athos Bulcão, criada por esse por esse grande arquiteto que é o Lelé, vai valorizar o trabalho do nosso mestre maior, que é Athos Bulcão", finaliza Marcus.

 

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A fundação

Criada em dezembro de 1992, com o intuito de preservar e difundir as obras do artista, a Fundação Athos Bulcão está atualmente localizada em um espaço alugado na 510 Sul. Há anos, a organização luta por um espaço próprio que honre com dignidade o legado do artista, com batalhas lideradas por Valéria Cabral, secretária-executiva da Fundathos e Márcia Zarur. 

Um dos maiores empecilhos na conquista do terreno era de que, apesar de não ter fins lucrativos, a fundação é uma entidade de direito privado, o que impede o governo de doar um terreno público. As burocracias foram resolvidas com a concessão de direito de um espaço, e a responsabilidade da fundação de arcar com os custos da obra.

Além de ser responsável pela manutenção das obras de Athos Bulcão e de ensinar para as novas gerações a importância do artista na construção da capital, a organização também é detentora dos direitos autorais das artes de Athos, e possui uma loja, no modelo presencial e on-line, que comercializa artefatos personalizados para os brasilienses que querem guardar um pouco da cidade perto de si ou para os turistas que gostariam de levar lembranças da capital para casa.

 

O legado 

Athos Bulcão está marcado em construções da capital federal e a obra é um reconhecimento ao trabalho do arquiteto. Para Daniel Mangabeira, o legado de Athos ultrapassa os limites territoriais, tanto do Distrito Federal como do Brasil. 

"Athos uniu como poucos a arquitetura, a escultura e a arte pictórica. Grande parte da nossa identidade cultural vem desse enorme artista que fez arte urbana antes mesmo deste termo existir", destaca Daniel. O arquiteto pontua que os azulejos do Jardim de Infância da 308 sul, a escultura dos cubos do Teatro Nacional, os muros do Hospital Sarah Kubitschek fazem parte do cotidiano da cidade. "Athos Bulcão, Brasília e o Brasil merecem essa nova sede", reforça. 

A ligação de Athos Bulcão com a identidade da cidade é unânime. Para o arquiteto Eduardo Sainz, ele é fundamental neste quesito e na relação da arte com a edificação e destaca que não devem ser apenas os arquitetos que enxergam sua importância. "Em Brasília, Athos Bulcão é uma enorme referência, e é importante que os brasilienses que não são arquitetos tenham essa percepção. Isso é muito importante. Para nós, arquitetos que estamos no meio, é intrínseco e está no nosso DNA. Oscar Niemeyer fazia edificação escultórica, belíssima, mas o detalhe é de Athos Bulcão", comenta Eduardo. 

Colaborou João Pedro Alves* e Júlia Costa*

* Estagiários sob a supervisão de José Carlos Vieira

 


postado em 02/07/2025 06:33
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