Judiciário

"É um novo tempo que está vindo", diz nova desembargadora pelo TJDFT

O tribunal cumpriu a resolução do CNJ e promoveu a magistrada por unanimidade, por meio de uma lista exclusivamente feminina, criada pelo critério de merecimento. Em entrevista exclusiva, ela afirmou que realizou um sonho de infância

Soníria Campos é a primeira desembargadora a ser escolhida em uma lista exclusivamente feminina    
     -  (crédito:  Guilherme Felix CB/DA Press)
Soníria Campos é a primeira desembargadora a ser escolhida em uma lista exclusivamente feminina - (crédito: Guilherme Felix CB/DA Press)

A brasiliense Soníria Campos Rocha D'Assunção foi escolhida, nesta terça-feira (8/7), para assumir o cargo de desembargadora do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT). A vaga surgiu após a morte do desembargador J.J. Costa Carvalho. A magistrada foi promovida por unanimidade, por meio de uma lista exclusivamente feminina, criada pelo critério de merecimento. Com a escolha de Soníria Campos, o TJDFT ficará com 47 desembargadores, sendo 37 magistrados da carreira da magistratura e 10 provenientes do quinto constitucional. Deste total, 33 são homens (70,21%) e 14 são mulheres (29,79%).

A escolha de Soníria levou em consideração a Resolução 525/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que busca ampliar a presença de mulheres no Judiciário, e teve um processo bastante conturbado. Uma sessão, em 24 de junho, elegeu o juiz Demetrius Cavalcanti para o cargo de desembargador. Naquele momento, o único tribunal do país a não seguir a norma do CNJ foi o TJDFT.

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A votação que escolheu, por unanimidade, Soníria como desembargadora do TJDFT durou cerca 25 minutos (foto: Guilherme Felix CB/DA Press)

A corte chegou a divulgar uma nota, afirmando que não descumpriu a resolução. No documento, o tribunal informou que "a orientação recomendando que a lista inicial a ser formada para promoção ao referido cargo, deveria ser exclusiva de mulheres, não possui força normativa para interferir na decisão soberana do colegiado do TJDFT". Porém, dois dias depois, em uma medida conjunta, o presidente do CNJ, ministro Luis Roberto Barroso, e o corregedor nacional de Justiça, Mauro Campbell Marques, decidiram pela suspensão da promoção de Demetrius Cavalcanti.

Paixão de berço

Emocionada com a promoção, Soníria Campos recebeu o Correio em seu gabinete para a primeira entrevista após a sessão histórica que a colocou entre os desembargadores do TJDFT. Desde os 9 anos, ela sabia exatamente o que queria: ser juíza. Fascinada pelos tribunais que via em filmes, pediu à mãe que a levasse para conhecer um juiz pessoalmente. A cena, que poderia soar lúdica para muitos, acabou sendo, na verdade, um prenúncio de uma trajetória de vida, marcada por uma vocação rara, que agora culmina na sua promoção.

Formada em direito em Brasília, Soníria ingressou na magistratura há 30 anos e percorreu diversos espaços no Poder Judiciário, do trabalho como juíza substituta de primeiro grau à experiência como juíza titular da Vara Criminal do Gama, além de passagens por varas de execução fiscal e turmas recursais. Com o tempo, ela contou que desenvolveu um olhar sensível para as histórias reais que cada processo carrega. "Poder olhar além dos papéis. Poder olhar uma pessoa e saber que quando você está, por exemplo, deferindo uma guarda, você está pensando numa família, numa criança que vai ser educada, vai ser criada", afirmou.

Com sensibilidade e firmeza, a nova desembargadora ressaltou que nunca enxergou os processos apenas como números ou papéis. "Tive que criar alguns procedimentos, algumas formas de atingir a população para atender o anseio dela. É o papel de todo juiz de buscar fazer efetividade para a Justiça", comentou, ao relembrar os sete anos à frente da Vara de Execução Fiscal do DF, período em que desenvolveu práticas premiadas de conciliação para resolver um acervo de cerca de 400 mil processos físicos com poucos recursos.

Raízes

Ao longo da entrevista, Soníria revelou que sua busca por justiça também tem raízes pessoais. Filha de pais separados, cresceu vendo de perto a luta da mãe para sustentar e educar os filhos. "Talvez, por ter vivido algumas situações que me pareciam injustas, desenvolvi esse olhar. De repente, quando você pode fazer alguma coisa, acho que existe uma responsabilidade", avaliou.

A escolha de Soníria ocorreu em uma lista tríplice composta apenas por mulheres, marco que ela recebeu com emoção e senso de representatividade. "Várias mulheres poderiam estar hoje aqui e, quando eu penso nisso, me sinto muito honrada. Não só pela minha trajetória, mas por saber que estou representando várias que poderiam estar aqui", destacou.

Apesar da importância do momento, Soníria reforçou que não vê a equidade de gênero como uma disputa entre homens e mulheres. "A Resolução (do CNJ) é nova, tudo é muito novo, mas é um novo tempo que está vindo. Talvez, a mensagem que fique é que possamos construir juntos algo melhor, e nunca aquela coisa, 'um contra o outro'. É um ao lado do outro", defendeu.

Agora, desembargadora, Soníria disse que pretende aplicar a experiência acumulada ao longo de três décadas de carreira. Ela atua como juíza substituta de 2º grau e conhece bem o funcionamento das câmaras e das turmas. A expectativa, segundo ela, é seguir promovendo justiça com o mesmo compromisso que a acompanhou desde o início. "A gente identifica algumas coisas que podem ser melhoradas, e, com certeza, quero seguir contribuindo para isso, dando seguimento a tudo que escrevi até agora", ressaltou.

Reconhecimento

Ao Correio, o Corregedor da Justiça do DF e dos Territórios, Mario-Zam Belmiro Rosa, afirmou que a atuação da desembargadora sempre foi reconhecida como de excelência. "Pude constatar isso de perto, desde quando ela ingressou na magistratura do TJDFT. Foi juíza auxiliar na 10ª Vara Cível, quando eu era o juiz titular, e destacou-se no esforço para prestar jurisdição com equilíbrio e sensatez", reconheceu. "Ao conversar com ela após a sessão, estava muito contente e com enorme emoção pela promoção. A alegria foi ainda maior, porque a votação foi por unanimidade", acrescentou.

De acordo com Mario-Zam, Soníria também se destacou pela sua atenção com todas as pessoas, não importando a posição social, intelectual ou de gênero. "Seu trato sempre foi fino, sendo reconhecida por sua modéstia. Creio que se sente honrada em ser a mulher que inaugurou a prática da lista exclusivamente feminina no Tribunal de sua cidade natal", observou. "A aplicação da Resolução do CNJ, evidentemente, ficará indelevelmente marcada em sua memória. A busca pela equivalência na paridade de gênero é algo que veio para ficar, não apenas no Poder Judiciário", opinou o corregedor.

Promotora de Justiça e colaboradora do Núcleo de Gênero do Ministério Público do DF (MPDFT), Mariana Távora disse que a presença de mulheres na segunda instância é instrumento de garantia da igualdade de gênero. "É uma forma de concretizar os direitos e garantias fundamentais da nossa Constituição. Uma Justiça com a presença de mais mulheres é mais igualitária e tem potencial de julgamentos com perspectiva de gênero, nos moldes do protocolo do CNJ", ressaltou.

A juíza de direito do TJDFT Gabriela Jardon recordou o tempo em que atuou com Soníria na Turma Recursal e garantiu que ela vai "fazer história no tribunal e servir fielmente ao jurisdicionado". "É uma magistrada exemplar, trabalhadora, séria, mais que cortês, carinhosa com seus pares e perseguidora do justo", descreveu.

Perfil

 

Sempre conciliadora

 

Soníria Campos Rocha D'Assunção formou-se em direito pela Associação de Ensino Unificado do DF (AEUDF) e ingressou na magistratura do DF, em 1995. A magistrada desenvolveu, na capital do país, um programa para execução fiscal que venceu o Prêmio Conciliar é Legal, do Conselho Nacional de Justiça, e também o Prêmio da Febrafite, realizado em parceria com a Esaf e o Ministério da Fazenda. Atuou como juíza auxiliar, na Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ, onde coordenou o Programa Nacional de Governança Diferenciada das Execuções Fiscais. Integrou a 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais. Sua última atuação foi como juíza substituta de 2º grau, integrante da 6ª Turma Cível e da 2ª Câmara Cível do TJDFT, e também é membro titular do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-DF), desde novembro de 2024.

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postado em 09/07/2025 02:00
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