
Um deboche por parte de um grupo de estudantes do Centro Educacional do Guará (CED 3) levou um professor a agredir um aluno com um tapa dentro de sala de aula na última semana. O fato reacendeu o debate sobre a prevenção à violência dentro do ambiente escolar no Distrito Federal. Especialista ouvida pelo Correio destacou que a violência nas instituições de ensino é reflexo da violência social e falou da importância de um trabalho pedagógico, ressaltando que a repressão não é o caminho.
"Situações em que estudantes agridem professores ou em que educadores perdem o controle emocional expõem uma ferida aberta na relação entre sociedade e escola. Famílias fragilizadas, muitas vezes sem rede de apoio, acabam delegando à escola uma tarefa que deveria ser compartilhada: educar para a vida, para os afetos e para os limites", frisou a pedagoga, mestre em Educação, escritora e coordenadora escolar Simone Santos. "A violência nas escolas não será vencida com repressão ou indiferença. Precisamos de um pacto intersetorial que envolva famílias, educadores, gestores, estudantes, governo e sociedade civil", acrescentou.
O caso do professor que agrediu o aluno no Guará causou o afastamento do docente por um período de 60 dias, e a Corregedoria da Secretaria de Educação do DF instaurou Processo Administrativo Disciplinar (PAD) para apurar a conduta do professor. A educadora Simone Santos pontuou, ainda, que, para além das punições, é preciso um engajamento coletivo para transformar a realidade nas escolas. "A paz não nasce por decreto. Ela se constrói todos os dias, com políticas públicas eficazes, com respeito e com humanidade. Que nossas escolas voltem a ser territórios de segurança, acolhimento e transformação", salientou.
Ações
De acordo com a Secretaria de Educação (SEEDF), o monitoramento e o acompanhamento de situações de violência são realizados de maneira integrada pela pasta, com a atuação conjunta de áreas técnicas específicas, como a Assessoria Especial de Cultura de Paz (AECP), responsável por coordenar ações de prevenção e promoção da cultura de paz no ambiente escolar. A associação atua diretamente com as escolas por meio de oficinas, rodas de conversa e formações sobre bullying, ciberbullying, mediação de conflitos e estratégias de convivência.
As ações preventivas da SEEDF são planejadas com base em dados regionais e registros das próprias unidades escolares. Desde 2024, foram desenvolvidas ações como as oficinas de bullying e ciberbullying, sobre gestão de incidentes em ambiente escolar e sobre eventos com agressor ativo em ambiente escolar, que alcançaram milhares de profissionais da educação.
A Gerência de Orientação Educacional (GOE) complementa a atuação, oferecendo suporte e orientação aos estudantes em situações de conflito escolar, além da Diretoria de Atendimento à Saúde do Estudante (DIASE), que acompanha questões relacionadas à saúde mental dos estudantes. A Diretoria de Qualidade de Vida no Trabalho (DQVT) presta apoio psicológico e institucional aos servidores envolvidos em ocorrências, e a Gerência de Serviços Especializados de Apoio à Aprendizagem (GSEAA) oferece suporte técnico com psicólogos, pedagogos e demais profissionais especializados.
A SEEDF também mantém interlocução direta com o Secretaria de Segurança Pública, por meio do Batalhão Escolar da Polícia Militar do DF, que realiza ações preventivas e atendimento a emergências quando necessário. A Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) informou que, por meio do eixo "Escola Mais Segura" do programa "Segurança Integral", atua com ações preventivas e de intervenção para promover um ambiente escolar mais seguro.
Fiscalização
Desde 2005, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) conta com o Grupo de Apoio à Segurança Escolar (Gase), responsável por fiscalizar políticas públicas voltadas ao enfrentamento da violência nas escolas, além de outras atribuições. O grupo é composto por cinco promotores de justiça e uma servidora e tem como funções ainda articular a rede na execução de políticas públicas de enfrentamento à violência escolar, fomentar ações para implementação da política pública de mediação escolar e desenvolver cursos de capacitação, oficinas e workshops sobre o tema do enfrentamento à violência nas escolas.
Além das atribuições das Promotorias da Educação, Infracionais (Infância e Juventude) e Criminais, quando a situação é encaminhada ao Gase, é realizado um estudo de caso para avaliação e planejamento de intervenções como, por exemplo, mediação de conflitos, práticas restaurativas, articulação da rede, realização de oficinas, rodas de conversa e/ou escuta ativa.
A servidora Caroline Resende, uma das integrantes do Gase ressaltou a importância de o governo investir na capacitação dos profissionais de educação. "É essencial para que ações de prevenção sejam realizadas de forma técnica, articulada, coordenada e periódica e ações de enfrentamento, de forma imediata, assertiva e efetiva, a fim de que a violência seja interrompida de imediato", salientou. "Outra questão crucial é proporcionar ao profissional de educação boas condições de trabalho, levando-se em consideração tanto os recursos materiais quanto de pessoal", completou.
A representante do Gase chama atenção para a necessidade de mais profissionais trabalhando na educação do DF. "Temos vivenciado carências de profissionais como orientador educacional, pedagogo, psicólogo escolar, profissional especializado em educação especial e até mesmo de professores", afirmou. "Essas carências impactam toda a equipe da unidade escolar, que acumula atribuições, causando uma sobrecarga de trabalho e, assim, prejudica sua saúde, criatividade e disposição dos profissionais, profissionais estes que vão atuar na prevenção e no enfrentamento da violência", disse.
Recomendação
Em 22/08/2019, o Ministério Público, recomendou à SEDF que adotasse as providências cabíveis para a produção e publicação bimestral de relatórios das ocorrências de intimidação sistemática no âmbito do DF, para planejamento de ações. No mesmo sentido, o Gase, recomendou à SEDF, em 18/04/2023, a produção e publicação desses relatórios bimestrais das ocorrências de bullying. Até o momento, os relatórios ainda não foram produzidos.
Questionada, a SEDF informou que foi notificada e está atendendo, dentro do prazo, às recomendações referentes à produção e publicação dos relatórios. "A Pasta está concluindo a implementação de um módulo específico no sistema EducaDF, que permitirá o registro, acompanhamento e geração desses relatórios. Como medida preparatória, foi realizado um mapeamento das escolas com o formulário "Conhecendo sua escola pela Cultura de Paz", além de formações que já alcançaram mais de 6 mil educadores com foco na prevenção à violência e promoção de ambientes seguros e acolhedores", disse a SEDF.
Casos em 2025
Fevereiro
Um professor com deficiência visual foi agredido por três alunos em frente a uma escola. A motivação teria sido a indignação dos estudantes após o professor chamar a diretoria para obrigá-los a guardar os celulares.
Março
O aluno de uma escola no Setor Leste do Gama ficou ferido após levar quatro golpes de canivete dentro da instituição e foi levado ao Hospital Regional de Santa Maria. Dois alunos estavam envolvidos na agressão. Um segurou a vítima e o outro desferiu o golpe.
Maio
Um adolescente precisou ser internado após ser agredido por outro em uma escola particular em Águas Claras. O aluno que agrediu foi transferido de escola.
Junho
Um homem de 41 anos agrediu uma criança de 4 durante uma apresentação em uma escola de Vicente Pires. O agressor teria se indignado com o fato de que a criança estava praticando buylling contra o seu filho.
Julho
Um professor agrediu um aluno com um tapa no Centro Educacional 3, no Guará. A agressão ocorreu após o aluno reunir um grupo para rezar em sala de aula como forma de deboche ao fato de que o professor é ateu.
Uma menina de 11 anos sofreu racismo no Centro de Ensino Fundamental I, do Riacho Fundo. Três colegas, com idades entre 12 e 14 anos, ofenderam a aluna criticando o cabelo e a cor da pele. A aluna precisou ser atendida pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) por conta de um ataque de pânico causada pelo episódio de racismo sofrido.
Caminhos para a pacificação
Por Simone S. Santos, pedagoga, mestre em Educação, escritora e coordenadora de escolas públicas há mais de 30 anos
Há lacunas importantes na prevenção da violência nas escolas. A ausência de formações contínuas, de equipes multidisciplinares e de políticas estruturadas impede que educadores se sintam preparados para enfrentar casos de bullying, cyberbullying, racismo, homofobia, assédio e agressões. Formar para a prevenção da violência exige ir além do currículo tradicional, incorporando inteligência emocional, diálogo respeitoso, gestão de conflitos e compromisso com a equidade racial.
O sofrimento emocional dos professores também merece atenção. Muitos estão adoecidos, sobrecarregados e sem suporte adequado para lidar com a crescente complexidade da rotina escolar. Quando um professor perde o limite, como vimos recentemente, não se trata apenas de um ato isolado, é um alerta de que a saúde mental dos profissionais da educação precisa ser prioridade. Sem cuidado com quem cuida, não há escola possível.
Felizmente, há boas práticas sendo desenvolvidas pelo país. Projetos de esporte, arte, cultura e inclusão têm reduzido índices de violência em escolas públicas. Programas como círculos de diálogo, cine debates, mediação entre pares e educação para a paz têm gerado impacto positivo na convivência. Esses exemplos devem ser fortalecidos, financiados e replicados com seriedade.
Saiba Mais
Cidades DF
Cidades DF
Cidades DF