MEIO AMBIENTE

Crescimento das áreas urbanas no DF afeta habitats e equilíbrio ambiental

Especialistas destacam a necessidade de se criar corredores para esses animais circularem, sem precisar ter contato com humanos

Lobo-guará teve as patas machucadas por uma armadilha de laço  -  (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
Lobo-guará teve as patas machucadas por uma armadilha de laço - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Com o avanço das cidades sobre áreas naturais, cresce também a necessidade de repensar a relação entre os humanos e a fauna silvestre. No Distrito Federal, a convivência com animais silvestres se tornou mais frequente, o que não significa algo a ser temido. Fragmentos de vegetação nativa, cada vez mais escassos e isolados, obrigam diversas espécies a se deslocarem por áreas urbanizadas em busca de alimento, abrigo ou rotas de fuga. A coexistência harmoniosa é o que vai ditar a preservação da biodiversidade e o equilíbrio ambiental.

Parte da equipe dos Centros de Triagem de Animais Silvestres do IBAMA
Parte da equipe dos Centros de Triagem de Animais Silvestres do IBAMA (foto: Vitória Torres/CB)

A médica veterinária Juliana Junqueira, coordenadora de conservação de fauna do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), explica que a presença de animais silvestres nas cidades geralmente está ligada à perda de habitat, a incêndios que os forçam a fugir para zonas urbanas ou à ação humana direta, como a captura para criação doméstica, o que pode levar a solturas irresponsáveis e à introdução de espécies fora do seu ambiente natural.

"Quanto mais a cidade vai se desenvolvendo e invadindo as áreas naturais, mais os animais ficam sem rotas de fuga ou perdem o habitat natural e começam a aparecer nas cidades. Estamos entrando na seca, ou seja, vai haver incêndios, o que vai acarretar em muitos animais em rota de fuga. Nós estamos tirando a casa deles. Também há casos de animais que são retirados ilegalmente da natureza. Algumas pessoas querem cuidar, mas isso não é possível, pois o animal vai crescer e entrar em processo de maturação sexual, ficar mais estressado, consequentemente sendo solto em qualquer lugar”, detalha. 

Ela destaca que o mais preocupante é a vontade de criarem animais silvestres. "As pessoas precisam aprender a observar e ter prazer em ver o animal vivendo. Estão criando muitos macacos como se fossem bebês. Outro grupo que é bastante afetado são os papagaios, por quererem ensinar a falar. Tudo isso foge do comportamento natural deles”, completa.

 12/08/2025 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF - HFAUS - Aumento da presença de animais silvestres nas cidades. Hospital e Centro de Reabilitação da Fauna Silvestre - Setor Hoteleiro, projeção H, Taguatinga sul. Capivara.
Capivara vítima de atropelamento perdeu um olho (foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Para isso existem os Centros de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), responsáveis por receber, cuidar e reabilitar animais resgatados, apreendidos ou entregues voluntariamente, devolvendo-os à natureza. No entanto, a presença desses animais na cidade nem sempre exige intervenção. “Precisamos viver em coexistência com a fauna. Não querer ter posse ou expulsar. Isso é viver com respeito. Nem todo animal tem que ser resgatado porque está na cidade. Resgate é apenas nos casos em que os animais estão em risco ou feridos. Normalmente, é o humano que mata o animal”, afirma Juliana.

 12/08/2025 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF - HFAUS - Aumento da presença de animais silvestres nas cidades. Hospital e Centro de Reabilitação da Fauna Silvestre - Setor Hoteleiro, projeção H, Taguatinga sul. Pica-pau
Pica-pau se feriu ao bater contra um vidro e foi atendido no Hospital e Centro de Reabilitação da Fauna Silvestre (Hfaus) (foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Um projeto de corredores de fauna, que são faixas de vegetação que conectam áreas de habitats fragmentados, como florestas, matas e biomas, seria importante para conectar esses fragmentos, garantindo segurança para os espécimes silvestres. “Esses corredores são pedaços de ecossistema que buscam conectar diferentes áreas de vegetação que são geograficamente fragmentadas por estradas. Seria uma solução para reduzir o número de animais entrando nas cidades”, observa a médica veterinária Kadije Emanuelle Brandão, da clínica especializada em animais silvestres Exotic Life, na Asa Norte. 

 12/08/2025 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF -  Aumento da presença de animais silvestres nas cidades. clínica veterinária de animais silvestres, Exotic Life, na Asa Norte. Médica veterinária Kadije Emanuelle Ribeiro Brandão com Pogona Dragão barbudo.
Médica veterinária Kadije Emanuelle Ribeiro Brandão segurando um Pogona Dragão-Barbudo, animal silvestre originário da Austrália (foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

A população deve saber como agir diante desses encontros com a fauna silvestre. “O ideal é não alimentar os animais, para que mantenham o instinto de busca por alimento natural. Também é importante manter distância e acionar os órgãos responsáveis, caso o animal esteja ferido”. Segundo Kadije, entre os animais mais frequentemente encontrados estão periquitos-do-encontro-amarelo, corujas, urubus, bem-te-vis, sabiás, araras, saruês, saguis, capivaras, tamanduás, cobras, tartarugas e jabutis. 

De acordo com o Batalhão de Polícia Militar Ambiental do Distrito Federal (BPMA), em 2024 foram realizados 2.574 resgates de fauna silvestre. Em 2025, até o mês de agosto, o número foi 1.105 resgates, sem contar com a operação que resgatou 2.500 aves em fevereiro. No ano passado, as regiões com maior número de ocorrências ambientais foram Lago Sul, Ceilândia, Planaltina e Gama (veja quadro). Ainda não há dados compilados por região referentes a 2025.

 12/08/2025 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF -  Aumento da presença de animais silvestres nas cidades. Hospital e Centro de Reabilitação da Fauna Silvestre - Setor Hoteleiro, projeção H, Taguatinga sul. Jibóia.
Cobra, vítima de atropelamento, foi atendida no Hospital e Centro de Reabilitação da Fauna Silvestre (Hfaus) (foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Nem todo animal resgatado pelo BPMA é enviado aos Cetas. Algumas espécies são soltas na natureza assim que termina a apreensão. Outras são encaminhadas ao Hospital e Centro de Reabilitação da Fauna Silvestre (Hfaus).

Convivência

Um exemplo de convivência respeitosa com a fauna silvestre em áreas urbanas é o de Giulia Studart, 34 anos, moradora da Asa Sul. Com família residindo próxima a uma reserva no Lago Sul, ela presenciou diversos animais em ambientes urbanos. “Já entraram dentro da casa saruê, cobra, morcego e sapo. Até capivara eu cheguei a ver em uma rua acima da casa. Mas o mais surpreendente pra mim foi ver a raposa-do-campo próximo ao portão”, conta. 

“Os seres humanos ocupam o habitat dos animais e tiram os espaços deles. É natural que esses encontros aconteçam, ainda mais em locais próximos a reservas. Ligamos pedindo ajuda para a proteção ambiental apenas no caso da cobra, porque não sabíamos se era venenosa e tínhamos receio de sermos atacados. O importante é que as áreas destinadas à preservação sejam realmente respeitadas, evitando construções que prejudiquem o habitat natural dos animais e façam com que eles tenham que buscar um novo lugar para ficar”, opina Giulia.

 12/08/2025 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF -  Aumento da presença de animais silvestres nas cidades. Hospital e Centro de Reabilitação da Fauna Silvestre - Setor Hoteleiro, projeção H, Taguatinga sul. Araras.
Araras atendidas no Hospital e Centro de Reabilitação da Fauna Silvestre (Hfaus) (foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Situações que antes pareciam incomuns, como encontrar capivaras e tamanduás em áreas de circulação de pessoas ou aves nidificando em telhados tornaram-se mais comuns. O biólogo e gerente de fauna silvestre do Instituto Brasília Ambiental (Ibram) Rodrigo Augusto Santos alerta que retirar esses animais nem sempre é a solução mais adequada. “É importante que as pessoas compreendam que, muitas vezes, os animais não têm outra alternativa de local para se abrigar”. A convivência pacífica, no entanto, exige responsabilidade. “Se um ninho de ave for encontrado em casa, o correto é aguardar a saída natural dos filhotes, pois a remoção de ninhos é crime ambiental. Esse manejo de habitat é uma forma simples e eficaz de prevenir conflitos”, orienta.

O Ibram atende animais silvestres por meio do Hfaus. De fevereiro de 2024, quando foi inaugurado, até setembro de 2025, o centro recebeu 3.124 animais, sendo a maioria aves. A maior parte dos atendimentos veio da região central de Brasília (veja quadro). 

O Hfus recebeu, por exemplo, seis capivaras atropeladas nas estradas esse ano — uma delas chegou a perder um olho. O hospital cuidou de outros animais silvestres atropelados, como um tamanduá-bandeira e uma jiboia. Houve um episódio em que um lobo-guará que ficou preso em uma armadilha de laço e teve ferimentos nas patas. Em outro, um pica-pau se feriu ao bater contra um vidro.

Estatísticas

Resgates

  • Em 2024, ocorreram 2.574 resgates de fauna silvestre
  • Em 2025, até agosto, foram 1.105 resgates, mais 2.500 aves resgatas em uma operação

Regiões com mais ocorrências ambientais

  • Lago Sul: 255
  • Ceilândia: 149
  • Planaltina: 126
  • Gama: 124

Fonte: Batalhão de Polícia Militar Ambiental do Distrito Federal (BPMA)

Atendimento veterinário

De fevereiro de 2024, quando foi inaugurado, até julho de 2025, o Hfaus recebeu 3.124 animais, sendo:

  • Aves: 1.919
  • Mamíferos: 1.102
  • Répteis: 103

A maior parte dos atendimentos teve origem na região central de Brasília, com destaque para Asa Sul e Asa Norte, que juntas somaram 387 casos. 

Fonte: Ibram

A quem recorrer

Caso encontre um animal silvestre ferido ou sendo mantido em cativeiro, a orientação é acionar o Batalhão de Polícia Militar Ambiental pelo telefone 190.

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postado em 18/09/2025 04:00
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