
O rapper de Ceilândia Gustavo da Hungria Neves, o Hungria, foi internado nessa quinta-feira (2/10) no hospital DF Star após ingerir vodca supostamente adulterada com metanol. O artista passou a noite de quarta-feira em uma confraternização na casa de amigos em Vicente Pires e, pela manhã, sentiu-se mal. Artista de 34 anos deu entrada no hospital com dores de cabeça, vômitos, visão turva e acidose metabólica, sintomas similares aos de pacientes que comprovadamente ingeriram bebida com o metanol. Até o fechamento desta reportagem, o rapper estava na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e o laudo médico que comprova se o rapper ingeriu o metanol ainda não havia sido divulgado.
A distribuidora de bebidas onde Hungria comprou a vodca foi interditada pela Vigilância Sanitária do DF e a Polícia Civil (PCDF) investiga o caso. Segundo a Secretaria de Saúde do DF (SES), a distribuidora não tinha licença de funcionamento e comercializava bebidas alcoólicas clandestinas. Segundo os médicos, o resultado do laudo médico pode levar até sete dias para sair.
A Vigilância Sanitária identificou que uma rede de supermercados do DF tinha vodca do mesmo lote da ingerida pelo cantor. Todo o estoque foi apreendido cautelarmente e encaminhado para análise laboratorial no Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). As equipes fizeram a fiscalização após descobrir que, além de consumir a bebida de uma distribuidora de Vicente Pires, o cantor comprou outras garrafas de vodca em um supermercados 24 horas da capital.
"Os estudos mostram que, até 72 horas após a ingestão do metanol, ele pode começar a apresentar sintomas. O Gustavo apresentou todos os sintomas e, por isso, nós fizemos essa hipótese de intoxicação por metanol. Todo o tratamento está sendo feito com a hipótese de que ele foi contaminado por metanol", detalhou o médico Leandro Machado, responsável pelo acompanhamento clínico do artista. Apesar da gravidade, o quadro de Hungria é considerado estável. "Ele está em estado grave, mas está estável, consciente e sem uso de oxigênio", acrescentou o infectologista.
Dinâmica
O Correio apurou que o rapper passou na distribuidora de bebidas antes de ir à casa de um amigo, localizada em Vicente Pires. Segundo relatos de Dalmi Júnior, amigo de Hungria, a confraternização contou com a presença de quatro pessoas. "Por volta das 6h, deixei ele em casa, no Park Way, e ele estava bem. Pouco tempo depois, a mãe dele me disse que ele estava passando mal", contou o amigo. Por volta das 3h, Dalmi chegou a divulgar em seu perfil no Instagram um vídeo em que aparece ao lado de Hungria cantando e se divertindo.
Segundo a irmã do cantor, Manoela Hungria, os primeiros sinais de que algo estava errado surgiram nas primeiras horas de ontem. "Ele me ligou por volta de 8h20 falando que estava passando muito mal e que precisava de ajuda. Ele disse que estava com muito gosto de gasolina na boca e (sentindo-se) fraco. Eu me assustei. Ele disse que não dava tempo de pegar ele, e pediu para eu chamar uma ambulância. Mas eu fui lá buscar ele, por recomendação do nosso médico. Ele estava muito fraco, já tinha vomitado bastante", relatou.
De acordo com Manoela, a origem da bebida suspeita está sendo investigada: "Ele foi para a casa de um amigo em Vicente Pires. Antes, passou em uma distribuidora que tem imagens dele comprando vodca. Não sabemos se foi dessa distribuidora em específico, porque, quando ele chegou, eles compartilharam essa mesma garrafa de vodca com outros amigos, que não passaram mal".
Porém, ao longo da noite, a vodca acabou, e Hungria e os amigos pediram em outra distribuidora mais uma garrafa. "Essa só quem bebeu foi o Gustavo (Hungria). Sobrou um restinho da primeira, que todo mundo bebeu, e a outra ficou praticamente cheia, a que só o meu irmão bebeu. As bebidas que sobraram foram encaminhadas para análise", afirmou.
Tratamento
Segundo a irmã do artista, o tratamento incluiu a administração de etanol como forma de neutralizar os efeitos da contaminação. "Fizeram alguns procedimentos para quebrar o metanol à base de etanol. Ele teve que tomar o produto misturado no suco", contou Manoela. Após essa etapa, Hungria passou por uma hemodiálise de seis horas, procedimento que ajuda a eliminar substâncias nocivas do organismo.
Segundo o médico gastroenterologista e preceptor do Programa de Residência Médica do Hospital Universitário de Brasília - HUB/UnB Vinícius Machado de Lima, após o consumo de bebidas adulteradas com metanol, há metabolização gradual dessa substância à ácido fórmico levando à toxicidade celular, causando acidose metabólica (maior acidez do sangue). "A partir daí, em torno de seis a 24 horas após a ingestão da bebida, surgem náuseas, vômitos, respiração acelerada, dor de cabeça, tontura, dor abdominal, visão turva, podendo chegar à confusão mental. Cerca de 10% desses casos de intoxicação apresentam inflamação no nervo óptico, com prejuízo da visão", explicou.
De acordo com a oftalmologista do CBV-Hospital de Olhos Isabela Porto, o metanol, quando ingerido, é transformado no organismo em substâncias altamente tóxicas que afetam o nervo óptico e a retina. "Os sintomas visuais costumam surgir entre 12 e 48 horas após a exposição, período crítico em que ocorre o acúmulo dessas toxinas. Se não houver intervenção imediata, o processo evolui para uma neuropatia óptica tóxica e depois para atrofia do nervo óptico, o que leva à cegueira permanente. A reversibilidade cai rapidamente à medida que o dano estrutural se estabelece. Por isso, a rapidez no início do tratamento é determinante para preservar a visão", completou a especialista.
Relatos da família e amigos que visitaram Hungria no hospital dizem que, apesar de ter apresentado visão turva, ele estava enxergando normalmente.
- Casa de show em SP onde Hungria se apresentou foi interditada por suspeita de adulteração de bebidas
De Ceilândia para o Brasil
Gustavo da Hungria Neves é cantor e compositor de Ceilândia que ganhou projeção nacional. Ele lançou três álbuns de estúdio. Dubai, Lembranças, Coração de aço, Beijo com trap, Temporal, Chovendo inimigo, O playboy rodou, Não troco, Quebra-cabeça, Um pedido, Insônia e Amor e fé são algumas das músicas de sucessoque atingiram milhões de acesso nas plataformas digitais.
Hungria gravou com vários artistas renomados, entre eles, o maestro João Carlos Martins, Whindersson Nunes, Gusttavo Lima e a cantora Cláudia Leitte. Os clipes dos sucessos do rapper ultrapassaram 100 milhões de visualizações nas plataformas digitais e Hungria, hoje, é considerado um dos maiores nomes do rap nacional.
Governo atento
Ao Correio, o secretário de Saúde do DF, Juracy Cavalcante, informou que o governo vai intensificar a fiscalização dos estabelecimentos que vendem bebidas. A ação será integrada com diferentes órgãos, cada qual vistoriando o que lhe compete. "Todas as ações do governo estão sendo alinhadas com o Ministério da Saúde", afirmou.
Juracy confirmou que a pasta fará uma compra emergencial de insumos utilizado nas análises para identificar a presença de metanol. "Quanto aos profissionais de saúde da rede, todos estão orientados a seguir os protocolos da nota técnica divulgada pelo Ministério da Saúde", disse.
A Secretaria de Saúde do DF divulgou que, em virtude do caso, tem intensificado as ações de fiscalização em bares, restaurantes, quiosques, trailers e distribuidoras do Distrito Federal. Segundo a pasta, após investigação, a Vigilância Sanitária identificou que, além do consumo na distribuidora, mais unidades da mesma bebida foram adquiridas em uma rede de supermercados 24 horas da capital.
A partir da identificação do lote suspeito, foi realizada interdição cautelar do estoque de toda a rede. As amostras foram encaminhadas para análise laboratorial do Ministério da Agricultura e Pecuária e Abastecimento (MAPA). A rede de supermercados está dando suporte à apuração da ocorrência. Todas as notas fiscais dos produtos foram apresentadas à Vigilância Sanitária a fim de dar continuidade à ação.
A Secretaria de Saúde do DF destaca que, na ocorrência de um caso suspeito de intoxicação por metanol, deve ser realizado contato com o CIATox por meio dos telefones 99288-9358 e 0800 644 6774 para orientações do manejo clínico. Além disso, deve ser realizada notificação imediata obrigatória ao CIEVS/DF com preenchimento e envio da ficha de intoxicação exógena do SINAN para o e-mail notificadf@saude.df.gov.br.
O que pode acontecer agora?
Por Berlinque Cantelmo, advogado criminalista especializado em ciências criminais e gestão de pessoas
Se ficar comprovado que a bebida adulterada com metanol passou pela distribuidora, a empresa poderá ser responsabilizada por crimes contra a saúde pública, previstos nos artigos 272 a 274 do Código Penal, ainda que a adulteração não tenha ocorrido diretamente em suas instalações, caso se constate dolo eventual ou culpa consciente pela ausência de fiscalização. No aspecto civil, a responsabilidade é solidária em toda a cadeia de consumo, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, de modo que a distribuidora poderá ser obrigada a indenizar os consumidores prejudicados por danos morais e materiais.
Caso se confirme que a adulteração ocorreu no fabricante, haverá responsabilidade penal direta pelo crime do artigo 272 do Código Penal, com pena de 4 a 8 anos de reclusão. Se houver prova de que alguém adulterou deliberadamente a bebida com metanol, ciente do risco de morte, pode configurar homicídio doloso tentado, nos termos do artigo 121 combinado com o artigo 14, inciso II, do Código Penal. Em geral, contudo, as denúncias se restringem aos crimes contra a saúde pública, por ser difícil demonstrar dolo específico de matar. Ainda assim, se houver elementos que indiquem dolo eventual, o Ministério Público poderá optar por esse enquadramento.
Saiba Mais
Mila Ferreira
RepórterJornalista graduada pelo IESB e pós-graduada em Direitos Humanos, Responsabilidade Social e Cidadania Global pela PUC-RS. Experiência como roteirista e assessora de comunicação pública e corporativa. Repórter na editoria de Cidades do Correio Braziliense
Vitória Torres*
EstagiárioEstudante de Jornalismo na Universidade Católica de Brasília. Estagiária de Política, Economia e Brasil
Ana Carolina Alves*
Estagiária na editoria de CulturaEstudante de Jornalismo na Universidade de Brasília, apaixonada por cinema e pelas histórias que moldam a cultura. Atualmente, estagiária na editoria de Cultura.
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