METANOL

Especialistas cobram mais rigor contra falsificadores de bebidas

Apesar das multas elevadas, criminosos contam com a ineficácia da legislação e com a lentidão do Judiciário para vender produtos que colocam em risco a saúde da população e podem até matar

Polícia encontrou uma fábrica clandestina de bebidas no Paranoá -  (crédito: Divulgação PMDF)
Polícia encontrou uma fábrica clandestina de bebidas no Paranoá - (crédito: Divulgação PMDF)

A combinação entre punições brandas e lentidão judicial tem criado um terreno fértil para a adulteração e falsificação de bebidas no Brasil. Mesmo com leis que preveem penas de até oito anos de prisão, o baixo risco de punição estimula o crime e coloca em risco a saúde da população. Os recentes casos de intoxicação por metanol evidenciam o problema: são 16 confirmações e mais de 200 suspeitas no país. No Distrito Federal, um caso foi descartado, envolvendo o cantor Hungria, e outro segue em investigação.

Após os episódios, a Secretaria DF Legal, em parceria com a Polícia Militar, Polícia Civil e outros órgãos de segurança, intensificou as ações de fiscalização em bares e distribuidoras. Desde 2 de outubro, 261 estabelecimentos foram vistoriados, 60 autuados e dois interditados. Segundo a pasta, as operações fazem parte da rotina, mas foram reforçadas diante do aumento das ocorrências. "Em apenas quatro dias de operação, mais de 3 mil litros de bebidas irregulares foram apreendidos — muitas delas sem comprovação de origem, sem registro no Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) ou com suspeitas de falsificação e adulteração", informou o órgão. As amostras foram encaminhadas para análise laboratorial.

O problema, no entanto, vai além da venda irregular. Um laboratório de falsificação de bebidas foi descoberto em Sobradinho dos Melos, no Núcleo Rural do Paranoá, pela Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF). O local foi identificado após fiscais da Vigilância Sanitária detectarem adulterações em lacres de bebidas vendidas por uma distribuidora no Itapoã. A nota fiscal da mercadoria indicava o endereço do fornecedor, onde funcionava o local usado para a adulteração.

No laboratório, os policiais encontraram um ambiente completo para a falsificação de destilados, com capacidade para executar todas as etapas do processo — da produção ao envase, rotulagem e embalagem. Foram apreendidas caixas de garrafas vazias, rótulos, tampas, maquinário e produtos químicos. Um caseiro foi conduzido à 6ª Delegacia de Polícia (Paranoá) e relatou que o proprietário do imóvel está no Ceará.

Para o advogado criminalista Arthur Richardisson, especialista em Direito Penal Econômico e Empresarial, o problema está na ineficácia da responsabilização e no baixo custo jurídico do crime. "A lei é suficiente, falta aplicá-la com rigor. O artigo 272 do Código Penal prevê a punição da falsificação de alimentos e bebidas com prisão de quatro a oito anos e multa, atingindo toda a cadeia de produção, distribuição e venda", explica.

Segundo ele, penas brandas e demora nos processos são incentivos para o crime. "A dificuldade na produção de provas técnicas, somada à lentidão do Judiciário, muitas vezes, torna a punição morosa, compensando o crime financeiramente, pois anula o efeito dissuasório da pena", afirma o advogado.

Em meio à escalada dos casos de intoxicação, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou, na última quinta-feira, o regime de urgência para o projeto que torna crime hediondo a adulteração de alimentos ou bebidas com substâncias que possam causar risco à vida ou grave ameaça à saúde. A urgência permite que o texto seja votado diretamente no plenário, sem passar antes pelas comissões. O crime hediondo é inafiançável e insuscetível de graça, indulto ou anistia, fiança e liberdade provisória.

Richardisson avalia que o avanço é positivo, mas insuficiente, se não houver reformas estruturais. "Mais do que aumentar a pena, é preciso garantir que ela seja aplicada. A efetividade da punição é o que realmente inibe o crime. Fortalecer a perícia oficial, criar um sistema nacional de rastreabilidade e impor deveres de remoção de conteúdo às plataformas digitais seriam passos concretos nesse sentido", conclui.

Alerta

A diretora da Vigilância Sanitária do DF, Márcia Roseno, alerta que as bebidas sem registro representam um grave risco à saúde pública. "As bebidas sem procedência, clandestinas ou artesanais, são um risco. Não sabemos o que tem ali dentro, elas não possuem registro. Podem até parecer boas, mas não dá para saber. É importante que a população esteja atenta a esse tipo de produto, comum em todo o país", afirma.

A hepatologista Daniela Carvalho, da Clínica Gastrocentro, explica que o metanol, responsável pelos casos de intoxicação, é uma substância altamente tóxica, capaz de provocar danos irreversíveis ao sistema nervoso central e à visão. "No organismo, o metanol é metabolizado no fígado e transformado em substâncias tóxicas — o formaldeído e o ácido fórmico. Eles causam acidose metabólica e interferem no metabolismo celular, atingindo principalmente o cérebro, os rins e o nervo óptico", detalha.

Segundo a médica, um dos grandes desafios é o diagnóstico tardio, já que os sintomas iniciais podem ser confundidos com uma simples ressaca. "O paciente pode sentir dor de cabeça, náusea e tontura e acreditar que é algo passageiro. Mas, quando há visão turva, confusão mental ou sonolência, é sinal de intoxicação. A partir daí, o quadro evolui rapidamente para cegueira, convulsões, coma e até morte. Por isso, em casos de suspeita de intoxicação por metanol, é fundamental procurar atendimento médico imediatamente", enfatiza.

Sintomas de intoxicação por metanol

  • Dor de cabeça
  • Náusea
  • Dor abdominal
  • Tontura
  • Visão turva (embaçada)
  • Alterações do sistema nervoso central como sonolência, tonturas, confusão mental

Sintomas avançados

  • Cegueira
  • Convulsões
  • Coma

Fonte: Daniela Carvalho, Hepatologista 

 

Onde procurar ajuda

O Ministério da Saúde orienta que qualquer pessoa com suspeita de intoxicação procure imediatamente um serviço de urgência e leve, se possível, a embalagem da bebida consumida. Orientações adicionais podem ser obtidas pelo Disque-Intoxicação da Anvisa (0800 722 6001) ou nos Centros de Informação e Assistência Toxicológica (CIATox). 

 


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postado em 07/10/2025 04:00 / atualizado em 07/10/2025 07:18
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