
Durante a autuação na Delegacia da Criança e do Adolescente, os menores envolvidos no latrocínio que interrompeu a vida do estudante Isaac Augusto Vilhena, de 16 anos, na sexta-feira (17), demonstraram não ter qualquer remorso ou arrependimento. Procurado pelo Correio, o delegado Rodrigo Larizzatti, que estava de plantão e conduziu o trabalho de colher os depoimentos, encaminhou um vídeo gravado ontem, em que relata detalhes das circunstâncias do latrocínio que tirou a vida do adolescente e o comportamento dos menores na delegacia após serem apreendidos. "Chegaram a caçoar da legislação, fazendo piadas e rindo, o que evidenciou total desprezo e falta de humanidade. Apenas um dos sete perguntou se a vítima havia falecido, demonstrando algum tipo de sentimento. Os demais, não. Nenhum deles apresentou arrependimento ou culpa", contou.
Após quase sete anos de trabalho na Delegacia da Criança e do Adolescente, lidando diretamente com casos envolvendo menores infratores, o delegado contou que o episódio deixou a equipe "profundamente consternada pela total ausência de sentimento e de remorso dos autores." Larizzatti mandou uma mensagem para a família da vítima: "Desejamos, sinceramente, que a família seja confortada e que os menores respondam conforme a lei prevê."
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Três adolescentes diretamente envolvidos na morte do estudante Isaac Vilhena foram colocados à disposição do Juizado da Vara da Infância e Juventude. Apesar da gravidade do ato, a legislação estabelece limites em razão da menoridade penal. Os três envolvidos poderão receber medidas socioeducativas. Por serem inimputáveis, menores de 18 anos, a medida mais severa prevista é a internação por, no máximo, três anos — ou até completarem 21 anos de idade, o que ocorrer primeiro. "Por mais grave que seja o comportamento de um menor infrator, o máximo que a legislação permite como resposta é a aplicação de medida socioeducativa de internação por até três anos", explicou o delegado.
Ainda no vídeo, Larizzatti reforçou a orientação de que vítimas de crimes não devem reagir. "Infelizmente, essa é a realidade, sobretudo quando se percebe que o criminoso está armado, como ocorreu neste caso. Isaac viu que um dos infratores portava uma faca, mas reagiu, o que acabou resultando em sua morte. Reforçamos, no entanto, que a responsabilidade é sempre do criminoso — daquele que escolhe violar a lei e os interesses da sociedade", esclareceu o delegado.
Paradoxos
No ano de celebração aos 35 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), os últimos dados do relatório Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescente no Brasil, lançado em agosto 2024 pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revelam que, de 2021 a 2023, 15.101 crianças e adolescentes morreram de forma violenta no país, e a maioria das vítimas consiste em adolescentes com mais de 15 anos. Para o advogado Matheus Chiocheta, a criminalidade que aparenta ser crescente entre menores, portanto, se caracteriza mais bem como uma constante. "Os últimos acontecimentos que envolvem atos infracionais análogos a crimes perpetrados por menores no Plano Piloto de Brasília (e adjacências) são graves e demandam apurada análise e tratamento pelo Poder Público e pelas entidades de segurança", observa.
Matheus destaca que a resposta da segurança pública foi efetiva e precisa, porém não deve esta ser única engrenagem para uma pretensa resolução do problema. "O cometimento em si de 'crimes' por menores consiste em tema complexo e multifacetado, que envolve desde a presença estatal na promoção de políticas públicas voltadas à cidadania e à conscientização de jovens periféricos até o mapeamento educacional e a capilarização de mecanismos de qualificação e de inserção profissional", orienta o advogado.
Dinâmica do crime
Isaac Vilhena saiu de casa na noite de sexta-feira (17) para jogar bola com o amigo Fernando. Por volta das 18h, os dois seguiram para a quadra do parque Entrequadras 112/113 Sul, onde costumavam se reunir para praticar esportes. O que seria um fim de tarde comum terminou em tragédia.
Enquanto jogavam, três adolescentes se aproximaram dos amigos e pediram para rotear a internet. Ao recusarem, anunciaram o assalto e levaram o celular de Isaac e Fernando. Em desespero, o jovem correu atrás dos assaltantes, saindo do parque em direção à rua. Foi nesse momento, às 18h48, que ele foi esfaqueado. Os criminosos, todos menores de idade, ainda pegaram um pedaço de pau e passaram a perseguir o amigo de Isaac. Ferido, Isaac retornou até a entrada do parque, onde caiu. Vizinhos tentaram reanimá-lo até a chegada do socorro.
O chamado ao Corpo de Bombeiros foi registrado às 18h56. A primeira equipe chegou ao local oito minutos depois, às 19h04. Às 19h31, houve regulação médica com a Central do Samu, com a ausência de sinais vitais, ele foi levado ao Hospital de Base. Isaac havia se mudado há três anos para o Bloco A da SQS 112, onde morava com a família.
Após o crime, os três adolescentes envolvidos na situação fugiram e se encontraram com os outros quatro integrantes do grupo. A Polícia Militar conseguiu rastrear um dos celulares roubados e apreendeu os sete suspeitos, no Paranoá e no Itapoã.
Saiba Mais
Samanta Sallum
ColunistaCarioca, formada na PUC- Rio. Foi repórter, editora e colunista do Correio por 12 anos. Ex-secretária de Comunicação do GDF, atuou no Senado Federal, e como consultora do PNUD. Também foi colunista do Congresso em Foco. Desde 2020, está à frente da coluna

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