
A Câmara dos Deputados aprovou, nesta semana, a criação de uma licença menstrual de dois dias para mulheres que sofrem com sintomas graves durante a menstruação. Para discutir a relevância dessa medida, o CB.Saúde, parceria entre o Correio Braziliense e a TV Brasília, recebeu, ontem, a ginecologista Josenice Gomes, do Hospital Anchieta. Em conversa com as jornalistas Carmen Souza e Sibele Negromonte, a especialista detalhou os principais sintomas enfrentados por muitas mulheres nesse período.
Segundo Josenice, os quadros mais severos, geralmente, estão relacionados à endometriose, doença em que o tecido que reveste o interior do útero (endométrio) migra para o miométrio ou para fora do órgão, podendo atingir os ovários, as trompas, o intestino, a bexiga, o diafragma e até mesmo o pulmão. A médica explica que essa condição provoca sintomas intensos, como cólicas menstruais debilitantes, capazes de impedir as mulheres de realizar tarefas simples do dia a dia.
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"Em consulta, utilizamos uma escala de dor de zero a 10, mas há pacientes que dizem sentir mil. É uma dor tão forte que muitas não conseguem nem ficar de pé", relata. De acordo com ela, em razão da intensidade das crises, há mulheres que precisam buscar atendimento médico até 17 ou 18 vezes por ano, o que representa mais de uma ida ao hospital por mês.
Embora outros fatores também possam causar dores intensas, como miomas uterinos, a ginecologista ressalta que a endometriose é a complicação mais frequente. "Ela afeta de 10% a 15% da população feminina, o que equivale a cerca de 180 milhões de mulheres em todo o mundo", diz.
Apesar do alto número de mulheres afetadas pela doença, o diagnóstico da endometriose ainda é tardio. A ginecologista reforça que não é normal sentir dor durante o ciclo menstrual e explica que o atraso no diagnóstico ocorre, muitas vezes, porque profissionais de saúde minimizam as queixas das pacientes. "No mundo, esse atraso varia entre cinco e 11 anos, e há países que registram até 14 anos de retardo. No Brasil, a média é de oito anos", lamenta.
Segundo a médica, estudos apontam que, quando o diagnóstico demora mais de dois anos, já há impacto nas habilidades profissionais da mulher e, a partir de sete anos, essa perda de desempenho se torna significativa. "Os médicos precisam ser capacitados para investigar adequadamente essas dores e solicitar os exames necessários", alerta.
Para ela, o primeiro passo é uma boa escuta. "É importante perguntar à paciente sobre sua história: como foi a adolescência, se tinha cólicas fortes, se deixava de estudar, sair ou participar de atividades sociais por causa da dor." Dados citados pela especialista mostram que 23% das mulheres se afastam dos estudos durante o período menstrual e 60% relatam faltar às aulas ou abandonar cursos devido ao desconforto.
Josenice defende que a investigação deve começar ainda na adolescência, caso a jovem apresente cólicas intensas e incapacitantes. "O ideal é iniciar o diagnóstico o quanto antes, para permitir um tratamento adequado. Em alguns casos, é possível adotar medidas como uma alimentação anti-inflamatória e até o bloqueio hormonal para aliviar os sintomas", explica.
Capacitação
A médica reforça que, mais do que criar leis, o essencial é capacitar os profissionais de saúde. "Trabalhei quase 30 anos na rede pública, e a maior dificuldade sempre foi montar uma equipe preparada para acolher essas mulheres. A endometriose afeta a fase reprodutiva, dos 20 aos 40 anos, justamente quando a mulher está construindo sua carreira, planejando a família e a maternidade. A doença pode atropelar esses sonhos", destaca.
Além do impacto físico e emocional, a endometriose também pode causar infertilidade. Segundo Josenice, as mulheres com a doença têm até duas vezes mais risco de enfrentar dificuldades para engravidar. "Entre 16% e 40% das pacientes podem ter problemas de fertilidade. Por isso, é fundamental monitorar a reserva ovariana e avaliar o grau de comprometimento dos ovários, já que a endometriose pode reduzir tanto a quantidade quanto a qualidade dos óvulos", observa.
A médica acrescenta que a endometriose também impacta profundamente a vida sexual das pacientes. A dor constante reduz o desejo, diminui o prazer e interfere na relação com o parceiro. "Atendo mulheres que passam de seis meses a um ano sem vida sexual com o marido, tamanha é a dor que sentem. E essa condição recorrente afeta diretamente o bem-estar emocional", relata.
Josenice afirma que há tratamento para a endometriose, que deve ser conduzido em diferentes pilares por uma equipe multidisciplinar. Segundo ela, é necessário trabalhar a alimentação — que deve ser anti-inflamatória — e o bloqueio hormonal, que pode ser feito com anticoncepcionais orais, injetáveis, implantes ou dispositivos intrauterinos, como o Mirena. "Além disso, utilizamos analgésicos conforme a necessidade de cada paciente", explica.
Nos casos mais graves, pode ser necessário recorrer à cirurgia para remover as lesões formadas pelo tecido. "O ginecologista realiza a dissecção e separação dos órgãos, mas quem atua diretamente retirando um segmento ou uma lesão superficial é o cirurgião especialista no órgão afetado", esclarece a médica.
Assista à integra da entrevista:

Cidades DF
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