Dois casos recentes de maus-tratos a animais no Distrito Federal reacenderam o alerta entre protetores de animais e tutores quanto ao cuidado com os bichos. Nos dois casos, pessoas que se apresentavam como protetores usavam a boa-fé dos verdadeiros benfeitores para cometer crimes e, em alguns casos, causar sofrimento e morte aos bichos. Em meio a tamanha crueldade fica a pergunta: Como se proteger desse tipo de situação?
Para se ter ideia da gravidade dos crimes, em setembro, uma operação da Delegacia de Repressão aos Crimes contra os Animais (DRCA) revelou que um suposto hotel para pets, em Planaltina, escondia um cenário de horror. O espaço, administrado por Victor Gabriel Fagotti, 21 anos, oferecia hospedagem com diárias, mas funcionava, na prática, como um matadouro clandestino. Policiais encontraram dez corpos de cães em decomposição e outros dois animais sobreviventes, em estado grave de desnutrição.
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Outro caso chocante ocorreu em Ceilândia, no início deste ano, onde Pablo Stuart Fernandes Carvalho foi preso acusado de adotar, torturar e matar pelo menos 13 gatos. Segundo as investigações, ele se aproximava de protetores independentes oferecendo adoção responsável. Depois de um curto período, alegava que o gato havia desaparecido e pedia outro. Em apenas seis meses, adotou 14 felinos — apenas um foi encontrado com vida, em sofrimento e com fratura em uma das patas.
Na última semana, os casos tiveram atualizações importantes na esfera judicial. O o dono do abrigo onde os cães morreram, Victor Gabriel Fagotti, teve a prisão preventiva revogada, sendo submetido a um conjunto de restrições severas, centradas na suspensão de qualquer atividade relacionada à guarda de animais. Enquanto isso, acusado da morte dos gatos, Pablo Stuart Fernandes Carvalho, continua preso, após o juiz rejeitar o pedido de revogação da prisão preventiva, formulado pela defesa durante a audiência de instrução e julgamento.
Policiamento
Segundo o delegado Jonatas Silva, da Delegacia de Repressão aos Crimes contra os Animais (DRCA), afirma que o Distrito Federal vive um cenário preocupante, no qual há um crescimento expressivo de pessoas que se passam por protetores apenas para obter vantagens financeiras ou cometer crueldades. “Esses indivíduos se aproveitam da boa-fé de quem ama os animais, adotando cães e gatos para submetê-los a sofrimento, negligência e abandono”, ressalta. A DRCA já registrou, até outubro deste ano, mais de 4 mil denúncias de maus-tratos, número que se aproxima do total de 2024, quando foram contabilizadas 5,4 mil ocorrências.
De acordo com o delegado, os falsos protetores costumam seguir um padrão de comportamento bem definido. Eles adotam vários animais de uma só vez, demonstram inicialmente grande afeto, mas, com o tempo, deixam de enviar fotos e vídeos, impedem visitas e dificultam qualquer contato. “Comportamentos como a falta de transparência, a resistência em mostrar o espaço físico do abrigo e a ausência de registros atualizados são fortes sinais de alerta”, explica.
Marcas
A protetora Valkiria Machado atua na causa animal no Distrito Federal desde 2022 e dedica-se principalmente ao resgate de gatos abandonados. Ela foi uma das vítimas do falso tutor Pablo Stuart, acusado de receber animais adotados e submetê-los a maus-tratos. O caso a abalou profundamente. “Está sendo muito ruim, e não sei se um dia esse sentimento irá passar. Não tem um dia em que não penso nos gatinhos que doei. Psicologicamente, me abalou muito, é um sentimento de culpa enorme”, desabafa. Desde então, ela se tornou mais criteriosa e desconfiada ao avaliar novos tutores. “Resgatei uma tigradinha recentemente e não consegui doar por medo”, relata.
A protetora alerta para alguns sinais de alerta que podem indicar falsos cuidadores: dificuldade em dar notícias dos animais, recusa de visitas e ausência de transparência sobre o local onde os bichos vivem. Ela orienta que tutores interessados em doar ou hospedar seus pets verifiquem pessoalmente as condições do espaço, peçam fotos e vídeos com frequência e mantenham o acompanhamento constante. “A sociedade precisa entender que a proteção animal não é um problema só dos protetores e das ONGs, é um problema de todos nós. Cada um pode fazer um pouquinho”, afirma. Valkiria ainda defende que o GDF avance em políticas públicas de bem-estar animal e ofereça apoio à rede de proteção, que hoje atua sobrecarregada e com poucos recursos.
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Fiscalização
A presidente da Comissão Especial de Proteção e Defesa dos Direitos dos Animais da OAB/DF, Ana Paula de Vasconcelos reforça a necessidade de fiscalização rigorosa e conscientização da sociedade. “Como em todas as áreas, há pessoas de boas e más intenções — isso é inerente às relações humanas. O que precisamos é de fiscalização e da divulgação dos locais com histórico de maus-tratos, para não prejudicar quem faz um trabalho sério, com amor e responsabilidade”, defende. A advogada destaca que, apesar das falhas na esfera administrativa, o Distrito Federal possui uma legislação contundente e uma atuação firme da Polícia Civil na punição dos casos de crueldade. “Os episódios recentes mostram não só a maldade humana, mas também a resposta efetiva das autoridades na aplicação da lei”, afirma.
Ana Paula orienta tutores e protetores a redobrarem os cuidados antes de adotar ou hospedar um animal. No caso de hospedagem, ela recomenda visitas frequentes e até sem aviso prévio, além de verificar a reputação do local e firmar contratos que estabeleçam claramente as responsabilidades de cada parte. Já nas adoções, ela sugere o preenchimento de um questionário prévio para conhecer o perfil do adotante, a checagem dos dados informados e um acompanhamento pós-adoção. “Desde o primeiro contato, é importante deixar claro que o adotante deve dar notícias do animal, com fotos e vídeos. A confiança é essencial, mas deve ser construída com vigilância e responsabilidade”, reforça.
Políticas públicas
A Secretaria Extraordinária de Proteção Animal do Distrito Federal (Sepan-DF) esclareceu, em nota, que “pela legislação federal, todo estabelecimento cuja atividade básica dependa da atuação de médico-veterinário ou zootecnista precisa estar registrado no Sistema CFMV/CRMVs”. Dessa forma, os responsáveis por esses locais devem procurar diretamente o Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV) para obter o licenciamento adequado. A secretaria acrescenta que a fiscalização de possíveis irregularidades pode ser feita pela Polícia Civil do DF, por meio da Delegacia de Repressão aos Crimes Contra os Animais (DRCA), e reforça que o cidadão pode registrar denúncias pelo telefone 197.
A nota também informa que a Sepan, em parceria com o Instituto de Pesquisa e Estatística do DF (IPEDF), lançou neste mês o Formulário de Protetores de Animais, uma ferramenta on-line que busca “conhecer os cidadãos voluntários e as entidades que acolhem cães e gatos no DF e no entorno, para subsidiar a pasta em ações mais eficientes de proteção animal”. O formulário coleta dados como número de animais acolhidos, local de abrigo, recursos utilizados e principais dificuldades enfrentadas pelos protetores. Essas informações, segundo a secretaria, vão orientar o planejamento de políticas públicas e a concessão de benefícios, como o auxílio financeiro previsto no Projeto de Lei nº 1.966/2025, enviado pelo Governo do Distrito Federal à Câmara Legislativa em 7 de outubro.
