
Há pouco mais de um mês de completar 100 anos, o empresário Hely Walter Couto mantém o mesmo entusiasmo pelo negócio que fundou em 1959. A Pioneira da Borracha, criada na antiga Cidade Livre — atual Núcleo Bandeirante —, foi a primeira loja do ramo em Brasília e segue ativa sob o comando dos filhos e do neto, preservando o legado de quem ajudou a erguer a capital.
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Natural de Carmo do Paranaíba (MG), Hely nasceu em 1925 chegou à futura capital do país antes da inauguração, vindo de Belo Horizonte a convite de um amigo que era funcionário da Novacap, empresa responsável pela construção da cidade. "Ele veio antes e disse que eu tinha que vir morar em Brasília. Eu era alfaiate em Belo Horizonte, mas trabalhava dentro do meu quarto. Depois que ele veio, eu decidi vir. Fiquei na casa dele por um tempo. Depois de alguns dias, ele me deixou ficar em uma casa que ele tinha na Cidade Livre", relembra.
Naquele período, a Cidade Livre concentrava os primeiros comércios e prestadores de serviço que atendiam engenheiros, operários e funcionários da Novacap. À época, Hely era recém-casado com Helenice Bougleux, com quem teve quatro filhos — Eduardo, Bráulio, Viviane e Luiz Henrique, já falecido. Sem saber ao certo o que faria para sustentar a família, que ficou em Minas, Hely aceitou a sugestão de abrir uma loja de produtos de borracha — item indispensável em meio ao canteiro de obras que Brasília se tornava.
A primeira grande encomenda chegou logo ao estabelecimento: travesseiros para a hospedagem de convidados para a inauguração da cidade, que o obrigou a viajar até São Paulo em busca de fornecedores. "Pediram 100, depois 500, depois mil. Fui pra São Paulo e pedi logo dois mil travesseiros. O diretor da fábrica só me deixou levar porque tinha gostado de mim, porque nem crédito no banco eu tinha naquela época", recorda.
O pedido, inicialmente um tiro no escuro, foi uma conquista significativa e possibilitou a vinda da família para Brasília. "Quando faltavam 15 dias para os travesseiros chegarem, o pessoal da Novacap, que tinha feito a encomenda, falou que, na verdade, ia precisar de dois mil travesseiros, exatamente como eu tinha pedido. Foi minha primeira grande vitória em Brasília", conta, com orgulho.
Símbolo
O sucesso da loja cresceu com a capital. Da antiga Cidade Livre, em uma casinha de madeira, Hely se mudou para a W3 Sul em 1964, onde construiu o prédio que abriga a Pioneira até hoje. A avenida, que viria a se tornar um dos principais eixos comerciais de Brasília, foi palco do amadurecimento do negócio e do próprio empresário.
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Ao longo das décadas, ele diversificou o catálogo — de borrachas e colchões a brinquedos, presentes e materiais de construção — e chegou a abrir fábricas e outras lojas em diferentes regiões do Distrito Federal. "Tive coragem. Brasília era um desafio, e tudo aqui estava por fazer", diz o pioneiro.
Com o passar dos anos, a Pioneira se tornou um ponto de referência para gerações de brasilienses. "Eu me lembro de ficar na loja desde criança. No Natal, as lojas ficavam tão cheias que precisávamos fechar as portas por alguns minutos para controlar o fluxo de entrada. Era uma festa ver tanta gente comprando", recorda o filho mais velho, Eduardo, 67.
Mesmo diante das transformações do comércio e da chegada do mundo digital, a empresa mantém o compromisso com o atendimento tradicional, com muitos clientes de décadas. "É difícil os clientes da época virem, porque já se passaram mais de 60 anos, mas muitos filhos e netos de quem morava aqui vêm e relembram os momentos que viveram na loja", destaca o neto Guilherme Ferrari, 26.
O amor por Brasília está registrado nas paredes do escritório de Hely, no terceiro andar da loja original, na 511 Sul. Troféus, medalhas, retratos de família e fotos ao lado de políticos e artistas transformam o espaço em um verdadeiro museu da trajetória do empresário e da história da cidade. Devido às limitações da idade, Hely tem dificuldades ao chegar no local, mas lembra de todos os registros com clareza. "Tenho foto com Niemeyer, Arruda, Aécio e muitos outros que respeito muito. Todas estão lá penduradas e não deixo mexerem", frisa.
Legado
Prestes a completar 100 anos, Hely vê na Pioneira da Borracha mais do que um negócio: um capítulo da própria história de Brasília. Hoje, quem comanda a empresa são os filhos Bráulio e Eduardo, e o neto Guilherme. Devido à idade, ele não vai à loja com frequência, mas acompanha o movimento e se emociona ao falar do legado construído. "Tudo que você faz deixa para a família com alegria. É muito bonito ver que eles ainda cuidam da loja", afirma, enquanto os filhos e o neto o admiram.
Entre histórias de sucesso, amizades e conquistas, o empresário também acumula títulos e reconhecimentos — teve dois mandatos como comodoro do Iate Clube de Brasília, foi tesoureiro, secretário, vice-presidente e presidente do Conselho Superior da Associação Comercial do Distrito Federal, além de presidente do Sindicato do Comércio Varejista e vice-presidente da Federação do Comércio do DF.
Em 3 de dezembro, Hely celebrará o centenário em grande estilo, com uma festa no Iate, marcada para reunir a família, hoje formada por, além dos três filhos, nove netos e três bisnetos, junto aos amigos, empresários e clientes que fizeram parte dessa trajetória. "Pouca gente chega a 100 anos com o raciocínio e a alegria que eu tenho. Vou comemorar muito tudo o que já fiz e vivi", antecipa, sorrindo.
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Tive coragem. Brasília era um desafio, e tudo aqui estava por fazer”
Hely Walter Couto

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