
A resistência masculina em buscar cuidados com a saúde é um reflexo de barreiras culturais e sociais enraizadas. O segundo painel do CB.Debate Novembro Azul: a saúde do homem em foco, intitulado "Cultura, comportamento e os desafios do autocuidado masculino", abordou os paradigmas e prejuízos que estereótipos e estigmas impõem aos homens.
O médico Guilherme Coaracy, uro-oncologista, uro-pediatra e membro titular da Sociedade Brasiliense de Urologia (SBU), destacou que a ideia equivocada de que o homem precisa ser sempre "forte" e autossuficiente contribui para o atraso na busca por atendimento médico.
Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular
"O homem vive, em média, cinco anos menos do que a mulher. Muitos procuram tardiamente atendimento, e são doenças evitáveis. O estigma da saúde masculina e a autossuficiência do homem, de achar que é superpoderoso, têm grande impacto na procura por cuidado. Alguns não procuram atendimento por medo do diagnóstico. O homem tem tendência a minimizar os seus próprios problemas", afirmou Coaracy.
Para o especialista, é muito importante o papel das mulheres no incentivo aos cuidados com a saúde masculina. Segundo ele, a presença e o estímulo de esposas e de filhas são fatores decisivos para que muitos homens procurem atendimento médico. "Para nós, que atendemos no Sistema Único de Saúde (SUS), e no consultório privado também, é muito comum a filha levar o pai para fazer a avaliação do exame de próstata. A mulher tem esse cuidado consigo mesma e faz com que os seus parentes homens tenham", relatou.
Ele defendeu que a conscientização deve começar desde a infância. "As mães precisam normalizar levarem os filhos para o acompanhamento urológico. A menina vai ao ginecologista desde cedo, e o menino não tem isso. Se ele aprender a procurar o médico desde pequeno, vai entender que precisa se autocuidar."
Coaracy ressaltou que há, pelo menos, três momentos importantes para levar o filho a uma consulta. "Quando desfraldou, perto dos 3 anos, é o momento ideal para checar se tem fimose, fazer a avaliação genital, conversar com a mãe e explicar como é o cuidado com aquele menino. Depois, perto dos 10 anos, pouco antes de entrar na puberdade e, novamente, na adolescência, por volta dos 15 anos, para tirar as preocupações e dúvidas. Os pais têm uma certa dificuldade e vergonha de falar sobre isso", explicou.
"As campanhas do Novembro Azul ajudam a divulgar o tema. A mídia gera engajamento e o engajamento, autocuidado", completou.
Preconceito estrutural
Para o urologista do Hospital Universitário de Brasília (HUB) Fernando Diaz, o principal desafio ao cuidado com a saúde masculina é o preconceito estrutural. "As mulheres são ensinadas a se cuidarem desde a adolescência, a ir ao ginecologista e criarem uma rotina de cuidado. Os homens aprendem a ser provedores, estão sempre preocupados em cuidar da família, da casa, e a saúde fica de lado."
A cultura do pouco autocuidado masculino pode ser resolvida por meio da educação, segundo o urologista. "É importante criar políticas públicas de ensino. Comumente, recebemos no consultório famílias de crianças preocupadas com a possibilidade de elas terem fimose, mas não tinham. O câncer de pênis, por exemplo, é bem mais comum", alertou.
De acordo com ele, a desinformação e falta de preparação, tanto dos pacientes quanto dos profissionais, contribuem para o diagnóstico tardio. "Devemos salientar a necessidade do treinamento do médico jovem. Às vezes, não sabemos quem tem mais medo do exame: o paciente ou o médico. Essa questão da melhora cultural no ensino é essencial."
O médico ressaltou que, apesar dos métodos modernos, o exame do toque retal é necessário. "O toque é muito importante. Fazemos questão, na universidade e no HUB, de treinar tanto os alunos quanto os residentes para que persistam fazendo o teste. Ele salva vidas", comentou Diaz.
Ele alertou que os homens devem ficar atentos aos sinais do corpo. Os problemas na próstata costumam surgir por volta da quinta ou sexta década de vida. "É importante notar dificuldades na função miccional, que costumam surgir nessa etapa. No entanto, no caso do câncer, fica mais difícil perceber os sintomas. A doença, em seu estágio inicial, é silenciosa. Por isso, a importância de realizar os exames preventivos de forma regular."
O especialista acredita que os cuidados pessoais masculinos devem começar nos primeiros anos de vida e que dependem do próprio indivíduo: "O homem inteligente é aquele que se cuida".
Humanidade
Em uma fala que mesclou a experiência clínica com uma visão humanizada da prática médica, o chefe da unidade de urologia do Hospital Regional da Asa Norte (HRAN), Paulo de Assis, defendeu que o papel do médico vai muito além. "A doença nunca é do indivíduo. É uma doença familiar". Ele citou o testemunho de um colega que vivenciou o câncer do pai, e também enfrentou uma doença oncológica pessoalmente, para ilustrar como o diagnóstico e o tratamento impactam todo o núcleo familiar. "A família sentiu o peso."
Para ele, o papel do médico é "muito importante para explicar, esclarecer e acompanhar". Citando um princípio fundamental do cuidado, ele lembrou: "Tem uma frase que diz que, quando não se tem o que fazer, ainda se tem muito a fazer". Esse "fazer", segundo ele, é o suporte e a presença, essenciais para pacientes oncológicos ou de qualquer outra área.
O urologista também foi enfático ao defender a prevenção e os hábitos saudáveis como escolhas diárias. "Saúde é caro, não o plano de saúde, mas as escolhas", afirmou, listando cuidados simples como "alimentação correta, descanso adequado e atividade física". Ele reconheceu a rotina atribulada da maioria das pessoas atualmente, mas frisou que esses cuidados devem ser "inegociáveis".
A chave, para ele, é a constância. Foi com essa ideia que o médico justificou a importância de campanhas como o Novembro Azul. "Por que devemos falar dessa doença uma vez por ano? Justamente para criar essa cultura do cuidado", argumentou.
*Estagiária sob a supervisão de Eduardo Pinho
Saiba Mais
FRASES
Fernando Diaz: “O homem inteligente é aquele que se cuida”
Guilherme Coaracy: "Alguns não procuram atendimento por medo do diagnóstico"
Paulo de Assis: "A doença nunca é do indivíduo. É uma doença familiar"
Vitória Torres
RepórterRepórter na editoria de Cidades. Jornalista em formação pela Universidade Católica de Brasília (UCB). Atuou nas editorias de Política, Economia e Brasil.

Cidades DF
Cidades DF
Cidades DF