
A Marcha das Mulheres Negras de 2025 entrou para a história não apenas pela presença de cerca de 300 mil mulheres na Esplanada dos Ministérios, nessa terça-feira (25/11), mas pelo lançamento de um manifesto que reivindica, de forma objetiva, o reconhecimento da dívida histórica — material e imaterial — deixada pela escravização e pela colonização no Brasil. Entre as propostas, está a criação de um Fundo Nacional de Reparação, destinado a compensar os prejuízos históricos até que haja a equiparação das condições socioeconômicas entre os diferentes segmentos raciais.
Realizado novamente após 10 anos, o movimento também tem como proposições a implementação de processos progressivos de ressarcimento por parte de famílias e empresas que se beneficiaram da escravidão; e a reanálise e anistia de dívidas de financiamentos estudantis e de moradia de pessoas negras. Além disso, defende-se o incentivo à criação de centros de memória da escravidão e emendas que garantam a distribuição de vagas nos tribunais superiores e a paridade de raça e gênero tanto nas casas legislativas quanto nos cargos do Poder Executivo.
Valdecir Nascimento, fundadora do Odara — Instituto da Mulher Negra, que também compõe o Comitê Impulsor Nacional da Marcha das Mulheres Negras, destacou que o movimento é um pedido de uma sociedade mais justa. "Estamos na contramão de um estado de morte, violência, corrupção e que tira a vida das mulheres negras. Pedimos paz, pedimos equidade, pedimos respeito à dignidade das pessoas negras em particular", afirmou.
"Eu tenho dito que esse mundo só será possível quando nós, mulheres negras, estivermos aqui no topo do mundo. O mundo sem as mulheres negras não será possível, nem para os brancos", completou a conselheira nacional da Rede Nacional de Lésbicas e Bissexuais Negras Feministas (Candaces), Heliana Hemetério.
Reparação
Sobre um dos trios elétricos que cruzava a Esplanada, milhares entoaram Maria, Maria, canção de Milton Nascimento. Em coro, elas reforçaram sua gana e resiliência para seguir lutando. Uma delas era Evelyn Dias, 50, natural do município de Itu (SP). Com uma bandeira da Rede Nacional de Mulheres Negras no Combate à Violência, a funcionária pública e ativista descreve a marcha como um marco. "Nós precisamos de reparação. Esse movimento é um grito", destacou.
"A mulher preta deve ter direito à qualidade de vida, a viajar e a não ter os seus filhos mortos pela polícia pela cor da pele", disse. Evelyn, mãe de um rapaz preto, diz estar na marcha, também, por ele. "Para que ele nem outros sejam mortos pela polícia por sua cor." A expectativa é participar das demais mobilizações que ocorrerem. "Por hoje, saio daqui renovada", destacou.
Com o objetivo de garantir o respeito pela herança cultural e territorial de matriz africana, a co-fundadora do Coletivo de Reggae da Liberdade e Mulheres Batuqueiras, de Planaltina, Maria Zezé, ressaltou a importância de participar da marcha. "Esta é uma afirmação de que, após dez anos, seguimos reivindicando por reparação, bem viver e justiça", falou.
Natural do Maranhão, Maria Zezé destacou que a marcha carrega força simbólica e espiritual. "Estamos aqui, hoje, somando força, voz, nosso axé, nossa ancestralidade, pedindo acesso de ponta e visibilidade", disse. Ela ainda frisou que o movimento não terminou ali. "Vamos seguir lutando, pois a nossa luta ainda é contínua e árdua", afirmou. "Que os judiciários, os governos, o presidente possam de fato fazer essa tão esperada reparação, porque nós não queremos favor. Nós queremos garantia dos nossos direitos básicos previstos na Constituição", acrescentou.
Ancestralidade
As raízes negras ganharam voz e corpo na Marcha por meio da apresentação das peneiras, feita por Janira Pataxó, 66, e Creusa Nunes, 56, ambas baianas que viajaram até Brasília especialmente para o ato. As peneiras de milho carregadas pela dupla simbolizaram a força do trabalho ancestral de mulheres que garantiam o alimento com as próprias mãos. "A minha mãe e a minha avó, para conseguirem comer antigamente, precisavam socar no pilão e, hoje, estou aqui representando elas também", relembrou Janira. "Estamos representando todas essas mulheres, para honrá-las acima de tudo", completou Creusa.
Segundo elas, a Marcha representa não apenas uma manifestação política, mas um reencontro com as raízes e com a força herdada de gerações anteriores. "É maravilhoso estar nesta caminhada, nesta guerra, nesta luta, nesta batalha que nós estamos enfrentando com o maior prazer, com o maior orgulho", concluíram.
Para as mais jovens, a representação de suas ancestrais ficou ainda mais presente. Luiza Batista, 22, contou sentir-se radiante ao ver tantas mulheres negras, de todos os lugares do Brasil e do mundo, fortalecendo a luta. "Isso é muito significativo, não apenas para nós, mas para todas que já se foram e para aquelas que virão. Vamos abrir caminhos", pontuou. A jovem, estudante de psicologia da UnB, relatou enfrentar desafios diante do curso "branco e elitista". "Sou cotista com muito orgulho e me movimento para mais pessoas negras entrarem na universidade, inclusive docentes", frisou, enquanto segurava um estandarte com a imagem da líder quilombola Tereza de Benguela.
Bem-viver
A Marcha também foi local de exaltação das mulheres negras do país. "Só encontro realezas neste lugar", definiu Nina Costa sobre a experiência ao participar, pela primeira vez, da Marcha. Nascida na Guiné-Bissau e moradora de Goiânia há 13 anos, ela viajou especialmente para o ato e descreveu o evento como um momento de encontro, força e reconhecimento. "Ver mulheres pretas juntas, lutando por uma causa justa, que é reparação e bem-viver, é algo que não tem preço. Poder estar aqui de cabeça erguida é uma coisa que não tem explicação", celebrou.
Na caminhada até o Congresso Nacional, a jovem Sierra Veloso, 25, destacou que a Marcha é para todas. "Enquanto travesti preta, estar aqui mostra que também precisamos de saúde, educação e trabalho, além de respeito em todos esses ambientes. Espero sair daqui hoje, revigorada e abraçada", frisou.
A união em prol dos mesmos objetivos motivou a carioca Kátia Rodrigues, 50, que é uma pessoa com deficiência (PCD), a viajar à capital. "Além de ser negra, ainda sou cadeirante, contexto no qual a luta é ainda mais importante", disse. Com uma faixa, ela resumiu a mensagem do dia histórico: "Não apague a minha cor, dê licença, por favor!".
A programação segue hoje com seminário sobre feminismo afro-latino-americano, debates na Câmara dos Deputados, oficinas na Universidade de Brasília e uma roda de samba com o grupo Samba Coisa de Pele, no Conic. A agenda completa está disponível nas redes sociais da Marcha das Mulheres Negras.
Saiba Mais
Ana Carolina Alves*
Estagiária na editoria de CulturaEstudante de Jornalismo na Universidade de Brasília, apaixonada por cinema e pelas histórias que moldam a cultura. Atualmente, estagiária na editoria de Cultura.

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