A felicidade pode ser passível de aprendizado? É possível aprender a ser feliz? Lúcia Helena Galvão, Rossandro Klinjey e Vanessa Rodrigues, autores de Vamos conversar sobre felicidade ? (Ed. Papirus) entendem que sim. Ela não depende apenas do destino, mas de uma conquista que se sustenta ao longo de toda a vida. Durante a pandemia, a professora de filosofia Lúcia Helena ganhou projeção por meio de uma série de lives que ajudaram a uma legião de pessoas a manterem a serenidade em uma situação dramática.
Lúcia não tem uma formação convencional de filosofia na universidade. Ela fez a formação em filosofia clássica na Nova Acrópole e se tornou professora e palestrante muito requisitada. Autora de 10 livros individuais, roteirizou Helena Blavatsky, a voz do silêncio, estrelada por Beth Zalcman, que ganhou o Prêmio Cenym de Teatro Nacional em 2023 por sua atuação como Blavatsky. Durante a Olimpíada de Paris, ela fez uma palestra que sensibilizou as jogadoras de futebol feminino do Brasil, ganhadoras da Medalha de Prata, ao discorrer sobre a figura do colar de pérolas como símbolo da união. E, nesta entrevista, ao Correio, ela fala sobre o delicado tema da felicidade em um mundo conturbado por múltiplas crises.
Entrevista //Lúcia Helena Galvão
Como a senhora chegou a Brasília?
Cheguei a Brasília aos 9 anos de idade, meu pai era servidor da Caixa Econômica e vim do Rio de Janeiro.
A senhora não tem uma formação convencional em filosofia. Como foi sua formação e por que a senhora optou por uma formação filosófica fora da academia?
Minha formação acadêmica é em relações internacionais, estudei filosofia, mas deixei no quinto semestre. Minha expectativa era mais prática. Conheci a Nova Acrópole e fiz formação em filosofia clássica, que se concentra em ser uma prática para a vida. A Nova Acrópole é um movimento internacional, tem mais de 100 sedes em 60 países. Oferece uma formação muito interessante e própria.
Como funciona a Nova Acrópole em Brasília?
Em Brasília, temos 11 filiais. É aqui que fica a sede nacional e funciona o nosso projeto que atende 200 crianças em situação de vulnerabilidade.
Que trabalho a senhora desenvolveu em lives durante a pandemia?
Nossa presença na pandemia teve o objetivo de fazer com que as pessoas não chegassem ao desespero e, se possível, ajudando umas às outras. Estivemos presentes todos os dias, fazendo reflexões e distribuição de cestas básicas, para quem estava trancado em casa sem recursos. E falamos das oportunidades daquela situação, de contato mais próximo dos filhos e reavaliação da própria vida. Abrimos alternativas para que a pandemia se tornasse criativa em compasso de espera com uma situação cheia de ameaças.
A senhora entende que as pessoas aproveitaram esse tempo dramático para fazer aprendizados?
Sim, acho que sim, ao menos em relação ao público com quem trabalhamos. Muitas pessoas me deram retorno que não perderam o controle, se mantiveram serenas, graças a esse acompanhamento. Foi um trabalho de sucesso. Já tínhamos uma presença muito forte e a pandemia nos ajudou a estreitar esses laços.
A internet é um instrumento de muitas possibilidades. Mas, desregulada, ela não se tornou uma terra de ninguém, que piorou o mundo?
Eu sempre brinco com meus alunos, que quem quisesse contaminar o mundo faria até com sinais de fumaça. No entanto, o mau uso pode propagar os elementos mais baixos. Isso mostra que é preciso uma reforma moral urgente. Mas o mal já existia antes da internet. Agora, ele ficou mais aparelhado, então joga no ventilador os defeitos morais e a ausência de valores.
A senhora poderia falar na visão de felicidade que discute no livro?
Esse livro surgiu de um convite para abordar a felicidade do ponto de vista da realidade, da psicologia e da filosofia. Quando somos fiéis aos nossos valores, dormimos o sono dos justos, mesmo que vivamos momentos de tristeza ou alegria. Então, a felicidade é não termos culpas, estarmos conscientes do que fazemos com a nossa vida. É termos serenidade, paz e bom ânimo de espírito. A felicidade não consiste em momentos favoráveis. Podemos viver momentos de tristeza e, ainda assim, sermos pessoas felizes.
A felicidade é algo que se possa aprender ou ensinar?
Na verdade, quando pegamos os livros clássicos da filosofia, percebemos que eles se voltam a ensinar a serenidade, a autenticidade, e essas instruções são passíveis de ser aprendidas. O estoicismo é para momentos de crises. Todo o ser humano pode coincidir com o que é nobre, justo e bom. Todo ser humano pode conquistar a felicidade e sustentá-la por toda a vida.
No que é preciso atentar para exercer uma arte da felicidade?
Eu acredito que buscar a paz de espírito, estar presente no dia a dia, de corpo, alma e mente. Impregnarmos as coisas à nossa volta com a nossa autenticidade. Podemos ser reconhecidos pelas nossas obras.
Qual é o lugar do autoconhecimento na conquista da felicidade?
Quanto mais se conhece a si mesmo, maior é o estado de felicidade. Com certeza, o autoconhecimento é fundamental. Conhece-te a ti mesmo que conhecerás o Universo. O autoconhecimento pode levar à consciência de que a ideia do bem é a mais alta, revela o melhor de nós, nossa generosidade, nossa harmonia. As pessoas que se massificam não encontram o que são. Não vivem, são vividas. Essa ideia do bem vai revelar em nós quem realmente somos.
A senhora se considera uma pessoa feliz?
Sim, me considero uma pessoa feliz porque todas as oportunidades que têm sido abertas, eu tenho entrado nessas portas, eu faço o meu melhor. Fazer o meu melhor para que eu beneficie o maior número de pessoas me dá muita serenidade de espírito. Poderia fazer mais, no entanto, faço dentro do que eu sou, das minhas limitações. Quem faz o seu melhor faz tudo o que se esperar dele.
O treinador de futebol da Seleção Brasileira de Futebol feminino, Arthur Elias, poderia falar da necessidade de união, mas a sua intervenção teve uma repercussão poética na sensibilidade delas, durante a recente Olimpíada de Paris. Como foi a palestra para as jogadoras da seleção feminina e por que a senhora resolveu usar a imagem do colar para sensibilizá-las?
Os símbolos sempre são muito fortes. Depois da Segunda Guerra Mundial, o Japão relembrou que é filho do Sol e ganhou força para se reconstruir. Portugal diz Ulysses teria passado por lá. Os símbolos produzem realidade. Eu disse a elas que a essência é como pedacinho de prata que passa por todas as contas do Universo em um fio. A unidade é o atributo mais próprio de Deus. Quanto mais unimos, mais nos aproximados desse mistério. Com muita sensibilidade, o técnico Arthur Elias resolveu concretizar esse momento dando a cada uma delas um colar de pérolas. Mostrou o que significou para elas esse símbolo. O símbolo pode ser muito útil e fazer história em nossa vida. E a união foi muito importante para o desempenho das nossas jogadoras nas Olimpíadas.
Do que a senhora gosta e do que não gosta em Brasília?
Sou, praticamente, uma brasiliense, estou na cidade desde os 9 anos, gosto de tudo, desse céu maravilhoso, das árvores tortuosas, que parecem fazer prece ao céu, do estilo da cidade esparramada para se expandir ao máximo, dos artistas, dos músicos. E desse caráter do brasiliense de origem, discreto, sóbrio, mas de grande coração. Frases de Lúcia Helena no livro Vamos conversar sobre felicidade
Serviço
Vamos conversar sobre a felicidade?
De Lúcia Helena Galvão, Rossandro Klinjey e Vanessa Rodrigues. Ed. Papirus 7 Mares, 160 páginas. R$ 59,90
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