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Aline Borges está pronta para celebrar seus 50 anos de vida e 30 de carreira

Após o sucesso em "Pantanal", enquanto celebra o marco pessoal profissional, a atriz se divide entre as filmagens das séries "Juntas e separadas" e "Arcanjo renegado", quarta temporada. "É como se toda a minha trajetória tivesse sendo honrada.

Aline Borges, atriz -  (crédito: Márcio Farias/Divulgação)
Aline Borges, atriz - (crédito: Márcio Farias/Divulgação)

 Em 30 anos de carreira, é a primeira vez que Aline Borges se dá conta de que está em dois projetos no audiovisual ao mesmo tempo. Enquanto celebra o marco profissional, a atriz se divide entre as filmagens de Juntas e separadas e a quarta temporada de Arcanjo renegado.

Protagonizada por Sheron Menezzes, Natália Lage, Luciana Paes e Debora Lamm, a primeira série, escrita por Thalita Rebouças para o público adulto, é voltada para mulheres acima dos 40. Já a segunda, uma história escrita por José Junior, onde ela vive Joana, a secretária da governadora Manuela Berengher (Rita Guedes) desde a segunda temporada, é bem mais densa.
A boa fase profissional que se anunciou no remake de Pantanal (2022), na TV Globo, quando interpretou Zuleica, vem se estendendo desde então, principalmente, no streaming. “É como se toda a minha trajetória tivesse sendo honrada. São 30 anos me dedicando, estudando, não desistindo pelo caminho. Resistindo e acreditando, porque é muito difícil manter uma continuidade nesta profissão”, afirma Aline, que depois da novela das 21h, esteve nas séries B.O (Netflix) e Dom (Prime Video), além da peça Caralampias, uma homenagem à pioneira do samba, Dona Ivone Lara.
Aline Borges, atriz
Aline Borges, atriz (foto: Márcio Farias/Divulgação)
Pertinho de completar 50 anos, Aline lamenta que, infelizmente, vivemos em um país extremamente etarista, preconceituoso, machista, racista. “A gente sabe o quanto precisa lutar pra seguir desconstruindo toda essa estrutura torta que forja nossa existência. Eu tenho receio, sim, quando penso na minha velhice sendo artista independente no Brasil. Mas tenho muita fé no meu trabalho, no que construí até aqui e nos meus guias, que não dormem. A gente já entendeu que nada cai do céu pra quem não nasceu privilegiado, nada vem de mão beijada. Então, a saída é pegar a caneta e escrever nossas próprias narrativas. É isso que vai fazer a diferença, ter mulheres escritoras, mulheres negras fazendo a diferença nos roteiros, na direção, em todos os espaços. Esqueça tudo que contaram sobre nós. A gente está reescrevendo a história!”, desabafou.
Com 14 novelas na bagagem, além de trabalhos no teatro, cinema e streaming, a atriz relembra com carinho alguns personagens, como as séries A lei e o crime (Record) — “um divisor de águas na minha vida”— e Bom dia, Verônica (Netflix), e, no cinema, Alemão 2 (de José Eduardo Belmonte). “O remake de Éramos seis, onde fiz uma psicanalista inspirada em Virgínia Bicudo, também me rendeu elogios e me puxou para outros trabalhos”, pondera ela, que é casada com o ator Alex Nader, com quem tem uma filha.

Entrevista | Aline Borges

Com 50 anos de idade e 30 de carreira, qual o balanço que você faz da sua jornada até aqui e quais são as projeções para o futuro?
 
O balanço que faço é positivo, porque ao longo desses 30 anos de caminhada, com toda dificuldade que enfrentei pra me manter na profissão, eu não desisti, eu resisti e sigo resistindo até hoje. Porque apesar de estar num lugar um pouco mais confortável, onde vejo meu trabalho sendo reconhecido, meu nome sendo pensado pra grandes produções no audiovisual, cinema e TV, a instabilidade ainda é uma constante. Os altos e baixos, o corre ainda é diário pra me manter de pé. Nada é garantido para quem não é herdeiro. Eu sou cria de Parada de Lucas, Zona Norte do Rio de Janeiro. A primeira da família a buscar o caminho das artes e escolher seguir nele mesmo sem grandes perspectivas e referências. Então, eu reescrevo minha história todos os dias. A arte é tão poderosa, que ela promoveu a cura de me fazer enxergar grande, para além dos muros que bloqueavam meus sonhos! Os 30 anos de profissão são a prova de que eu venci! Com 50 anos, completados em março de 2025, eu ainda estarei aqui, dando vida para muitas personagens relevantes! Minha projeção para o futuro é, de fato, seguir fazendo transformação através da arte. É ver cada vez mais o caminho se abrindo para artistas periféricos, para as camadas menos favorecidas, para aqueles que, como eu, um dia ousaram sonhar mais alto do que o sistema permite.O tempo de agora é o tempo da reparação para quem não desistiu, esse é o momento de colher os frutos plantados por Abdias do Nascimento, Léa Garcia, Ruth de Souza e tantos e tantas que meteram o pé na porta. É importante saber honrar essa continuidade.

O etarismo é uma prática muito comum, especialmente com as mulheres. É algo que te preocupa, especialmente no que se refere à oferta de bons papéis?
 
Infelizmente, a gente vive num país extremamente etarista, preconceituoso, machista, racista. A gente sabe o quanto precisa lutar pra seguir desconstruindo toda essa estrutura torta que forja nossa existência. Eu tenho receio, sim, quando penso na minha velhice sendo artista independente no Brasil. Mas tenho muita fé no meu trabalho, no que construí até aqui e nos meus guias, que não dormem. A gente já entendeu que nada cai do céu pra quem não nasceu privilegiado, nada vem de mão beijada. Então, a saída é pegar a caneta e escrever nossas próprias narrativas. É isso que vai fazer a diferença, ter mulheres escritoras, mulheres negras fazendo a diferença nos roteiros, na direção, em todos os espaços. Eu consegui me autorizar a escrever, porque o sistema te oprime para que você não ouse sair do lugar, da caixa que te colocaram. Eu sou atriz, então, não posso ser outra coisa. Não, eu posso ser o que eu decidir ser! Então, eu venho trabalhando minha escrita, entendendo que existe também uma vocação que merece minha dedicação para fazer a diferença. Esse ano, eu compus algumas músicas, e uma delas que fala sobre ancestralidade, sobre nossa hora de Poder, será trilha de um filme que vou protagonizar. Isso é muito grandioso. Mostra o quanto a gente precisa acreditar que somos capazes de muito mais. Esqueça tudo que contaram sobre nós. A gente está reescrevendo a história!

Estamos com três atrizes pretas protagonizando as três novelas no ar. Como você enxerga o espaço merecido que os negros têm recebido nas produções de dramaturgia, especialmente novelas?
 
O protagonismo negro de hoje, como falei antes, é resultado de uma luta que vem muito antes de mim. Artistas negros não estão recebendo espaço hoje, eles estão arrombando portas que foram fechadas durante muito tempo! E só com consciência e entendimento da nossa própria história, de tudo que nos foi negado historicamente, a gente consegue ter força para ocupar nossos lugares. Jessica Ellen, Gabz, Duda Santos, as três atrizes negras que protagonizam novelas na TV Globo hoje, estão apenas ocupando um lugar que, durante muito tempo, foi tirado delas. Porque talento e beleza elas têm de sobra. O racismo negava a elas esse lugar. O que hoje é coisa do passado. Nenhum passo atrás, esse é o lema! Que orgulho eu tenho delas!

O remake de Pantanal inovou justamente ao colocar você, uma atriz negra, para viver uma personagem que foi feita por uma mulher branca na primeira versão. Desde então, outros remakes seguiram essa tendência. Pode comentar sobre isso?
 
É tudo resultado de uma luta que vem de muito antes, graças ao TEN (Teatro Negro Unificado), fundado por Abdias do Nascimento, que percebendo a falta de oportunidades pra atores e atrizes negras, funda sua própria companhia e começa a desenhar uma nova realidade, que se desdobra nos dias de hoje… Pantanal é um grande exemplo, sim, o número de atores negros na primeira versão é vergonhoso, mas fala de uma época, sinaliza em que pé estávamos diante da luta antirracista. Então, a mudança da personagem da Zuleika, interpretado na 1ª versão pela Rosamaria Murtinho, uma atriz branca, pra uma atriz negra, com filhos negros, também é resultado dessa luta. Foi incrível pra mim, me abriu muitas portas, permitiu que uma boa parte do Brasil conhecesse meu trabalho. Mas não é sobre mim. Se pensarmos que 56% da população no Brasil é composta por pessoas negras, ainda é muito pouco! Dois anos depois de Pantanal a gente consegue ver avanços significativos, e isso traz esperança! A representatividade não é só uma palavra bonita, ela confere dignidade a mais da metade da população brasileira.
 

postado em 09/12/2024 22:07
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