
Dos 30 anos de carreira na televisão, Murilo Rosa passou 22 na Globo. A saída se deu em meio à pandemia, após participar da última novela na emissora, Salve-se quem puder. O encerramento do longo contrato se deu por um motivo especial: o convite para um desafio — algo que o move como pessoa. Por meio da Max (então HBO), o ator pôde experimentar uma nova faceta, a de apresentador. Foi dele a condução do reality show A ponte, que a plataforma de streaming lançou em 2022, um grande sucesso que levou o Emmy Internacional. O casamento deu certo, e Murilo integrou um novo projeto audacioso da plataforma de streaming. Ele vive o médico Tomás em Beleza fatal, que estreou há duas semanas na América Latina, nos Estados Unidos e em Portugal e já é um dos programas mais assistidos nesses lugares.
"Com A ponte, ganhamos o Emmy, e eu tenho um sentimento de que algo vai acontecer aqui também. Eu senti isso em alguns trabalhos na minha vida, e todos deram muito certo", apostou o ator de 54 anos, em entrevista de lançamento da primeira novela original brasileira da Max. "Para minha alegria, sabemos que temos um produto muito potente. O elenco é deslumbrante, os diretores, o texto do Raphael Montes. Estamos com uma joia rara nas mãos, sabe? Acho que é um momento histórico."
Filho ilustre de Brasília, o ex-estudante de educação física Murilo Rosa começou a carreira em 1991, estudando artes cênicas na Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, até se transferir para o Rio de Janeiro, onde continuou os estudos no Tablado. Sua estreia na televisão ocorreu em 1994, com a telenovela 74.5: Uma onda no ar, na extinta Rede Manchete, onde também fez Xica da Silva — um marco da teledramaturgia. Desde então, conquistou a admiração do público com personagens memoráveis no cinema, no teatro e na televisão. Entre seus principais trabalhos, destacam-se as novelas O cravo e a rosa (2000), América (2005), Desejo proibido (2007) e Araguaia (2010), e a minissérie A casa das sete mulheres (2003), na Globo.
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Ao Correio, Murilo Rosa falou sobre a importância de Beleza fatal como a estreia da Max no gênero de novelas, apresentou o seu personagem — um cirurgião plástico ético e talentoso que se envolve romanticamente com uma mulher trans —, relembrou grandes trabalhos e declarou a influência de Brasília em sua trajetória artística. "Sou um ator com o material interno que eu tenho por causa de Brasília", afirmou o brasiliense.
Confira a entrevista!
Entrevista | Murilo Rosa
Como você vê a importância de Beleza fatal como a estreia da Max no gênero de novelas?
Eu vejo com muito entusiasmo. A novela está linda e fazer parte desse momento, pra mim tem um simbolismo muito especial. Fui para Max no meio de 2021, fiz outros trabalhos, mas este é o primeiro de ficção, do gênero de novela. E essa produção está estreando na América Latina toda, Estados Unidos e em Portugal — isso é fascinante. A gente sabe da responsabilidade deste momento, e sinto que estão todos torcendo muito pra que dê certo. Vejo que há uma expectativa grande e que está todo mundo louco pra assistir Beleza fatal. Para minha alegria, sabemos que temos um produto muito potente. O elenco é deslumbrante, os diretores, o texto do Raphael.. Estamos com uma joia rara nas mãos, sabe? Acho que é um momento histórico.
O que você pode nos contar sobre o Tomás, seu personagem, e como foi interpretar um cirurgião plástico que se envolve romanticamente com uma mulher trans?
O Dr. Tomás é um médico muito ético, profissional, humano, afetivo, preocupado. Ele é tudo o que a gente espera de um médico. É o exemplo de um médico com bom caráter. Só que vive em uma família que quase todas pessoas têm um caráter bem ruim. Inclusive, os seus pares na clínica de estética, que são pessoas incompetentes e capazes de tudo pelo poder. Então, ele está sozinho nesse lugar. Ele acaba sendo um homem sozinho, mas acredita piamente que o trabalho dele é capaz de transformar, de deixar as pessoas melhores, com mais vida. Ele tem esse grau de afetividade com o trabalho. E ele acaba se envolvendo com a Andreia, que é a personagem da Kiara, e eles têm uma relação muito bonita, com uma química muito interessante. Eu fiquei muito feliz de ter encontrado a Kiara Felippe. A gente deu as mãos e entendemos que tínhamos uma missão. A história é muito bonita. Eu acho que se apaixonar é muito bom. Essa é a mensagem, que está tudo bem se apaixonar.
A novela aborda questões sociais importantes, como a representatividade trans e os riscos da busca pela estética perfeita. Como você se preparou para esse papel e quais foram os maiores desafios?
Eu recebi o convite para estar na Warner pela Mônica Albuquerque, e a Mônica convidou a Maria de Médici para fazer essa novela — nossa diretora maravilhosa, cheia de talento e astral. E a Maria me liga um dia falando, ‘Murilo, a gente precisa de você para esse papel. Precisamos de um ator com a sua história, para abraçar uma atriz nova e você acolher da melhor forma, porque achamos que essas duas histórias podem acontecer em uma química muito explosiva, muito bonita’. E eu falei, ‘Uai, vamos embora. Estamos juntos, estou dentro!’. Então, entrei neste trabalho com a missão de fazer com que essa história de amor desse ‘match’ e alegria para quem está assistindo. Queremos que o público se encante e veja como é bonito o amor, como é bom se apaixonar. No mundo, hoje ainda tão preconceituoso, a gente precisa dar lugar ao amor. E foi um prazer muito grande ter feito esse trabalho com a Kiara. Ficamos amigos, tenho maior respeito por ela, ela por mim. Caminhamos assim, de uma forma muito bonita assim no set.
Você tem uma trajetória marcada pela versatilidade, passando por novelas, cinema, teatro e reality shows. Como você escolhe seus projetos e o que mais te atrai em um papel?
Olha, tem vezes que você escolhe o papel, e, às vezes, o papel que te escolhe. Eu gosto muito de desafios. Não vejo sentido em fazer um personagem que não me traga alguma coisa. Meus últimos trabalhos, até no teatro, com Barnum - O rei do show, eu cantava, dançava, fazia acrobacia, andava em uma corda bamba a três metros de altura, com dez metros de comprimento, sem rede de segurança, performando e cantando. Então, acho que a minha trajetória como ator é marcada pelos desafios e por certa ousadia. Eu gosto muito disso. Quando saí da Globo e fui para a Warner, já um trabalho bonito, importante. Mas, a gente estava esperando esse primeiro passo, na ficção, e foi quando demos de cara com “Beleza Fatal”. Aliás, eu amo esse nome. Então, acho que o Dr. Tomás me escolheu e estou sentindo uma vibe muito boa, muito positiva. Vejo todo mundo torcendo muito por este trabalho.
Entre os personagens que interpretou ao longo da carreira, quais considera os mais marcantes ou desafiadores, e por quê?
Eu sou apaixonado pelos personagens que eu faço. Para mim este é o primeiro passo, como intérprete, você se apaixonar pelos seus personagens, se envolver com eles. Trabalhar com a emoção é fascinante. E o trabalho de ator é exatamente isso, descobrir novas emoções, ficar vasculhando essas possibilidades humanas, que são infinitas. As pessoas são diferentes e as emoções desses personagens também, então é muito legal. Já tive muitos personagens. Acho que Xica da Silva foi bem marcante, mas é difícil escolher, porque vou falar de todos, ou quase todos. Já fiz muitos personagens populares como, por exemplo, o Dinho de América, que foi um sucesso estrondoso e é responsável por muitas coisas boas que aconteceram na minha carreira. A casa das sete mulheres, o herói da Revolução Farroupilha, o Corte Real, também é muito marcante. O cravo e a rosa, que é uma comédia, me fez assinar um contrato longo com a Rede Globo, na qual eu fiquei 22 anos. Então, cada personagem tem a sua importância. O Barnum — O rei do show, nossa, foi demais. Os personagens são como filhos, não dá pra escolher um, dois, três… você está envolvido diretamente com todos eles.
A reprise recente de América trouxe de volta a história de Dinho. Como você enxerga a receptividade do público a essa trama tantos anos depois? Como foi revisitar essa obra e o impacto que ela teve na sua carreira?
Fiquei muito feliz. O Dinho é um personagem inesquecível e foi muito marcante para mim. É um personagem que, de certa forma, foi impactante para minha carreira. América atingiu picos de 70 pontos de audiência. Naquela época não tinha rede social, nada disso. Você sentia a energia do sucesso no ar, era diferente. Então, fiquei muito feliz com a reprise. É um sucesso. Me lembro do Manoel Carlos me falando uma coisa num jantar, ele disse, ‘Murilo, esse teu sucesso com o Dinho, é um tipo de sucesso que pouquíssimos atores tiveram a oportunidade de experimentar ao longo de suas vidas. Então, aproveite.’. Eu lembro sempre disso. Então, muito feliz. O Dinho é ‘crayzinho de love’ pela Dona Neuta. Um personagem lindo, que amei fazer.
Você ganhou o Emmy Internacional por sua apresentação em A ponte. Como foi a experiência de transitar do papel de ator para o de apresentador?
O Emmy foi muito importante para a gente, de verdade, importante para mim e para todo mundo que participou de A ponte. E depois de 22 anos na Rede Globo, um lugar que foi sempre muito importante para mim, e o convite da Mônica para apresentar o reality, tivemos um processo lindo de gravação — a produção da Endemol, a direção sensacional de Rodrigo Giannetto. E esse reality é diferente mesmo, porque a apresentação não é só uma apresentação, criamos um personagem. É uma apresentação que é a narração e que tem o contexto do lançador de dilemas no programa. E não deu outra, quando estreou as críticas foram unânimes, muitos elogios comentando que era o melhor reality já feito no Brasil. Então, a gente viu que tinha um produto importante. O prêmio chegou em um momento especial, e muito difícil para mim, quando eu perdi meu pai — o momento mais difícil da minha vida e uma semana depois que isso acontece a gente recebe essa indicação ao Emmy. Eu fico todo emocionado, penso ‘Meu Deus, isso tem que ter alguma ligação. Só pode ter uma ligação.’. E depois, quando a gente foi para Nova York, eu pensava, ‘Cara, imagina se a gente ganhar’, e estávamos competindo contra a Inglaterra, Reino Unido, Japão, França, então eram fortes concorrentes. Quando a gente ganhou tive a certeza que tinha uma ligação divina, sabe? Tenho certeza que meu pai estava ali junto, naquele momento com a gente. Então, pra mim é muito importante o prêmio em si, por essa questão emocional.
O Emmy, o Prêmio Lusofonia e o Festival de Filmes de Los Angeles são reconhecimentos internacionais que consolidam a sua carreira fora do Brasil. Como você avalia essa conexão com o público global?
Fico muito feliz com esses reconhecimentos. A gente trabalha para ser reconhecido. Então, depois de mais de 30 anos de carreira, você perceber que alguns desses personagens, ou muitos desses personagens, encontraram o seu lugar, é muito emocionante. Essas premiações internacionais são muito bacanas. A emoção é universal. E Beleza fatal também é isso, uma novela que vai para o mundo. Vai estrear em diversos países, América Latina, Estados Unidos e Portugal. Então, é muito bom. Quem quiser assistir inglês, assiste. Quem quiser assistir espanhol, vai poder. É muito bacana. Fico muito emocionado quando vejo um personagem transformando também, ajudando em algum momento que uma pessoa possa se inspirar e se emocionar. Então é uma profissão linda. Acho que é uma profissão abençoada.
Como Brasília influenciou sua trajetória artística? Você ainda mantém uma conexão forte com a cidade? Há algo que gostaria de destacar sobre suas raízes e como elas impactam sua carreira?
Eu amo Brasília. Sou um ator com o material interno que eu tenho por causa de Brasília. A minha vida em Brasília foi muito rica. Fui um moleque danado, fiz muita bagunça, cresci muito livre, andando de bicicleta pra lá e pra cá, me divertindo e colhendo, de uma certa forma, material pra essa minha profissão. Mas isso tudo de uma forma espontânea, verdadeira, né? Eu não sabia que eu ia ser ator. Essa paixão pela atuação, ela veio em Brasília também, na faculdade Dulcina, que foi muito importante para mim. Eu sou nascido e criado em Brasília, então eu bebo de uma fonte diferente — uma fonte que me deixa muito contente e cheio de orgulho. Lembro que os meus primeiros professores de teatro foram Humberto Pedrancini e o Jesus Vivas. Eles me ajudaram e me marcaram muito. Lembro de uma frase do Pedrancini, que falou assim, ‘Olha, o dia que você resolver fazer alguma coisa pela arte, faça, porque você tem muito talento’. Talvez para ele tenha sido uma frase solta, mas pra mim foi importante. Então eu amo essa cidade. Acho que Brasília tem uma potência artística muito grande. Brasília está na minha raiz, na minha vida, na minha história.
Além de Beleza fatal, há novos projetos em andamento que você pode compartilhar conosco?
Tem muitos projetos e muitas coisas acontecendo. Estou escolhendo um texto de teatro para voltar aos palcos, para fazer uma temporada fora do Brasil. Tenho o lançamento de um filme chamado Perseguição e cerco a Juvêncio Gutierrez. É um filme bem interessante, bonito e profundo, com um personagem bem polêmico. Eu faço o Juvêncio Gutierrez e esta é uma história do Tabajara Ruas, que é um diretor e um escritor do Rio Grande do Sul que eu adoro. Há uma possibilidade de uma novela também esse ano. Então tem muita coisa acontecendo, fora a vida pessoal que é uma correria. Estou fazendo obra, construindo uma casa na serra. Então, é uma vida muito agitada, graças a Deus.
Depois de tantos anos de carreira e experiências diversas, o que ainda te motiva e desafia como artista?
O que me motiva como artista é o personagem e sua complexidade. Não me ofereça um personagem ruim, por favor (risos). Porque para mim o importante é exatamente encontrar desafios que eu ainda não vivi também. É sempre o personagem, que seja complexo, diferente, que venha com um desafio novo para mim. Isso é o que me motiva.
Como é o Murilo pai de família e quais os valores busca passar para o seus filhos?
Esse sou eu, de verdade. Fizemos agora uma viagem com 14 pessoas da minha família, minha mãe, minha irmã, meus afilhados, meus filhos, esposa. Isso é o que me interessa mais do que tudo. Minha profissão é minha profissão, sou muito profissional, mas minha família é o que me movimenta para valer, eu amo. É uma correria, tenho um filho de 17 e de 12 anos. É o maior barato, muito legal. São muitas emoções. É a vida real, a vida como ela é, e isso é fascinante. Eu sou muito grato nessa questão familiar. Tenho uma família muito abençoada. A história de vida do meu pai e da minha mãe, eu valorizo muito. Meu pai sempre foi exemplar. Viveu 80 anos com muitos acontecimentos, e minha mãe com 78, é um exemplo de equilíbrio. Eles são pais fantásticos. Eu sei que sou um bom filho também e estou devolvendo para eles. Tenho essa noção e sou muito grato.