Artes visuais

Flávio Cerqueira leva ao CCBB esculturas em bronze que exploram memória e cotidiano

Com esculturas em bronze em tamanho natural, o artista Flávio Cerqueira explora situações do cotidiano para falar de questões sociais, de raça, de gênero e existenciais

Flávio Cerqueira – um escultor de significados
Curadoria:  Lilia Schwarcz. Visitação a partir de amanhã até 24 de agosto, das 9h às 21h, na Galeria 2 do CCBB (SCES Trecho 02 Lote 22 – Edif. Presidente Tancredo Neves) 
 -  (crédito:  CARLA FIALDNI)
Flávio Cerqueira – um escultor de significados Curadoria: Lilia Schwarcz. Visitação a partir de amanhã até 24 de agosto, das 9h às 21h, na Galeria 2 do CCBB (SCES Trecho 02 Lote 22 – Edif. Presidente Tancredo Neves) - (crédito: CARLA FIALDNI)

Flávio Cerqueira fazia esculturas com durepox quando se deu conta do poder emanado do bronze. Foi durante uma exposição de esculturas de Auguste Rodin, na Pinacoteca, em São Paulo. "Fazia artesanato e não tinha nenhuma relação com escultura em bronze ou arte contemporânea", conta o artista, que inaugura a exposição Flávio Cerqueira — um escultor de significados nesta quarta-feira (18/6), no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Cerqueira começava, naquele 2001, uma faculdade de artes visuais e ver as peças de Rodin mudou tudo. "Até então, eu não tinha visto nenhuma escultura em bronze com escala mais humana, só tinha contato com esculturas de monumentos da cidade. Ao ver uma escultura de tamanho real ou menor, vi possibilidades de produzir algo que não fosse monumental", lembra.

Com curadoria de Lilia Schwarcz, a exposição celebra 15 anos da trajetória do artista e reúne 40 obras em um recorte da produção dos últimos 10 anos. É uma panorâmica que faz um bom apanhado das preocupações e pesquisas do artista. A condição humana é, de maneira geral, o ponto central da obra, que traz personagens em cenas do cotidiano aparentemente banais, mas carregadas de simbolismo, poesia e muitas narrativas. "Elas são frutos das caminhadas do Flávio, quando ele, vê pessoas imagina pessoas, representa pessoas, são frutos de situações que todos nós conhecemos em relação ao genocídio da juventude negra. São frutos da memória afetiva do próprio Flávio", avisa a curadora.

  • Flávio Cerqueira - um escultor de significados Curadoria:  Lilia Schwarcz. Visitação a partir de amanhã até 24 de agosto, das 9h às 21h, na Galeria 2 do CCBB (SCES Trecho 02 Lote 22 - Edif. Presidente Tancredo Neves)
    Flávio Cerqueira - um escultor de significados Curadoria: Lilia Schwarcz. Visitação a partir de amanhã até 24 de agosto, das 9h às 21h, na Galeria 2 do CCBB (SCES Trecho 02 Lote 22 - Edif. Presidente Tancredo Neves) ROMULO FIALDNI
  • Flávio Cerqueira - um escultor de significados Curadoria:  Lilia Schwarcz. Visitação a partir de amanhã até 24 de agosto, das 9h às 21h, na Galeria 2 do CCBB (SCES Trecho 02 Lote 22 - Edif. Presidente Tancredo Neves)
    Flávio Cerqueira - um escultor de significados Curadoria: Lilia Schwarcz. Visitação a partir de amanhã até 24 de agosto, das 9h às 21h, na Galeria 2 do CCBB (SCES Trecho 02 Lote 22 - Edif. Presidente Tancredo Neves) Divulgação
  • Flávio Cerqueira - um escultor de significados Curadoria:  Lilia Schwarcz. Visitação a partir de amanhã até 24 de agosto, das 9h às 21h, na Galeria 2 do CCBB (SCES Trecho 02 Lote 22 - Edif. Presidente Tancredo Neves)
    Flávio Cerqueira - um escultor de significados Curadoria: Lilia Schwarcz. Visitação a partir de amanhã até 24 de agosto, das 9h às 21h, na Galeria 2 do CCBB (SCES Trecho 02 Lote 22 - Edif. Presidente Tancredo Neves) Romulo Fialdini
  • Flávio Cerqueira - um escultor de significados Curadoria:  Lilia Schwarcz. Visitação a partir de amanhã até 24 de agosto, das 9h às 21h, na Galeria 2 do CCBB (SCES Trecho 02 Lote 22 - Edif. Presidente Tancredo Neves)
    Flávio Cerqueira - um escultor de significados Curadoria: Lilia Schwarcz. Visitação a partir de amanhã até 24 de agosto, das 9h às 21h, na Galeria 2 do CCBB (SCES Trecho 02 Lote 22 - Edif. Presidente Tancredo Neves) Divulgação
  • Flávio Cerqueira -  um escultor de significados
    Flávio Cerqueira - um escultor de significados CARLA FIALDNI

Temas como solidão, identidade, raça, classe, gênero e pertencimento fazem parte do repertório escultórico de Cerqueira e dão significado às peças. "Crio narrativas que vão de narrativas pessoais a fictícias e históricas. Vou abordar vários assuntos para poder criar uma escultura", explica. "Entendo meu trabalho como um momento congelado de uma cena, um instante pausado de uma ação. As esculturas estão sempre fazendo algo, elenco um momento que acho importante para ser retratado", diz o artista, que lembra sempre que não faz retratos, mas cria personagens. 

Durante séculos, o bronze foi utilizado para exaltar o poder. Desse material são feitos os bustos de reis e imperadores, generais e soldados, as esculturas equestres e os canhões. Um material cuja nobreza Cerqueira transporta para outro universo, o das pessoas comuns, eventualmente periféricas, o das situações banais do cotidiano, aquelas capazes de fazer o público refletir sobre a própria existência humana.  "Tudo na obra do Flávio não é exatamente o que parece. Você tem obras que parecem ser feitas de porcelana, mas elas são feitas no bronze. É uma mistura da fragilidade da porcelana com a estrutura do bronze. O que parece apenas um elogio, muitas vezes é uma crítica", explica Lilia  Schwarcz . "E a questão do material é muito importante, primeiro porque não são muitos os artistas, sobretudo negros, que se aventuram na linguagem do bronze. O bronze é um material, em primeiro lugar, caro. Em segundo lugar, é um material muito complexo para você saber manipular ou utilizar a seu favor."

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A exposição está dividida em quatro núcleos que exploram diversas fases da trajetória de Cerqueira. O Labirinto da Memória traz os aspectos autobiográficos.  "Nenhuma escultura é autobiográfica, mas todas são autorreferenciais, porque partem das minhas experiências enquanto pessoa no mundo. Todo trabalho de arte acaba sendo autorreferencial, claro, mas gira em torno das minhas experiências", avisa. Esculturas como Monólogo, Iceberg e Ex Corde fazem parte desse núcleo. Em Um caminho sem volta, a introspecção toma a frente e o artista propõe pensar sobre o conhecimento, com certas esculturas associadas a um livro, elemento recorrente em algumas obras. Histórias: as minhas, as nossas e O Processo é Lento trazem esculturas maiores, como Tião e Memória de mim, na qual o personagem segura velas acesas. Reunidas, elas são parte de uma mesma história e falam sobre o mundo que rodeia o artista, mas também o público. 

 

Entrevista//Flávio Cerqueira

Como você encara o contraste entre o bronze, um material nobre, e as narrativas cotidianas contadas pelos personagens?

Concordo não concordando. Trato de questões que são comuns, situações do dia a dia, que também esbarram em classe social e em questões raciais pelo fato de eu ser uma pessoa periférica. Mas o que eu estou mais interessado não é levantar nenhuma denúncia social ou questionamento, estou  mais interessado nas questões humanas que vão além de questão social, de raça ou de gênero. As figuras que retrato acabam sendo estereotipadas pela sociedade, mas estou mais interessado nas situações que elas propõem, em levantar questões do ser humano que podem ser vistas e compreendidas em São Paulo, Estados Unidos ou na China.

Suas esculturas parecem capturar momentos de suspensão, solidão e silêncio. Como você constrói essas narrativas?

A escultura é física. Preciso da atuação física do espectador, abaixar, levantar, olhar, dar a volta. Então o espaço arquitetônico faz parte dessa narrativa porque o visitante também é atuante nessa narrativa como coautor do significado. A partir do momento que crio uma cena com propósito, ela cria outras camadas de leitura quando vai para o espaço expositivo. A arquitetura faz parte disso. 

Brasília é um espaço simbólico para você mostrar suas obras? O fato de expor na cidade enfatiza algum aspecto político das obras?

Não é a primeira vez, venho mostrando meu trabalho em Brasília há mais de uma década. A primeira vez foi em 2011, no Museu da República. Brasília tem uma carga simbólica enquanto território e espaço geográfico, mas a palavra ‘política’ é um pouco desgastada na arte e as pessoas acabam confundindo um trabalho político com politizado. Claro que, quando falo de um trabalho de raça e classe social, estou sendo tendencioso de provocar essas questões, mas o fato do trabalho ser apresentado em Brasília não necessariamente vai torná-lo político pela questão geográfica.


Entrevista//Lilia Schwarcz


Que história esse conjunto de personagens conta ao público?

Não há uma história no singular. São histórias muito brasileiras, como a da garota que quer voar com o seu balão, histórias da mulher empoderada, que cansou de ser assediada e que faz um grande stop. Histórias de um menino que você pode achar que ele está marcado para morrer por causa do X nas costas, mas que, por outro lado, carrega uma lanterna e carrega uma bússola. As histórias do Tião, que é um menino negro que faz uma alusão a São Sebastião, que tem o corpo crivado de flechas, mas, nesse caso, o senhor está com corpo crivado de balas. São histórias do nosso dia a dia e histórias dos heróis e das heroínas do nosso cotidiano.


Pode falar sobre o contraste entre o material, o bronze e as situações narradas nas esculturas? 

O bronze é um material nobre, como se diz, que quando quente é muito plástico e, por outro lado, quando ele esfria, não há como mexer nele. Nós sabemos que na história da arte, o bronze, até por conta do seu valor, foi utilizado sobretudo para as elites. Estou me referindo às elites religiosas, às elites políticas, às elites culturais, sempre brancas, né? Raramente a gente vê hã objetos feitos para população negra. O Flávio tira muito proveito disso, ou seja, de usar o material tão nobre, com muitas aspas nessa “nobre”, no sentido de tão difícil, tão árduo, tão caro, mas para retratar situações cotidianas e situações que envolvem a população negra. E para memorializar pessoas comuns, de todo dia. Considero um uso muito revolucionário do bronze. 

Qual o simbolismo de apresentar essa exposição em Brasília? 

Eu acho, para nós, muito, muito importante porque é uma exposição que vai estabelecer quase que uma contra narrativa com Brasília, essa cidade tão espetacular, mas que se destaca pelo concreto e, sobretudo, por algo que é bastante potencializado pelo material do concreto que é o uso de linhas retas. Elas podem até interseccionar, mas são linhas retas. E o Flávio, com a maestria com o bronze, arredonda as figuras. Porque o Flávio é um artista dos detalhes também. Então um sapato Croc vai aparecer como sapato Croc, mas também usado. Uma sandália havaiana vai aparecer retorcida nas mãos de um menino na escultura iceberg, que talvez seja a única  da exposição de memória auto-referida. A gente pode ver os vincos da blusa da moça. A gente pode ver o corpo da moça. Então, esse uso que o bronze permite de dar formas quase aveludadas, quase arredondadas, vai fazer um diálogo muito bonito com as linhas retas de Brasília.

Serviço

Flávio Cerqueira — um escultor de significados

Curadoria:  Lilia Schwarcz. Visitação a partir de amanhã até 24 de agosto, das 9h às 21h, na Galeria 2 do CCBB (SCES Trecho 02 Lote 22 - Edif. Presidente Tancredo Neves)

 


postado em 17/06/2025 07:01 / atualizado em 17/06/2025 10:12
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