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"Sempre desejei este lugar", diz Jeniffer Nascimento, sobre ser mocinha da novela

"Reparação histórica", afirma Jeniffer Nascimento, que retorna em "Êta mundo melhor" com a personagem Dita, de "Êta mundo bom", agora como protagonista da produção. "Eu almejo viver esse momento de protagonista há muito tempo", declarou

Jennifer Nascimento, atriz e cantora -  (crédito: Caio Oviedo)
Jennifer Nascimento, atriz e cantora - (crédito: Caio Oviedo)

Quando o telefone de Jeniffer Nascimento tocou, a casa silenciou por alguns segundos. Talvez fosse pressentimento — uma intuição antiga de que, por trás daquela ligação, vinha algo maior do que mais uma novela. "Eu nunca imaginei fazer uma continuação de uma novela", ela confessa. No ar, atualmente às 18h na TV Globo, Êta mundo melhor não é só a extensão de Êta mundo bom, exibida com sucesso em 2016, mas da luta de uma menina que, desde muito cedo, entendeu que o palco era estreito demais para contê-la.

"Êta mundo bom foi minha segunda novela, meu segundo projeto na casa depois de Malhação", relembra ao Correio a paulistana, que completa 32 anos nesta terça-feira (29/7). "Quando entraram em contato para saber se eu teria interesse em fazer a continuação, prontamente disse sim, porque foi uma novela que me marcou muito." O sim saiu fácil, mas a notícia do protagonismo viria depois — como quem recebe, junto do script, responsabilidade e reparação. "Eu almejo viver esse momento de protagonista há muito tempo. Comecei minha carreira com 5 anos de idade, sempre desejei estar nesse lugar. Demorou para cair a ficha", comemora.

Jennifer sorri enquanto fala da personagem que cresce junto dela — a Dita, empregada doméstica que chega do interior para cantar no rádio, mas que, na verdade, carrega a voz de tantas outras. Vozes que, no passado, foram caladas ou escondidas nos bastidores. "Fazer uma protagonista preta em uma novela de época é uma super reparação histórica", ela diz, firme, sem pressa. "A maioria das vezes que nós estávamos nessas histórias era para ilustrar o lugar de subserviência. E o povo preto tem muita influência na cultura e em muitas coisas que aconteceram no mundo. Só que houve um apagamento histórico", argumenta.

Representatividade

Por isso, Dita não é só mais uma personagem. É um totem de representatividade: "Quantas grandes cantoras não cantaram nos bastidores para outras pessoas dublarem? E a gente nem faz ideia". É também uma mensagem: nunca é tarde. "Acho muito linda a jornada da Dita. Coragem de seguir seus instintos, de se separar, mudar de cidade, buscar uma realidade melhor para ela e para o filho, sonhar alto e virar cantora de rádio. O lugar que você começa não determina o lugar onde você vai estar para sempre", defende a atriz e cantora.

A história de Dita poderia ser a biografia da própria Jeniffer, que começou cedo uma caminhada que ainda hoje exige dela mais do que talento — exige resistência, inteligência de quem cria oportunidades onde não existem. "Se não tinha uma oportunidade para mim, eu ia lá e criava", conta a leonina. Foram audições negadas, testes feitos mesmo sem perfil. Em Peter Pan, a menina que não poderia ser Wendy — queriam uma loira ou ruiva — virou Menino Perdido, e abriu uma fenda em uma porta trancada.

"Mamma mia! se passava na Grécia, disseram que eu não tinha perfil de grega. Três meses depois, precisaram de alguém que aprendesse o espetáculo inteiro em uma semana. Eu fui." A cada recusa, uma resposta. A cada espaço negado, uma fresta aberta na marra. "Sempre ouvi que precisava ser excepcional. Melhor três vezes mais. E eu sempre tive isso para mim: ser excepcional no meu trabalho", relata.

Se há quem chame de pressão ser uma das poucas atrizes negras em posição de destaque, Jeniffer prefere chamar de conquista coletiva. "Por muito tempo só tinha espaço para uma de nós. Agora tem para mais de uma. Eu sou uma pessoa que sempre tento olhar para o copo mais cheio. Celebro minhas vitórias, e também as das minhas amigas. Porque a gente precisa disso: se ver em lugares de poder", reflete.

Jennifer Nascimento, atriz e cantora
Jeniffer Nascimento, atriz e cantora (foto: Caio Oviedo)

Divisor de águas

Jeniffer Nascimento iniciou sua jornada no teatro, mergulhando em musicais, como Hairspray e Mamma mia!, onde sua voz ecoava entre coros e luzes. A busca por um lugar ao sol a levou ao Fábrica de estrelas, talent show do Multishow, onde, entre acordes de Beyoncé, Mariah Carey e Whitney Houston, moldou-se como uma das vozes do grupo Girls — uma espécie de releitura do extinto Rouge, que não vingou.

Em 2014, quando foi escolhida para viver Solange, a jovem suburbana de Malhação sonhos, Jeniffer carregava nas costas mais do que um personagem — trazia consigo a bagagem de quem havia atravessado os palcos musicais e as batalhas da indústria fonográfica. Com seu sonho de se tornar cantora, Sol era um espelho distorcido da própria Jeniffer, uma simbiose entre atriz e personagem que marcaria seu ingresso definitivo na televisão.

Quando venceu o reality show global Popstar, a atriz deixou claro que não existe caixinha onde se possa guardar a sua arte. Ali, apresentou não uma personagem, mas a mulher por trás delas: "Até então, as pessoas me conheciam como Sol, como Dita, como Tânia (de Pega pega)... mas não sabiam quem era a Jeniffer. O Popstar aproximou a Jeniffer do público."

E esse público nunca mais a largou — Jeniffer virou apresentadora de bastidores do The Voice Brasil, deu voz à própria voz. "Foi um divisor de águas na minha carreira", relembra ela, que, no início deste ano, retornou aos estúdios para atuar em outro talent show, o The masked singer Brasil — o qual terminou em terceiro lugar fantasiada de Sol, personagem de Sheron Menezzes em Vai na fé.

Na novela atual, Dita canta na rádio. Fora da tela, Jeniffer sonha erguer um palco para essas canções que atravessam o tempo. "Tenho planos de fazer um show com as músicas que eu canto das Saias da Rádio. Está sendo lindo ver novas gerações ouvindo esses clássicos. Recebo vídeos de crianças cantando Araci de Almeida... e gente mais velha, emocionada. Esse momento merece uma turnê", celebra.

Jeniffer não abre mão do teatro — o primeiro chão que lhe deu voz. "Sempre que posso, concilio televisão e teatro. É um lugar mágico, onde você vê na hora o que sua arte provoca." Hoje, no entanto, o foco é Dita — e tudo o que ela simboliza. "Eu almejo viver esse momento de protagonista há muito tempo. É uma vida de dedicação a essa profissão", avalia a mãe de Lara, de 1 ano e 8 meses.

Maternidade

Talvez a maternidade tenha ajudado a ampliar esse olhar para o todo. "Depois da maternidade, virei um ser humano melhor. Meu senso de empatia se potencializou. E isso me faz uma atriz melhor também", completa Jeniffer, que precisou abrir mão do papel de Nala no aclamado musical O Rei Leão, em 2023, ao descobrir a gravidez.

No meio disso tudo, há Whitney Houston, Beyoncé, Viola Davis — nomes que guiam a bússola de Jeniffer — são espelhos que a lembram de que é possível ser múltipla, de que é legítimo atuar, cantar, apresentar, criar, ser mãe, ser voz. Ser espada e fenda. E se ainda falta muito para que outras atrizes negras alcancem o protagonismo que agora, finalmente, chega para algumas, Jeniffer não hesita: vai seguir abrindo caminho. 

  • Jennifer Nascimento, atriz e cantora
    Jennifer Nascimento, atriz e cantora Foto: Caio Oviedo
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    Jennifer Nascimento, atriz e cantora Foto: Caio Oviedo
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    Jennifer Nascimento, atriz e cantora Foto: Caio Oviedo
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postado em 27/07/2025 08:00 / atualizado em 29/07/2025 20:32
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