
Aos 30 anos, a atriz cearense Larissa Góes comemora duas décadas de trajetória artística com uma agenda repleta de projetos. Atualmente no elenco da novela Guerreiros do Sol, disponível no Globoplay, ela vive Petúnia, uma jovem romântica que se envolve com o cangaço ao se apaixonar por Sabiá (Victor Sampaio). A produção, que tem sido elogiada pela crítica, marca mais um capítulo na carreira da atriz, que também grava a terceira temporada da série Os outros (Globoplay) e aguarda as estreias do filme de animação Glória e Liberdade (como a protagonista Azul) e da série Alucinação (Canal Brasil/Globoplay), na qual interpreta a cantora Téti Rogério.
Sobre sua personagem em Guerreiros do Sol, Larissa descreve o processo criativo como uma fusão entre invenção e verdade. "A Petúnia nasceu durante as gravações, com uma ingenuidade que lembra uma criança explorando o mundo. Ela me ensinou a resgatar a coragem de seguir em frente, mesmo sem saber o que vem pela frente", reflete. A atriz entrou no projeto após a saída da atriz original e precisou mergulhar no universo sertanejo em tempo real, um desafio que, segundo ela, reforçou sua capacidade de escuta e adaptação.
- "Fui agraciado e salvo pela arte", afirma Ítalo Martins, de "Guerreiros do Sol"
- Rafa Sieg volta às novelas, protagoniza filme e produz monólogo no teatro
Com passagens marcantes em Velho Chico (2016) e como protagonista da terceira temporada de Cine Holliúdy (2023), Larissa celebra a crescente visibilidade de histórias nordestinas no audiovisual. "É um reconhecimento tardio, mas necessário. O Brasil é plural, e reduzi-lo à perspectiva do Sudeste é injusto", afirma. Ela cita a série 'Alucinação', sobre Belchior, e seu papel como Téti Rogério — integrante do grupo Pessoal do Ceará — como homenagens à cultura cearense.
Filha de uma doméstica e de um segurança, Larissa relembra os percalços de sua jornada: "Já panfletei, fiz shows infantis em shoppings e aulas de teatro em Libras. Não foi sorte, mas trabalho duro". Sua estreia nacional em Velho Chico abriu portas, mas ela ressalta que artistas periféricos ainda precisam "sonhar contra a falta de recursos". Seus planos futuros incluem trabalhos internacionais e explorar novas culturas.
Entrevista | Larissa Góes
Como foi compor a tímida Petúnia, sua personagem, que entra pro cangaço em nome do amor? E a que você atribui essa grande repercussão dessa produção?
Para mim, o processo de composição de uma personagem se dá até o último momento em que filmo ou apresento, isso me permite continuar pulsando com o frescor das novas descobertas. Na vida, a gente ganha camadas de personalidade à medida que atravessamos as circunstâncias tanto materiais quanto subjetivas. Penso da mesma forma quando inicio uma pesquisa para uma nova personagem, lógico, em um recorte diferente e em menor proporção, mas com a entrega necessária para que a força da invenção se funda com a força da verdade. Com a Petúnia não foi diferente, tudo ali era verdade e presença que são frutos de boas parcerias de cena, uma equipe técnica de alta competência e uma dramaturgia arrebatadora. Sou muito grata por este encontro que não acontece em qualquer obra. Não à toa, tem alcançado excelente receptividade do público e da crítica.
O elenco teve uma imersão no sertão antes de começar a gravar a novela. O que aprendeu ali que foi fundamental para a Petúnia? E o que aprendeu para a vida?
Eu entrei no projeto depois de começarem as gravações. A minha personagem era assumida por outra atriz que precisou sair da obra já em andamento. Assim, de supetão, recebi uma ligação da produtora de elenco Márcia Andrade, que me convidou para integrar ao elenco com a personagem Petúnia. Então a minha imersão foi em tempo real, o que é desafiador, mas também reforçou minha atenção para abrir a escuta antes de pretender qualquer coisa. A Petúnia nasceu durante o processo de gravações e é curioso pensar isso e assistir hoje à novela, percebendo fortes traços de ingenuidade e de leveza que são característicos de uma criança que enxerga o mundo sem ainda ter explorado, com medo e com fascínio. Acredito que na vida muitos desprazeres podem me fazer querer anestesiar cada vez mais as emoções, por medo de ter que porventura elaborar novos lutos. É aí que a Petúnia me ensina a me desviar desta falsa segurança que recalca minha força vital e me volto para a necessidade de resgatar em mim a coragem de uma criança, que não sabe o que está por vir e ainda assim decide dar o próximo passo, encarando as novas descobertas.
Você já estrelou uma temporada de Cine Hollyúdi e participou de Velho Chico. Qual impacto você percebe na sua vida e arte e na de seus conterrâneos que estão cada vez mais vendo produções do audiovisual que retratam suas histórias?
É muito gratificante ver artistas nordestinos em lugar de honraria. Este é o reconhecimento que lhes cabe e que vem de maneira tardia. Mas ainda tem muito o que alcançar em proporção ao que a minha região oferece como um todo, e, especialmente, o meu estado, Ceará. Acredito que a descentralização é necessária não só para estimular a redistribuição de investimentos culturais, mas para a gente conhecer novos brasis que compõem este país continental tão rico de cultura e de gente que resumií-lo à perspectiva sudestina unicamente é no mínimo injusto. Olho para o meu estado e vejo grandes artistas da música, da encenação, do audiovisual, das artes plásticas e da poesia e vibro com suas conquistas porque reconheço muitos dos percalços que eles têm de enfrentar.
Você está aguardando a estreia da série Alucinação, no Canal Brasil e no Globoplay, em que interpreta Téti Rogério, cantora cearense que participou do grupo musical “Pessoal do Ceará”. Recentemente, deu vida a Dolores Duran no musical Território do amor, que esteve em cartaz no Rio e em SP. Como é poder interpretar personagens reais? Quais as dificuldades para se fazer projetos desse tipo?
Ambas as artistas brasileiras têm forte impacto no meu referencial artístico antes mesmo dos respectivos trabalhos nos quais as assumi em cena. A Dolores nos deixou ainda cedo, no final da década de 50, ainda aos 29 anos, mas deixou um legado com sua obra e suas histórias contadas até hoje por amigos e familiares. Foi a partir da minha pesquisa que descobri que pouco se tem dos seus registros de performances em vida. Encontrei uma rara aparição sua em um filme, onde contemplei sua performance, mas ainda não me era suficiente, já que as nuances, os detalhes mais minuciosos, eu só poderia captar com maior acervo audiovisual. Mas tive que fazer do limão uma limonada e pedi licença à Dolores para me ceder uma boa margem de imaginação que foi criada a partir dos seus escritos, da sua voz, registros fotográficos e de suas histórias. Descobri uma Dolores que é marcada pelo peso de sua história, mas que não perdeu seu bom humor, sua leveza e seu semblante solar. Já Téti Rogério é uma artista viva, que nos presenteia ainda hoje com suas performances em apresentações. Tive um imenso prazer em homenageá-la mesmo de maneira simplória diante do que ela representa pra mim e para o meu estado, Ceará. O grupo “Pessoal do Ceará”, do qual ela fez parte, é um grande símbolo artístico cearense que perpassa não só a música e a poesia, mas também a história e a política. Fico muito contente de representar este movimento que reverbera até hoje na formação de pensamento dos artistas contemporâneos.
Você é uma artista negra, nordestina, filha de uma doméstica e de um segurança, que está comemorando 20 anos de carreira. Como foi sua caminhada até aqui? E o que sonha para os próximos anos?
A trajetória de um artista brasileiro, especialmente nordestino e vindo da classe C, é recheada de percalços, de desafios que vão para além dos que atravessam o ofício em si. A dificuldade financeira nos toma inclusive a oportunidade de sonhar, de vislumbrar futuros honrosos e possíveis. Para mim, encontrar novos espaços de conquista, falar de trabalhos dos quais tenho tanto orgulho de ter participado é uma resposta aos momentos em que chorei desacreditada por não conseguir pagar minhas contas mesmo estando exausta de tanto trabalhar, mas que ainda assim escolhi continuar. Fiz apresentações em teatro, em escolas, em ruas e praças, fiz shows infantis em shoppings e animações em festas de aniversários, panfletei, dei aulas de teatro em LIBRAS, de dança, já trabalhei como recepcionista de eventos… são tantas experiências que se somam na minha trajetória que eu mesma não me recordo de tudo assim facilmente. Então para quem está me conhecendo agora e me vendo em trabalhos de grande repercussão, pode até parecer que tive muita sorte, quando na verdade trabalhei e estudei intensamente. Percorrendo os altos e baixos que minha profissão me apresenta, eu me encorajo cada vez mais a seguir acreditando e alimentando minha esperança de que há um caminho bonito para mim. A partir deste ato de coragem que se revela para mim mesma, o caminho de fato se faz e tudo se retroalimenta. Sonho em trabalhar fora do país, conhecer culturas cada vez mais diferentes, aprender novos idiomas, contar novas histórias.
Diversão e Arte
Diversão e Arte
Diversão e Arte
Diversão e Arte