CINEMA

 Documentário de Sandra Kogut retrata tensão nas eleições de 2022

A diretora Sandra Kogut lança o documentário No céu da Pátria Neste Instante, que retrata o período eleitoral de 2022

Com as eleições para a presidência da República, de 2022, a diretora Sandra Kogut decidiu passar por esse período trabalhando. Iniciou as produções de um documentário que buscava retratar a corrida eleitoral entre Jair Messias Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva. Reuniu depoimentos, imagens históricas e flagrantes documentais, inclusive do fatídico 8 de janeiro de 2024. Ela tentou ouvir os dois lados da disputa eleitoral. Essa jornada documental está registrada no filme No Céu da Pátria Neste Instante, que chega aos cinemas no momento em que o país vive as tensões provocadas pela tentativa de golpe de Estado, em julgamento no STF, sob a pressão do governo Trump.

Ao Correio, Sandra Kogut fala sobre a motivação para fazer  o filme, as dificuldades enfrentadas e a primeira exibição do filme no Festival de Brasília.

Entrevista 
Sandra Kogut, diretora


Como surgiu a ideia do documentário? Quando começou seu desejo de fazer esse filme?

Em 2021, eu já queria fazer esse filme. Comecei a conversar com alguns possíveis personagens, porque eu pensava que, aconteça o que acontecer, essas eleições serão muito importantes e isso merece um filme. Deu-me  muita vontade de atravessar esse momento fazendo um filme. E eu também tinha uma sensação de que as notícias eram tão chocantes e tudo era tão avassalador que a gente estava zonzo. Parecia que a gente estava preso num eterno presente. Era muito difícil imaginar o que vinha pela frente e, ao mesmo tempo, as notícias eram tão absurdas que a novidade de hoje fazia você esquecer a da semana passada e assim por diante. Então, também tinha vontade de tentar criar um fio, de ir colocando esses instantes-chave lado a lado para tentar olhar para isso e ver qual seria o fio.

Filmes sobre a época do governo Bolsonaro irão aparecer cada vez mais no cinema nacional, assim como filmes sobre a ditadura. Como você percebe esse movimento do cinema brasileiro? Qual a importância de criar uma memória audiovisual desse período?

Eu me senti muito levada a tentar olhar para esse momento fazendo um filme. Porque o cinema não é só um trabalho. Ele é um jeito de estar no mundo, é existencial. É de onde eu olho, é como eu olho. Então, naturalmente, eu pensei que precisava fazer um filme. E  tenho certeza que não sou só eu  que penso assim, que senti isso. Então, eu imagino que ainda vão vir muitos filmes. Agora, eu também pensava,  até um dia falei brincando assim: "Nossa, coitados dos professores de história do futuro que vão ter que explicar isso". Eu pensava que, de uma certa maneira, a gente estava fazendo ali uma espécie de arquivo do presente. Quando a gente usa a palavra arquivo, sempre parece que a gente está falando de uma coisa que ficou para trás, mas nesse caso, acho que em parte pelo tipo de situação, a gente ainda vive. Eu pensava também nisso, assim, criar um um grande arquivo desse momento para tentar navegar por ele.

Como foi pra você retratar o 8 de janeiro?

O 8 de janeiro materializou tudo que a gente temia ao longo de todo aquele ano de 2022 e até antes. De repente, deu imagem e som aos piores pesadelos, porque ao longo de todo aquele ano, eu me perguntava: "Será que vai ter golpe? Será que vai ter mesmo a eleição?" E, curiosamente, é quase uma piada, mas o 8 de janeiro foi o primeiro dia que eu estava em casa, depois de muito tempo, tranquila. Ainda falei assim: "Nossa, até que enfim um domingo calmo". Porque ao longo daquele ano todo, eu nunca parava. Os acontecimentos sempre vinham a atropelar. O filme estava sempre urgente. Acabou-se um turno, dois dias depois a gente já estava filmando na porta do quartel. Eu tinha pensado em filmar até a posse. E o próprio período da posse foi um período de muita tensão. Pela primeira vez, depois da posse, pareceu que a gente ia seguir em frente e veio o 8 de Janeiro. Aquelas imagens que aparecem no filme, eu tenho a impressão que somos os únicos a ter imagens de cinema daquele momento, porque a imprensa não conseguia entrar.  Esse filme foi feito de um jeito tão diferente, em cada lugar onde a gente tinha personagens, a gente formou equipes de pessoas que eram dali. E a gente tinha um parceiro em Brasília. E, nesse dia, ele se vestiu de verde e amarelo e foi lá. E ele já era do filme, já sabia toda a linguagem do filme. Depois que teve o 8 de janeiro, me fez reformular toda a estrutura do filme porque a pergunta passou a ser: Como é que a gente chegou aqui?

 Como foi a primeira exibição do filme no Festival de Brasília?

A sessão do Festival de Brasília foi a primeira vez que a gente mostrou o filme para uma plateia. E foi inesquecível. O filme ainda estava ficando pronto, não estava nem completamente mixado. Era em dezembro de 2023, então tudo muito ainda bem recent,e e aquela sala linda do Cine Brasília. Eu vivi ali, nós vivemos ali, um tipo de sessão de cinema tão catártico que  nunca tinha vivido e nem sei se um dia  vou viver. A sala estava lotada, tinha gente no chão e as pessoas gritavam, choravam, aplaudiam, brigavam, teve discussões durante o filme. Teve uma hora que eu pensei: "Nossa, parece que a gente está nos anos 1970, devia ser assim, parece que o cinema é o centro do mundo". A passagem do filme por Brasília foi maravilhosa, ganhou prêmios e teve um nível de comunicação com a plateia que eu nunca vou esquecer. E tem uma coisa curiosa que é agora. Mais de um ano e meio depois, a gente está de novo com esse assunto tão vivo, tão presente, que as sessões têm sido muito quentes. E, depois, os debates são interessantíssimos, as pessoas falam muito e você vê que estão muito mobilizados. O filme está dialogando muito com esse momento. Eu acho que cada um quando vê o filme, revê o seu próprio filme, fica pensando onde estava naquele dia, o que sentiu, fica relembrando.

Como você definiu o nome No céu da pátria nesse instante?

Eu demorei a achar esse título, na verdade, eu fiquei pensando em várias coisas. Primeiro, é como se a gente tivesse preso sempre no presente. A gente vivia uma sequência de instantes sem conseguir muito bem articular isso numa linha do tempo. Depois, o negócio de ser uma frase tirada do hino nacional e a extrema direita se apropriou completamente de qualquer símbolo nacional. E me deu muita vontade de usar um desses símbolos. E a terceira coisa, é que uma coisa que eu acho que estava muito ameaçada e, praticamente, desapareceu nesse período, foi o terreno comum. Quando uma pessoa estava do outro lado, não existia diálogo, não existia comunicação possível, o bem comum estava completamente esmagado. Se tem uma coisa que é comum a todos nós é estar sobre esse mesmo céu. E eu pensava muito nisso, o que faz da gente um país? Porque senão parece que somos apenas um monte de gente que por acaso nasceu nesse mesmo lugar, nessa mesma geografia. Mas o que faz da gente um país não é isso. É justamente esse terreno comum, é a preocupação e o trabalho para o bem comum. Então, tudo isso tava na minha cabeça quando eu escolhi esse título.

Você está fazendo um registro histórico, mas também uma reflexão do Brasil atual. O que mais te impressionou durante esse período de gravação e pesquisa?

O que mais me impressionou foi a dificuldade em ter diálogo com quem estava do outro lado e como essa máquina de desinformação e de ódio era eficiente. Se você pensar, esse era um filme impossível de ser feito. Como que você vai fazer um filme que depende de construir uma relação de confiança, com pessoas com quem você não consegue ter um mínimo de terreno comum? Eu também nunca tinha vivido uma situação como essa que foi a de fazer um filme onde todo mundo que estava implicado no filme, estava também vivendo a experiência do filme, o assunto. Todos eram eleitores, todos nós tínhamos lado. Foi uma experiência muito curiosa de fazer um filme tentando olhar para o outro lado, que você não consegue entender. Acho que só foi possível porque foi preciso, constantemente, reinventar o jeito de fazer esse filme. A gente filmou durante tanto tempo, muitos meses, isso ajudou muito a criar essa relação de confiança. Eu também sempre fui muito transparente, nunca escondi o que eu pensava e, ao mesmo tempo, sempre disse para os personagens bolsonaristas que não estava tentando convencê-los de nada, que era uma sincera curiosidade de tentar entender como eles enxergavam. Era sempre muito impressionante ver como eles estavam capturados por essa máquina de desinformação. Eu pedia para eles me mandarem os vídeos que estavam recebendo, que estavam compartilhando e era uma máquina muito bem construída. Isso achei bastante impressionante.

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Fotos: Stills/Divulgação - Documentário No céu da pátria nesse instante
Divulgação - Diretora Sandra Kogut