
Neste sábado, a capital recebe o festival Câmbio Negro para comemorar os 35 anos do grupo de hip-hop de Ceilândia. Idealizado pelo vocalista X, o evento será gratuito na Esplanada dos Ministérios, a partir das 17h. Para compor a noite, Bella Donna, Xande do grupo Mente Consciente, Duckjay da Tribo da Periferia, Japão do Viela 17, Magu do Diga How, US Blacks estarão presentes. Criado em Ceilândia em 1990, Câmbio Negro é um marco no hip-hop do Distrito Federal e do Brasil. Ao Correio, X fala sobre a idealização do projeto, o momento do grupo, a escolha das participações especiais e o hip- hop nacional.
Entrevista com X, vocalista da Câmbio Negro
De onde surgiu a ideia de realizar o Festival Câmbio Negro?
A ideia de realizar o Festival Câmbio Negro no começo era um sonho, depois se tornou uma meta, mas era uma meta de sete anos. Em 2018, eu comecei a correr atrás de procurar pessoas, apoio, investimento, patrocínio para poder realizar a celebração dos 30 anos, que seria em 2020. Infelizmente, aconteceu a tragédia mundial da covid em 2019 e não foi possível realizar os 30 anos do grupo. Mas a ideia continuava, persistia, com a meta e o foco também. Então, quando chegamos em 2023, eu falei: "Bom, faltam dois anos para 35 anos, vou começar a correr atrás novamente para realizar". Nesses anos todos, eu fui fazendo algumas modificações até chegar ao formato que será o festival agora. Outro ponto do projeto é porque a gente não é chamado para os festivais. Nós não temos milhões de seguidores, nem grandes empresários nos apoiando, nós não temos grana, somos uma banda underground. Então, não se consegue apoio financeiro para realizar. Como a gente não é chamado, a gente resolveu fazer o nosso.
Qual a sensação de comemorar os 35 anos do grupo?
É uma sensação muito boa, de prazer, alegria, muita superação, foram muitas portas fechadas, muitos momentos difíceis que passamos e que eu passei. Nós passamos por várias formações, eu sou o único da primeira formação, depois de lá tivemos outros DJs, outros baixistas, guitarristas, bateristas e eu persisto até hoje. Enquanto eu tiver saúde física e mental, eu vou continuar. Enquanto eu tiver condições de entregar tudo, eu continuarei. Quando eu não tiver mais condições, quando tiver, fazendo só para ganhar dinheiro, para aparecer na mídia, eu paro, não é comigo. É uma satisfação muito grande. Não está sendo fácil, está sendo muito difícil realizar, mas também tem muita gente torcendo, ajudando. Então, se colocar na balança, a parte negativa não chega a 10% da parte positiva e é isso que está nos movendo.
O que você pensou em relação a escolha dos artistas que participarão do lineup?
A escolha dos artistas é algo pessoal, tanto das atrações, quanto do DJ que vai abrir a festa e vai discotecar nos intervalos, quanto das participações especiais, dos rappers, da capoeira, do break, dos grafiteiros, da Feira de Economia Criativa. Todas as pessoas são pessoas que têm ligações com o Câmbio Negro, que têm ligações comigo. Algumas de 10, 15, 20, 30 e outras até mais anos. Eu quero do meu lado os meus na hora de nós comemorarmos um momento desse. A escolha foi seguindo esses critérios de parceria, amizade, companheirismo, respeito, mesmo pessoas que a gente não trabalhou junto antes. Até a equipe também que trabalha conosco, técnicos,equipe de som, iluminação, todo mundo foi escolhido assim.
Como você percebe a cena do hip-hop no Brasil atualmente? Qual o diferencial da música da capital?
Eu vejo a cena hip-hop no Brasil atualmente numa crescente. Ele vem crescendo, desde o final dos 1980, começo dos 1990 e de uns tempos para cá, tem crescido mais rapidamente. Muitos grupos de rap, muitos artistas solos, masculinos, femininos, indígenas, trans, afro-asiáticos e isso é muito bom. Várias crews de break dancing, grafiteiros aí despontando para o mundo todo, DJs ganhando campeonatos nacionais, regionais, mundiais. Eu acho muito importante e vejo essa cena crescendo, porém, nem todo mundo que está no meio do hip-hop, tem comprometimento e encara isso como um trabalho, um emprego, uma profissão. Então, a gente não pode misturar, mas está crescendo muito.
O diferencial da música rap da capital sempre foi o peso tanto nas bases instrumentais quanto nas letras. Isso eu vejo que se perdeu um pouco nessa nova geração. Antes ouvia-se um rap nacional e já falava: "Isso aqui é Brasília". Hoje, muita coisa que você ouve, você não identifica se é Brasília, se é São Paulo, se é Rio. Há uma padronização, mas ainda continua tendo o diferencial, ainda tem aqueles artistas que seguem aquela linha de conscientização, politização, de bases pesadas, da pancada mesmo.
Qual a sensação de tocar para o público da capital que é a cidade natal do grupo?
A sensação de tocar em Brasília é sempre diferenciada, é tocar em casa, para o nosso público. Ele tem o diferencial de ser bem crítico, de analisar bastante o show, a parte de cenografia e nós vamos entregar uma cenografia diferenciada. Tocar em Brasília para nós é sempre um privilégio. Mesmo que haja a possibilidade de viajarmos com esse show de 35 anos, a comemoração tinha que ser aqui no DF.
Qual a importância de trazer um festival acessível para a cultura da cidade?
Para nós, é extremamente importante trazer um festival acessível para cultura hip-hop. Hoje, a gente vê o rap aí em todos os meios, em grandes festivais, em comerciais, em propagandas. Isso é muito bom, é válido, mas eu vejo muitos festivais de rap. Eu não vejo tantos festivais voltados para o hip-hop e o nosso é um festival de hip-hop, trazendo atrações que são excelentes, porém pouco valorizadas, meio que invisibilizadas e não tem um espaço devido. Como nós também não temos, resolvemos fazer aquilo que a gente gostaria que fizessem conosco. Democratizar mesmo, trazer empreendedores locais, artistas locais, técnicos locais para poder fazer esse festival.
Como você percebe o momento atual e o futuro do Câmbio Negro?
O momento atual é um bom momento, a gente continua caminhando dentro das nossas possibilidades e limitações, somos nós por nós, mas temos sempre o apoio da base. Nós somos do underground e o underground sempre nos apoiou, nunca nos virou as costas. A gente segue tocando, compondo, fazendo os nossos trabalhos e o futuro a gente espera que seja promissor com novos trabalhos, festivais, parcerias e vamos seguir fazendo da melhor maneira que pudermos e conseguirmos, sempre que pudermos oferecer o nosso melhor. Somos Câmbio Negro.
Festival Câmbio Negro
Amanhã, a partir das 17h, na Esplanada dos Ministérios (em frente à rodoviária do Plano Piloto). Entrada franca. Classificação indicativa: 18 anos.
Diversão e Arte
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