
Xande de Pilares vive um momento especial na carreira. Depois de lançar, na última semana, o audiovisual Nos braços do povo: Volume I, gravado no Bar do Zeca Pagodinho, na Barra da Tijuca, o sambista se prepara para entregar a segunda parte do projeto. O trabalho é um mergulho afetivo nas memórias musicais que formaram o artista, e traz regravações de clássicos que atravessaram sua infância e juventude.
Mais que um disco de sucessos revisitados, Nos braços do povo é, para Xande, uma forma de reafirmar sua relação com a música: algo que vai além de fama ou retorno financeiro. Para ele, cantar é sobre sentimento, respeito à obra e à história de quem veio antes. Ao Correio, o sambista fala sobre o conceito do projeto, as participações especiais, e a importância das rodas de samba.
Entrevista
Xande de Pilares
O que é o projeto Nos Braços do Povo e o que você quis mostrar com ele?
Esse projeto faz parte da minha trajetória de vida. Minha vida inteira foi movida pela música, mas nunca enxerguei isso como uma questão de dinheiro ou de status. Minha relação com a música é sobre sentimento, é sobre viver o que ela desperta em mim e em quem está ouvindo. Eu venho de um tempo em que se lançava um LP, um CD, e as pessoas ouviam o disco inteiro. Você trabalhava uma música por seis meses, mas, no fundo, era o álbum inteiro que ganhava vida. Hoje o consumo é diferente: é o single, é a playlist, é a música que está em alta. Não é que eu seja conservador, mas sinto que é meu papel mostrar aos mais jovens que a música vai muito além do hit do momento. Por isso, Nos braços do povo é também uma forma de preservar a memória: dizer quem compôs, quem gravou primeiro, valorizar as raízes. É tratar a música com respeito, como ela merece, e lembrar sempre que, quando estamos ao lado do povo, estamos no lugar certo.
Como foi contar com a participação de Netinho de Paula e Carica nesse projeto?
Foi emocionante, porque eles são ídolos para mim. Quando eles cantavam, eu ainda tocava em botecos. Muitas vezes saí do Rio só para ir a São Paulo comprar discos e encontrar novidades que pudesse levar para o meu repertório, porque eu precisava sustentar um show de quatro, cinco horas seguidas. Nessa época, Netinho de Paula e Carica já eram referências. Eu ouvia e aprendia muito. Então, quando chegou o momento de registrar esse trabalho, achei justo trazê-los, porque contar uma história sem citar quem fez parte dela não faz sentido. Tê-los comigo foi como fechar um ciclo: de fã que aprendia ouvindo, me tornei parceiro que hoje canta ao lado deles.
Você já fez o projeto Xande Canta Caetano e agora, com Nos braços do povo, você traz um mergulho no repertório de gerações passadas. Qual a importância de apresentar as músicas das gerações antigas para as gerações atuais?
Eu estou apenas reproduzindo o que vivi. Desde pequeno, em casa, eu ouvia discos de Agnaldo Timóteo, Clara Nunes, Gonzaguinha, Emílio Santiago. Isso formou meu ouvido, meu coração musical. Quando regravei músicas antigas com o Revelação, percebi que muita gente achava que eram novidades, quando na verdade eram clássicos revisitados. Hoje, o mercado parece mais interessado no que vai estourar do que naquilo que vai permanecer. Mas eu não consigo pensar música assim. Para mim, é preciso gravar o que emociona, o que traz lembrança de infância, o que mexe com a alma. Foi com esse espírito que tive coragem de gravar até canções do Emílio Santiago, que sempre vi como um dos maiores intérpretes do Brasil. Quero mostrar para o público jovem que não se trata apenas de "fazer sucesso", mas de respeitar a música e o carinho que ela nos dá. Acredito que assim posso contribuir com o presente sem abrir mão da essência.
Você gravou o Volume I no Bar do Zeca Pagodinho. Como foi essa experiência em um espaço tão simbólico?
O Bar do Zeca tem uma energia única. Eu já tinha tocado em lugares menores, como o palco Guarda da Jeca, e em casas maiores, quando estava no Revelação. Mas sempre senti falta de um espaço onde pudesse me encontrar com o público de forma mais íntima, sem a correria da estrada. Quando, no fim da pandemia, comecei a frequentar o bar, percebi que ele já oferecia isso: um ambiente acolhedor, sem glamour, onde a música é o centro. Lá eu posso cantar o que quiser, de Alcione a Gonzaguinha, de um clássico de samba a uma canção popular. E ainda tem o privilégio de, vez ou outra, o próprio Zeca subir no palco para dividir o microfone. Gravar ali foi natural, porque já havia uma roda acontecendo. É o espírito de quinta-feira no Bar do Zeca levado para o registro: verdade, espontaneidade e a cara do povo.
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Você costuma dizer que "tudo que vem do povo é verdadeiro". Qual a importância das rodas de samba nesse sentido?
A roda de samba é a essência disso. O exemplo do Cacique de Ramos mostra bem: começou com amigos se reunindo para jogar bola, fazer comida, e cada um levava um instrumento. Aos poucos, aquilo cresceu, virou história, até que Beth Carvalho levou para o disco. E dali nasceu o Fundo de Quintal, que mudou o samba para sempre. Não adianta querer criar uma roda sem o povo. O público é quem legitima, quem dá o abraço verdadeiro. Foi daí que nasceu até a ideia do nome do projeto: "Não existe melhor lugar do que nos braços do povo". Esse é o lugar de onde tudo surge, e a música é a forma de devolver esse carinho. Eu devo muito ao samba, respeito e carinho. O samba é minha vida. E com esse projeto eu não quero clique, like ou vizualização. Eu quero contribuir para um momento em família por exemplo, sinto que esse é o propósito do disco.
*Estagiário sob a supervisão de
José Carlos Vieira

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