
Os bancos em formatos de animais produzidos por quase todas as etnias indígenas brasileiras ganharam um valor escultórico nas últimas décadas, mas esses objetos são muito mais que belas peças quando se trata de funcionalidade dentro das culturas ancestrais. É um pouco esse viés que a exposição Bancos Indígenas do Brasil - Rituais, em cartaz simultâneamente no Memorial dos Povos Indígenas, o Palácio do Itamaraty e o Museu Nacional da República, traz para Brasília.
As exposições reúnem bancos colecionados por Tomás Alvim e Marisa Moreira Salles durante 25 anos. No total, o acervo conta com 1.300 peças e ganhou o nome de Coleção BEI, em referência à editora criada pela dupla. Eles começaram a comprar os bancos após o que Alvim chama de "epifania estética" durante a edição de um livro sobre objetos colecionados por pesquisadores de campo em terras indígenas. "A gente começou a comprar os bancos indígenas de lojas em São Paulo, no Rio, em Brasília, mas sem uma relação direta com os artistas, a cultura e os povos indígenas. Apenas por apreciação estética do objeto escultórico", conta Alvim.
No início do século 21, a Editora BEI lançou um livro com peças do acervo. Na época, havia cerca de 450 bancos e, durante a edição do material, Alvim percebeu que era preciso mergulhar na questão autoral. "Mesmo tendo um recorte etnográfico, cada artista faz o banco de um jeito, com a sua assinatura, preservando toda essa carga simbólica. A gente resolveu colocar os nomes dos artistas e começou a se relacionar com eles e os povos, foi uma imersão na cultura, uma viagem partindo da estética para entender a complexidade e a sofisticação da cultura ancestral do país", conta.
Alvim conta que, ao estudar os grafismos e formatos dos bancos, percebeu que cada grupo étnico brasileiro guardava um padrão de representação. "O grafismo, inicialmente, era um elemento corporal, um RG desses povos, usado em diversos contextos e rituais. E esses grafismos passaram para os objetos. Os bancos, hoje, são carregadores da memória, de registros que são centrais nos elementos simbólicos dessas culturas", diz o colecionador. Por isso as exposições em Brasília também contaram com a curadoria dos artistas indígenas.
Akauã Kamayurá, Yawapi Kamayurá, Tawai Yudjá, Antônio Bane Huni Ku, Thiago Henrique Djekupe, Mayawari Mehinaku, Rael Tapirapé, Wareaiup Kaiabi, Milton Galibi Nunes, Salomão Tikuna, Krumaré Karajá e Sokrowe Karajá participaram das montagens e escolhas das peças em parceria com Marisa Moreira Salles, Tomás Alvim e o curador Danilo Garcia. Os bancos são utilizados nos mais diversos rituais indígenas e cada um tem uma função, uma simbologia e uma destinação diferente. "A exposição é pra gente fazer a consagração e dar o conhecimento da nossa sabedoria", explica Antônio Bane Huni Ku, cuja etnia utiliza os bancos em rituais especialmente destinados às crianças, adolescentes e jovens. "A gente faz para eles aprenderem a cantar, a conhecer as medicinas, aprender a ser uma liderança na comunidade e fora da aldeia. Para aprender a pintar, a fazer as danças culturais. E para proteção", ensina.
Antonio de Carvalho Kaxinawá, artista da etnia huni kui, explica que os bancos são utilizados durante a cerimônia do Nixi Pae, um ritual de cura e celebração da floresta. Os pajés e aqueles que conduzem a cerimônia utilizam os bancos para sentar enquanto conversam com os espíritos da floresta que ajudam na cura. "São muito importantes para nós porque a gente transforma ele em mito para as histórias, a língua e a pintura", conta.
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Galibi Marworno, professor e artista da Aldeia Kumarumã, no município do Oiapoque (AP), conta que o Turé é um ritual em homenagem aos seres sobrenaturais chamados de Caruano. O ritual tem duas partes: a dança e a cura. O banco do pajé é utilizado durante a cura e os outros, durante as danças, pelos dançarinos. "Os bancos têm formato de animais. Cada animal, no mundo espiritual, ou nos três mundos que nós temos, o mundo das águas, o mundo das matas e o mundo das estrelas, eles são pessoas, são seres como a gente, com formato de pessoas. E nesse mundo físico aqui, eles têm formato de animais. Então, por isso, eles são representados dentro da dança do Turé em formato de animais", explica o artista.
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Os bancos são objetos elementares e de uso cotidiano. Carregam uma estética ligada à vida mística e espiritual própria e profunda das etnias indígenas. São peças muito sofisticadas, esculpidas em madeira, com desenhos que evocam as cosmologias de cada povo e frequentemente isomórficas, com variações em relação aos bichos representados e seus significados, de acordo com a origem da cada povo. São centrais na organização de alguns rituais, sendo que nove deles estão representados nas mostras.
Há, por exemplo, os bancos utilizados no Turé, realizado pelos povos Galibi-Marworno, Karipuna, Galibi-Kali'na e Palikur-Arukwayene durante o mês de outubro para agradecer às entidades que ajudam os pajés nos processos de cura de doenças. Nessa dinâmica, há bancos específicos para as figuras proeminentes da aldeia, como o pajé, a mulher do pajé e o condutor do ritual. Um banco coletivo recebe os que vão tomar o caxixi para iniciar o diálogo com os espíritos.
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O Kuarup, cerimônia fúnebre realizada ao fim de um ano de luto pelos povos do Alto Xingu, é outro ritual representado na exposição. Um tronco que representa a despedida do morto faz parte da exposição e foi transportado com a autorização de lideranças indígenas da região, junto com os bancos destinados ao cacique, ao pajé e à família em luto. As peças foram dispostas em círculo para que os visitantes possam circular e os curadores foram ativos na montagem para que a disposição das peças carregasse o sentido original do uso dos bancos.
Serviço
Bancos indígenas do Brasil — Rituais
No Memorial dos Povos Indígenas, Museu Nacional da República e Palácio do Itamaraty, até 22 de fevereiro de 2026

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