personalidade

"Me interesso por mulheres que tiveram histórias encobertas", diz Aline Deluna

Psicanalista de formação, Aline Deluna leva sua experiência acadêmica para os palcos, onde encarna de Josephine Baker a Maria Bethânia, passando por Virginia Bicudo. Atriz também está no ar na quarta temporada de "Arcanjo renegado", no Globoplay

Aline Deluna é atriz e psicanalista -  (crédito: Ariel Santos)
Aline Deluna é atriz e psicanalista - (crédito: Ariel Santos)

Aline Deluna é a síntese da artista múltipla e da profissional introspectiva. Enquanto brilha nos palcos dando vida a ícones como Josephine Baker e, atualmente, Maria Bethânia no musical Djavan, Vidas para contar, ela também mantém um consultório de psicanálise, ofício que exerce há uma década, com passagem inclusive pelo SUS. Para ela, as duas esferas são faces de uma mesma moeda: a investigação da subjetividade humana.

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"A arte e a psicanálise caminham de mãos dadas, permitindo ao sujeito um olhar subjetivo e servindo como forma de transmissão, sublimação, e expressão de conteúdos inconscientes", explica. "Poder habitar esses dois lugares como ofício diário é algo que enriquece profundamente minha atuação em ambos setores."

Monumentos nacionais

No teatro, seu currículo é marcado por indicações a prêmios importantes (Shell, APTR, APCA) pelo aclamado musical Josephine Baker a Vênus Negra (2017-2024), que a levou a se apresentar em várias capitais brasileiras e, em 2021, a Paris, justamente no ano em que a artista foi imortalizada no Panteão Francês. "E nós estávamos lá, assistindo a cerimônia, e apresentando e contando sua história, na sua cidade do coração e na sua língua", relembra, sobre o que classifica como um desafio recompensador.

A conexão com Baker foi imediata. "Havia algo de humor, de deboche, mas acima de tudo uma alegria esfuziante de estar em cena", descreve. Ao conhecer a história de superação da artista, de menina negra e pobre no sul dos EUA segregado a estrela mundial, viu um paralelo com sua própria trajetória. "Na minha infância, no subúrbio do Rio de janeiro, a atuação em si era algo muito distante da minha realidade. Mas esse é o poder que arte tem, se você confia e se entrega a ela, ela te recompensa."

Atualmente, no teatro, seu foco é outro monumento da cultura nacional: Maria Bethânia, no musical sobre Djavan. "É uma honra e um privilégio estar nesse musical", afirma. Sobre a homenageada, é categórica: "Ela representa força, representa terra, representa vento, representa a força da palavra, da dramaticidade, e é isso que me orienta." Aline busca a essência, não a imitação, e encontra na própria herança familiar uma ponte física. "Embora eu seja uma mulher parda, uma mulher negra de pele clara, eu tenho esse nariz expressivo, essa testa proeminente, essa estrutura de rosto que curiosamente é herdada do meu pai que é um homem negro retinto."

Força feminina silenciosa 

Na televisão, integra o elenco da quarta temporada da série Arcanjo Renegado, onde vive Cristiane, a ex-mulher de um policial, vivido por Renan Monteiro. "Dar vida a Cristiane é uma oportunidade maravilhosa de representar essas mulheres de oficiais, policiais que convivem direta e indiretamente com essa tensão", reflete. Para ela, que também aparece na série Reencarne, a personagem simboliza a força silenciosa das mulheres que sustentam a família. "Ela vive indiretamente a tensão decorrente da profissão do ex, sabendo do risco de vida ao que ele se expõe constantemente."

Sobre os recentes e trágicos confrontos policiais no Rio, a atriz e psicanalista vê na arte um instrumento de reflexão. "Fica escancarada a fragilidade da população em meio a essa guerra de gigantes", analisa. "Todas essas mortes deixaram para trás mães e esposas, na maioria das vezes responsáveis pelo cuidado da família, que mal têm tempo de chorar seu luto porque precisam cuidar de outras pessoas."

Versatilidade e dom inato

A artista multitalentosa atribui sua versatilidade mais à dedicação do que a um dom inato. "Artista que não estuda vai sempre ocupar uma posição superficial", opina. "No meu caso, eu tive oportunidade desde muito cedo. Me considero uma artista multitalentosa, não por ter mais aptidão, mas simplesmente por ter me dedicado a desenvolver essas habilidades."

Além de Baker e Bethânia, seu interesse segue a linha de mulheres de força e histórias por vezes soterradas. Já interpretou Virgínia Bicudo, pioneira negra da psicanálise, no especial Falas negras. "Tenho um interesse especial por mulheres que tiveram suas histórias encobertas de alguma forma", diz, citando Angela Davis e Nísia Floresta como desejos futuros.

Para Aline, a psicanálise contribui imensamente com a atuação, "trazendo esse olhar amplificado, de que uma coisa pode ser tantas outras e de que um sentimento pode estar atravessado de tantos outros ao mesmo tempo. Essa é a beleza do ser humano, sua complexidade, sua inconstância".

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postado em 01/12/2025 19:30
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