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No ar em "Três Graças", Adriano Toloza volta para casa com o mundo no bolso

Após percorrer uma viagem pessoal e profissional de quase uma década por Portugal e Irã, Adriano Toloza retorna ao país onde tudo começou, com personagem misterioso que embarca para causar turbulência no voo de Três Graças

Adriano Toloza, ator -  (crédito:  Joyce Braga)
Adriano Toloza, ator - (crédito: Joyce Braga)

O voo de Adriano Toloza nunca foi em linha reta. Ele começou subindo devagar, rompendo nuvens brasileiras, atravessou fronteiras, cruzou mares e desertos, pousou em latitudes inimagináveis para um ator que, lá atrás, no início, apenas sonhava em contar histórias. Hoje, depois de sete anos morando em Portugal, de se tornar rosto conhecido no Irã, de ouvir aplausos em línguas que precisou reaprender para entender, ele volta para o lugar onde deu seus primeiros passos diante das câmeras. E volta pela porta principal: o horário nobre da TV Globo, no mistério de um personagem chamado Angélico, que chega para causar turbulência na viagem em curso de Três Graças, novela de Aguinaldo Silva, Virgilio Silva e Zé Dassilva.

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Há um brilho contido quando o paulistano de 42 anos fala desse retorno. "Foi lá que comecei minha carreira no audiovisual", diz, como quem reencontra uma antiga casa. Ele se sente reconhecido em muitos lugares do mundo, mas quase desconhecido para parte do público brasileiro que o viu nascer como ator. "Sinto que grande parte das pessoas que acompanharam meu início não assistiram aos trabalhos que fiz depois. Sou mais reconhecido em Portugal e no Irã do que no meu próprio país", observa. "Voltar depois de tudo o que aprendi, com uma história tão especial, é muito simbólico", comemora.

 Adriano Toloza como Angélico, em cena de Três Graças
Angélico é o novo e misterioso personagem que desembarca na novela Três Graças (foto: Globo/ Estevam Avellar)

O público conhecerá Angélico aos poucos, justamente como o ator tem sido convidado a conhecê-lo. É mais uma dessas figuras que caminham na sombra, um lobo vestido de gentileza, atravessando a comunidade da Chacrinha com sorriso cordial e olhos atentos. "O mistério é atraente em qualquer ser humano", reflete. "O que me atraiu nele foi a descrição. A dificuldade de segurar a ansiedade do público e a minha também. É um personagem que vou descobrindo semana a semana." Ele não revela muito, mas entrega o essencial: "É um homem extremamente discreto, simpático e disponível. Ele precisa ser simpático para gerar confiança."

E é curioso ouvi-lo falar em controle: já interpretou sadomasoquistas, homens moralmente dúbios, vilões que se escondem na gentileza. Angélico, porém, é outro tipo de sombra: a que se confunde com a luz. E, para o intérprete desses indivíduos complexos, há um desafio ético na interpretação de quem manipula pessoas vulneráveis. O filho de um juiz e de uma procuradora da justiça, formado em psicologia e em administração de empresas, sabe, e mergulha nisso com verdade. "Todo mau caráter tem justificativa para si mesmo", defende. Para dar humanidade ao que nasce torto, o ator se obriga a enxergar de dentro, defendendo o personagem, encontrando traços que expliquem sua arrogante crença de estar certo. "É complexo. Às vezes, sofrido", reflete. A arte, ele lembra, também denuncia. E essa dualidade é o seu campo de batalha.

Da Europa ao Oriente Médio 

Quem vê Adriano hoje, com o domínio sereno de quem pisou palcos estrangeiros, talvez não imagine o tanto de chão que ele percorreu. Foi Raul Cortez quem lhe disse, em uma palestra da juventude: viajem. Não importa a distância; importa a ampliação do olhar. Ele viajou, e viu. O que encontrou do outro lado do oceano o modificou profundamente. "Trabalhar com pessoas que, a priori, eram tão diferentes de mim e, depois, quebrar o paradigma ao me enxergar nelas, como em um espelho… isso é lindo", celebra, como quem descobriu que o mundo cabe num set de filmagem.

Seu início em Portugal foi um pouso suave, sem as resistências que esperava. "Foi mais fácil que no Brasil", ele ri, como quem ainda estranha essa facilidade. O público acolheu, os colegas abraçaram e o sucesso veio rápido, com novelas premiadas — como Ouro Verde, que, assim como a brasileira Verdades secretas, ganhou o Emmy Internacional — e audiência fiel. Mas, com o tempo, um incômodo brotou silencioso: "Eu entendi que sempre seria considerado estrangeiro. Isso fez sofrer". Ao mesmo tempo, foi lá que ele se encontrou como apresentador, ao vivo, sem quarta parede, sem o escudo do personagem. No comando do Somos Portugal, entrevistando portugueses, descobriu que também ali existe dramaturgia.

Adriano Toloza como um delinquente em Texas, filme do Irã
Um delinquente em Texas, trilogia iraniana (foto: Arquivo pessoal)

A aventura iraniana foi ainda mais inesperada. Um filme rodado no Brasil, o choque cultural como enredo, legendado para um público distante. O sucesso do longa Texas explodiu no Oriente Médio, e quando chegaram as sequências, já era ele quem atravessava o mapa para filmar em Teerã. "Tive que me beliscar para acreditar", emociona-se. O país que muitos não conhecem fora dos noticiários o acolheu com entusiasmo e poesia. "O Irã é lindo. Cultura rica. Uma arte poderosa. Uma culinária que nunca vi igual", elogia. Foi ali que o leonino decidiu ir além do encantamento e entrar de fato na língua: aprender persa para fazer personagens que falassem com o público no idioma deles. "Quanto mais consigo me comunicar, mais me estimulo", garante. Seu quarto filme no Irã, Man with glasses, ele gravou quase todo em persa, apenas com algumas cenas em inglês. Que ator de novelas brasileiras pode dizer o mesmo?

Entre cafés inexistentes nos intervalos de gravação iranianos — sempre chá — e taças de vinho no almoço nas equipes portuguesas, ele foi colecionando diferenças que, no fundo, revelavam semelhanças. "Produção audiovisual é produção audiovisual no mundo inteiro", assinala. Onde há câmera, há humanidade, e é nela que Toloza se ancora.

Personagens tortos

Talvez por essa dedicação os personagens tortos sempre o tenham encontrado. "Ou eu a eles", pondera. O risco de ser tipado o assombra, mas também o estimula. Sua primeira novela na Globo foi Amor à vida, em 2013, como um abusador masoquista chamado Ivan, e, desde então, ele se aventurou em outra geografia da ficção. Em Verdades secretas e Verdades secretas II, viveu Igor, um cara de moral incerta, o que acabou se tornando uma marca involuntária. Ele ri: "Ivan era um grande FDP. Igor era moralmente ambíguo. Nos filmes iranianos, fiz vilão. Em Portugal, também. Talvez pelo meu físico…", brinca.

Depois, fica sério: "Claro que há um risco de ser tipado. Isso pode esconder algo maior, ainda não visto no ator. Se enxergam só o que já deu certo, escondem algo ainda melhor", avalia ele, cujo desejo, agora, é abrir novas fissuras: fazer um padre, um homem em delírio, um morador de rua. O que Toloza busca é o oposto do que se espera do corpo, da voz e do sorriso que ele carrega.

No retorno ao Brasil, há no seu olhar uma mistura de recomeço e continuidade. O público talvez o receba como quem reencontra alguém que nunca foi embora. Ele, por dentro, sabe que não é o mesmo. Traz consigo idiomas, sabores e saudades. E histórias que só o tempo fora de casa é capaz de moldar. "Minha essência é a mesma: comunicar, causar sentimento, fascinar-me com a magia da interpretação", reitera, mas ciente de que, agora, essa essência fala com mais vozes.

 Crédito: Arquivo Pessoal. Adriano Toloza
Na portuguesa Cacau, matador de aluguel (foto: Arquivo Pessoal)

Alma de dramaturgo

O porto principal continua sendo a atuação. Em Portugal, atuou em Valor da vida, Na corda da bamba e Cacau — com cenas gravadas no Brasil, como um matador profissional. Aqui, emendou a última temporada da série Reis e a macrossérie Paulo, o apóstolo, ambas na Record, retornando à emissora depois do sucesso de Os dez mandamentos, exibida em 2015. Seja lá ou cá, Toloza está firme ali, onde começou, mas ele confidencia que outras margens acenam. "Tenho alma de dramaturgo", adianta, como quem entendeu que escrever não é mais um segredo, e sim um chamado para projetos que aguardam a hora certa de nascer.

Para quem sonha com caminhos parecidos, Toloza não disfarça o realismo. Ecoa a veterana Fernanda Montenegro: "Desistam. É verdade. Se não são fortes o suficiente para resistir, para se decepcionar, para se frustrar, para esperar uma eternidade , desistam. Agora, se a paixão e o desejo são maiores que esse sofrimento inevitável, bem-vindos! Meu conselho é: aproveitem o processo e sejam o menos ansiosos possível. Se a paixão for maior que o sofrimento inevitável, bem-vindos."

Enquanto fala, ele faz pequenas pausas, como quem ainda saboreia o que viveu. E quando o assunto é gastronomia, os olhos brilham. Os temperos persas, as feiras portuguesas, os pratos que descobriu nas cidades do interior onde gravou… Ele leva consigo aromas que não se traduzem, pois há experiências que a memória guarda como abrigo.

Adriano Toloza está de volta, mas ele não desembarca igual. Volta maior, mais profundo, repleto de rostos que foram dele, de público que o reconheceu longe de casa. E com mistérios, como seu Angélico. Com a certeza de que a arte pode levar um rapaz brasileiro a se tornar fluente em persa para continuar contando histórias, ele pousa onde tudo começou, trazendo o mundo no bolso.

 


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postado em 14/12/2025 08:01
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