
Dubai _ Ao abrir o Lide Brazil Emirates Conference, o ministro de Comércio Exterior dos Emirados Árabes, Thani Bin Ahmed Al Zeyoudi, foi incisivo ao comentar o potencial de negócios entre o seu país e o Brasil. “Compartilhamos US$ 4,4 bilhões em investimentos fora do petróleo, e queremos aumentar”, afirmou o ministro, referindo-se aos Emirados Árabes Unidos como um “portal” para os empresários, com promessas de apoio.
Ao longo de todo o dia de debates em Dubai, o centro financeiro dos Emirados, passaram pela conferência grandes empresas brasileiras e do mundo árabe, estas interessadas em parceria para reforçar a posição do país como o entreposto comercial entre o Ocidente e o Oriente. A ordem por essa região agora é aproveitar o período de transição energética e usar os petrodólares para garantir um futuro sustentável e de baixo carbono. E todos eles, árabes e brasileiros, deixam a segunda conferência do Lide no país com a certeza de que não há caminho longe da sustentabilidade.
“A descarbonização deixou de ser uma meta, um objetivo, e passou a ser um imperativo em todas as áreas, econômica, política, social. Não tem espaço que não passe pela agenda da descarbonização”, disse o presidente global de operações da da Ambipar, Roberto Azevêdo, que dirigiu a Organização Mundial do Comercio (OMC) entre 2013 e 2020.
Ao participar do painel sobre “sustentabilidade e transição energética”, Azevêdo foi categórico: “A ideologia tem um impacto, é verdade. Nos Estados Unidos, há uma discussão candente, forte. Tudo isso terá um impacto, mas nada disso vai reverter o curso. Pode ajustar, mas não reverter”, comentou. Ele elencou ainda três fatores que levam a essa conclusão. O primeiro deles é que o setor privado já investiu bilhões na agenda da descarbonização e da sustentabilidade e não vai jogar esse dinheiro fora. Em segundo lugar, o consumidor comprou essa agenda. “Alguém vai dizer, 'ah, mas eu conheço gente que não comprou'. Mas muita gente comprou. Fui vice-presidente de uma grande corporação americana e uma grande corporação não ignora 10% do seu mercado, imagine 30, 40%, 50% desse mercado, os consumidores compraram essa ideia."
Por fim, afirmou Azevêdo, há vários exemplos de que essa agenda veio para ficar. Ele citou especificamente o “Green Deal” europeu, o acordo ecológico, que sofreu ajustes, mas continua vivo. “Com todas as imperfeições, mas foi continuar”. Citou ainda o Inflaction reduction Act (IRA) americano, de investimentos em energia limpa. “Uma simples revisão legislativa, não vai parar o IRA. Simples assim”, afirmou do alto de quem acompanha de perto esses movimentos no mundo.
Ainda que a agenda climática não seja passível de descarte, não se fará a transição da noite para o dia. Em resumo, o mundo não pode hoje prescindir do petróleo. “Nós progressivamente vamos mudar a matriz dos combustíveis fósseis para os novos combustíveis. Esse talvez seja o maior debate sobre crise climática. Terminamos o ano de 2024 com 82% da matriz energética do mundo dependente de combustíveis fósseis. Portanto, a discussão de transição climática encontra com a da segurança energética e nos traz o desafio de lidar com a indústria de óleo e gás como parte das soluções para acelerar a transição climática. Ou seja, é preciso mudar a lógica do jogo com todos os atores e adultos na sala e não excluindo os atores. Isso requer uma visão pragmática e realista: É preciso fazer a transição justa que evite uma ruptura energética no mundo. Esse será o debate da COP30 no Brasil”, disse a ex-ministra do Meio Ambiente, hoje consultora da ONU e uma das autoridades em clima no Brasil.
Nesse cenário de todos os atores em campo para promover as mudanças que o mundo necessita em termos climáticos é que entram os negócios com os petrodólares. Os árabes se mostram dispostos a investir em sustentabilidade e já perceberam que o petróleo é finito. Da última COP, a 29, em Baku, saiu o compromisso de US$ 300 bilhões para investimentos no setor. Agora, na COP 30 no Brasil, tentar-se-á chegar no US$ 1 trilhão. A aposta do embaixador Azevêdo é a de que quase a totalidade desses investimentos virá do setor privado. “O que é mais importante é notar que a transição energética não é mais apenas uma ambição laudável, uma coisa legal de ser feita. Ela passou a ser uma oportunidade de negócio. Sobretudo para um país que pode exortar energia limpa de várias formas. O Brasil está preparado para liderar a bioeconomia global. É uma questão de determinação e de realismo nas metas”, diz ele, citando em seguida a força do setor privado: “Essa transição não acontecerá sem o setor privado. É uma oportunidade”, diz ele, citando estudo da Harvard Business Review, sobre empresas que detêm alguma estratégia de ESG ter valor de mercado 23% mais elevado.
Azevêdo foi um dos poucos aplaudidos no meio do discurso, ao dizer que caberá ao setor privado orientar e educar os governos. “O governo faz o melhor que pode. Mas é quem está na trincheira e no terreno identificando oportunidades e desafios é que pode dizer ao governo, olha, faz isso aqui que vai dar boa, ou, não faça isso porque será um tiro no pé”. Não havia um ministro de Lula na plateia ou no debate para ouvir. Apenas o embaixador brasileiro, que anotou o recado. Nos bastidores, ficou a mensagem, os Emirados têm recursos para investir em segurança alimentar, infraestrutura (aliás, já investem) e os empresários, a vontade de empreender. Nesta terça-feira, a missão promovida pelo Lide visitará os fundos soberanos dos Emirados, em Abu Dhabi: ADIA, ADQ e Mubadala, que somam US$ 1,3 trilhão em gestão. É o empresariado e os investidores em movimento, atrás de certezas, tentando amenizar as incertezas que vêm dos últimos atos de Donald Trump nos Estados Unidos.
Margem equatorial
A exploração de petróleo na margem equatorial não ficou de fora das discussões em Dubai. Responsável pelo setor de energia do Lide, o grupo fundado pelo ex-governador de São Paulo João Doria, o ex-presidente da Petrobras Jean Paul Prates acredita que a situação chegou ao ponto tal de divergência entre os atores que caberá ao presidente Lula chamar para si essa decisão. “A questão fundamental que temos hoje é, o Brasil quer saber se há petróleo lá? Há esse interesse? Se há, licencia-se isso, fazendo todas as exigências. Se não, há duas alternativas: ou nega e permite-se a exploração em outro ponto ali, ou o Estado brasileiro diz 'eu, Ibama, como parte do Estado brasileiro, digo que se trata de uma área de exclusão'. Os Estados Unidos fizeram com o Alaska no passado, outros países fazem. Mas é preciso decidir”, avaliou Jean Paul, numa conversa com jornalistas logo depois de sua palestra no Lide Brazil Emirates Conference.
Na opinião de Jean Paul, a demora já fez deste poço que sequer foi furado, o mais caro da história. Foram gastos recursos para mobilização de sondas de perfuração e ainda investimentos em centros de atendimento à fauna. “A Petrobras já fez toda a sua parte. É uma empresa séria que cumpre as exigências. Falta agora a decisão”, diz ele.
As cobranças do ex-presidente da Petrobras têm sido feitas também internamente, no governo Lula. Porém, as apostas no Brasil são as de que a tendência é o governo esperar passar a COP30, em novembro, para tomar uma decisão. O que não se sabe é se a classe política que defende a pesquisa, incluindo aí o atual presidente do Senado, Davi Alcolumbre, vai esperar pacientemente o fim de 2025, sem ver essa pesquisa em curso. As apostas são as de que Davi não tem o perfil de quem irá aguardar pacientemente a COP30 passar.
*A colunista viajou a convite do Lide
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