
Ao derrubar os vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na lei que regulamenta a instalação de eólicas no mar, o Congresso conseguiu prorrogar incentivos para fontes de energia que sequer foram construídas e os subsídios podem se estender para alternativas mais caras e poluentes.
Na última sessão antes do recesso, os parlamentares mantiveram a prorrogação por 20 anos dos subsídios concedidos para pequenas hidrelétricas e parques de energia de biomassa e de energia eólica que estão sob as regras do Programa de Incentivos às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa).
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O dispositivo é apenas um dos "jabutis" — jargão do Legislativo para trechos que pegam carona no projeto original sem relação direta com a pauta — vetados pelo Executivo. A prorrogação dos subsídios para as pequenas hidrelétricas, que teve o veto derrubado pelos congressistas, já impõe um custo adicional de R$ 197 bilhões até 2050, valor que será incorporado às tarifas de energia e repassado aos consumidores, de acordo com a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee). "Trata-se de uma penalização injusta, especialmente para os brasileiros mais vulneráveis, que já arcam com uma conta de luz pressionada por subsídios e encargos setoriais", disse a entidade em nota.
Segundo a associação, os dispositivos vetados que não foram analisados pelo Congresso "podem gerar impactos ainda mais graves para os consumidores". "Essa movimentação legislativa escancara uma realidade preocupante: interesses políticos e setoriais têm se sobreposto ao interesse público. Em vez de um debate técnico, voltado ao impacto real dessas medidas na economia e no bolso do cidadão, parte do Congresso optou por um gesto político de oposição ao governo federal — ainda que isso implique impor mais custos à população", reiterou a Abradee.
O Congresso ainda vai discutir a obrigatoriedade de contratação de termelétricas a carvão e gás natural, outro ponto vetado pela Presidência e que tem por traz um forte lobby.
Os contratos das térmicas a carvão vencem em 2028. O trecho vetado, que ainda está em jogo a depender do Legislativo, prevê a renovação de contratos até 2050, com inflexibilidade de 70% dos dias do ano, nos leilões de reserva de capacidade. O argumento é de que a medida garante a segurança do abastecimento de energia e busca evitar o desligamento dessas usinas. No entanto, é considerada um atraso para a transição energética em um país com abundância de fontes renováveis.
Empresários como Carlos Suarez, dono da Termogás, e os irmãos Joesley e Wesley Batista, donos da JBS e Âmbar Energia, são apontados como beneficiários diretos da renovação desses contratos.
Para a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), o cenário ainda exige atenção máxima. "A votação de terça-feira resultou no adiamento da decisão sobre os dispositivos mais críticos, justamente aqueles que instituem a contratação obrigatória de usinas térmicas a combustíveis fósseis e ampliam subsídios com forte impacto nas tarifas de energia elétrica. Esses itens seguem sob risco de aprovação em sessões futuras do Congresso", alertou a entidade em nota.
Também ficou de fora, até o momento, o trecho que prevê a extensão do prazo de subsídios para a geração distribuída. Somados aos incentivos ao gás natural inflexível e ao carvão mineral, a estimativa é de um impacto tarifário adicional de até 9% seja imposto aos consumidores. "A decisão de adiamento ocorrida mostra que a sociedade tem força quando se mobiliza. Mas os riscos ainda não passaram. Os dispositivos mais preocupantes seguem pendentes e exigem vigilância redobrada", destacou a FIEMG.
O custo da contratação de gás e a prorrogação dos contratos de carvão afetam diretamente o custo da energia no Brasil, além de impactar a renovação da matriz energética, conforme destacou o CEO da Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde (ABIHV), Fernanda Delgado. "Isso encarece a conta de luz, aumenta as despesas operacionais, pressiona as margens do setor e reduz a competitividade nacional. Reduz a competitividade em dois espectros: no aumento do custo e no diferencial renovável que diminuirá", disse ao Correio.
No momento em que os olhos do mundo estão voltados para o Brasil, como sede da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP 30, a medida também pode representar um retrocesso nas sinalizações do país. Para Delgado, "é preciso que a política energética esteja alinhada com os princípios de eficiência, sustentabilidade e custo justo para todos os setores produtivos. E que incentive de forma concreta a expansão de fontes limpas".
Peso dos encargos
Cerca de 40% da conta de luz no Brasil é composta por encargos e subsídios, incluindo impostos. Esses valores podem variar dependendo da região e das políticas específicas de cada estado. O presidente-executivo da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), Rodrigo Ferreira, destacou que o impacto de qualquer prorrogação de incentivos é geral e afeta toda a cadeia de consumidores. "A energia elétrica está ficando impagável", afirmou.
"O cidadão, a população, a sociedade em geral já não aguenta mais esse tipo de interferência, que causa aumento de custos, sem uma explicação técnica que seja minimamente razoável. Não é razoável justificar esse incremento de custos, porque uma outra lei aumentava ainda mais os custos. Isso aí não é uma explicação razoável", emendou.
Está em análise no Legislativo o projeto de reforma do setor elétrico, que estabelece novos critérios para a Tarifa Social, ampliando a liberdade de escolha dos consumidores e redefinindo a divisão de custos entre os agentes do setor.
Segundo Ferreira, a expectativa é de que o Legislativo também seja sensível ao tema. "A gente espera que o Congresso não atue exclusivamente no aumento tarifário e no aumento da conta de energia. Que ele possa reequilibrar esse jogo, convertendo em lei a medida provisória da reforma do setor elétrico, porque ela sim traz um alívio na conta de luz para a sociedade brasileira", defendeu.
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