Energia

"Jabuti" que prorroga contratação de térmicas a carvão ainda está em jogo

Derrubada de vetos pelo Congresso impõe um custo adicional de R$ 197 bilhões até 2050, que serão incorporados às tarifas de energia. Valor poderá ser maior, caso outros vetos caiam

Aditivo colocado na Lei das Eólicas Offshore prevê que os contratos das térmicas a carvão que venceriam em 2028 sejam renovados até 2050 -  (crédito: Platobr)
Aditivo colocado na Lei das Eólicas Offshore prevê que os contratos das térmicas a carvão que venceriam em 2028 sejam renovados até 2050 - (crédito: Platobr)

Ao derrubar os vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na lei que regulamenta a instalação de eólicas no mar, o Congresso conseguiu prorrogar incentivos para fontes de energia que sequer foram construídas e os subsídios podem se estender para alternativas mais caras e poluentes.

Na última sessão antes do recesso, os parlamentares mantiveram a prorrogação por 20 anos dos subsídios concedidos para pequenas hidrelétricas e parques de energia de biomassa e de energia eólica que estão sob as regras do Programa de Incentivos às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa).

O dispositivo é apenas um dos "jabutis" — jargão do Legislativo para trechos que pegam carona no projeto original sem relação direta com a pauta — vetados pelo Executivo. A prorrogação dos subsídios para as pequenas hidrelétricas, que teve o veto derrubado pelos congressistas, já impõe um custo adicional de R$ 197 bilhões até 2050, valor que será incorporado às tarifas de energia e repassado aos consumidores, de acordo com a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee). "Trata-se de uma penalização injusta, especialmente para os brasileiros mais vulneráveis, que já arcam com uma conta de luz pressionada por subsídios e encargos setoriais", disse a entidade em nota.

Segundo a associação, os dispositivos vetados que não foram analisados pelo Congresso "podem gerar impactos ainda mais graves para os consumidores". "Essa movimentação legislativa escancara uma realidade preocupante: interesses políticos e setoriais têm se sobreposto ao interesse público. Em vez de um debate técnico, voltado ao impacto real dessas medidas na economia e no bolso do cidadão, parte do Congresso optou por um gesto político de oposição ao governo federal — ainda que isso implique impor mais custos à população", reiterou a Abradee.

O Congresso ainda vai discutir a obrigatoriedade de contratação de termelétricas a carvão e gás natural, outro ponto vetado pela Presidência e que tem por traz um forte lobby.

Os contratos das térmicas a carvão vencem em 2028. O trecho vetado, que ainda está em jogo a depender do Legislativo, prevê a renovação de contratos até 2050, com inflexibilidade de 70% dos dias do ano, nos leilões de reserva de capacidade. O argumento é de que a medida garante a segurança do abastecimento de energia e busca evitar o desligamento dessas usinas. No entanto, é considerada um atraso para a transição energética em um país com abundância de fontes renováveis.

Empresários como Carlos Suarez, dono da Termogás, e os irmãos Joesley e Wesley Batista, donos da JBS e Âmbar Energia, são apontados como beneficiários diretos da renovação desses contratos.

Para a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), o cenário ainda exige atenção máxima. "A votação de terça-feira resultou no adiamento da decisão sobre os dispositivos mais críticos, justamente aqueles que instituem a contratação obrigatória de usinas térmicas a combustíveis fósseis e ampliam subsídios com forte impacto nas tarifas de energia elétrica. Esses itens seguem sob risco de aprovação em sessões futuras do Congresso", alertou a entidade em nota.

Também ficou de fora, até o momento, o trecho que prevê a  extensão do prazo de subsídios para a geração distribuída. Somados aos incentivos ao gás natural inflexível e ao carvão mineral, a estimativa é de um impacto tarifário adicional de até 9% seja imposto aos consumidores. "A decisão de adiamento ocorrida mostra que a sociedade tem força quando se mobiliza. Mas os riscos ainda não passaram. Os dispositivos mais preocupantes seguem pendentes e exigem vigilância redobrada", destacou a FIEMG.

O custo da contratação de gás e a prorrogação dos contratos de carvão afetam diretamente o custo da energia no Brasil, além de impactar a renovação da matriz energética, conforme destacou o CEO da Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde (ABIHV), Fernanda Delgado. "Isso encarece a conta de luz, aumenta as despesas operacionais, pressiona as margens do setor e reduz a competitividade nacional. Reduz a competitividade em dois espectros: no aumento do custo e no diferencial renovável que diminuirá", disse ao Correio.

No momento em que os olhos do mundo estão voltados para o Brasil, como sede da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP 30, a medida também pode representar um retrocesso nas sinalizações do país. Para Delgado, "é preciso que a política energética esteja alinhada com os princípios de eficiência, sustentabilidade e custo justo para todos os setores produtivos. E que incentive de forma concreta a expansão de fontes limpas".

Peso dos encargos

Cerca de 40% da conta de luz no Brasil é composta por encargos e subsídios, incluindo impostos. Esses valores podem variar dependendo da região e das políticas específicas de cada estado. O presidente-executivo da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel),  Rodrigo Ferreira, destacou que o impacto de qualquer prorrogação de incentivos é geral e afeta toda a cadeia de consumidores. "A energia elétrica está ficando impagável", afirmou.

"O cidadão, a população, a sociedade em geral já não aguenta mais esse tipo de interferência, que causa aumento de custos, sem uma explicação técnica que seja minimamente razoável. Não é razoável justificar esse incremento de custos, porque uma outra lei aumentava ainda mais os custos. Isso aí não é uma explicação razoável", emendou.

Está em análise no Legislativo o projeto de reforma do setor elétrico, que estabelece novos critérios para a Tarifa Social, ampliando a liberdade de escolha dos consumidores e redefinindo a divisão de custos entre os agentes do setor.

Segundo Ferreira, a expectativa é de que o Legislativo também seja sensível ao tema. "A gente espera que o Congresso não atue exclusivamente no aumento tarifário e no aumento da conta de energia. Que ele possa reequilibrar esse jogo, convertendo em lei a medida provisória da reforma do setor elétrico, porque ela sim traz um alívio na conta de luz para a sociedade brasileira", defendeu. 

 

postado em 19/06/2025 03:48 / atualizado em 19/06/2025 14:46
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