CB.Poder | Marco Maciel | ex-secretário da Receita Federal

O IOF foi utilizado para cobrir deficits, aponta ex-secretário da Receita Federal

Ao opinar que houve desvio de finalidade no decreto do Executivo que elevou o IOF, Maciel defendeu o controle de gastos

 07/07/2025. CB. Poder. Everardo Maciel é o entrevistado do  CB. Poder. -  (crédito:  Reprodução)
07/07/2025. CB. Poder. Everardo Maciel é o entrevistado do CB. Poder. - (crédito: Reprodução)

Profundo conhecedor da administração tributária, Everardo Maciel foi secretário da Receita Federal durante os oito anos do governo de Fernando Henrique Cardoso. Antes, havia sido secretário de Fazenda do Distrito Federal. Ontem, durante o programa CB.Poder — uma parceria do Correio com a TV Brasília — apresentado pelos jornalistas Carlos Alexandre de Souza e Mariana Niederauer, ele comentou a polêmica em torno do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Atualmente consultor, Maciel defende que o tributo tem natureza regulatória, servindo para disciplinar operação financeira e câmbio, por exemplo.

 

Qual a sua avaliação em relação à polêmica em torno do IOF?

O IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) é um imposto que tem natureza regulatória. É feita para disciplinar demanda, câmbio e outros tipos de operações. Justamente porque tem essa característica intrínseca, ele dispensa os requisitos que são comuns a outros impostos: anualidade, o imposto tem que ser aprovado por lei e da anterioridade (o imposto tem que ser cobrado algum tempo depois que foi majorado ou instituído). O IOF foi utilizado para fins de cobrir deficits orçamentários, portanto, para fins arrecadatórios, claramente há um desvio de finalidade entre a natureza do imposto e sua utilização. O Congresso aprovou decreto legislativo em que suspendeu os efeitos dessa majoração do tributo por meio de um decreto expedido pelo poder Executivo. Para mim não poderia o IOF ser utilizado para essa finalidade. Portanto, a decisão tomada pelo Congresso ao aprovar este decreto legislativo, ela é correta, ela é bem fundamentada.

 

Quanto à decisão do ministro Alexandre de Moraes, de suspender ambos os decretos e marcar uma reunião para diálogo?  

A decisão tomada pelo ministro Alexandre Moraes, ao suspender os efeitos do decreto do poder Executivo, automaticamente, teria que suspender também o decreto legislativo, por falta de objeto. Não tem nenhum sentido em falar-se em diálogo. O decreto que majorou o IOF, ele é constitucional ou não é constitucional? Não existe a possibilidade de ele ser meio constitucional, meio inconstitucional. Isso também não autoriza dizer que o problema que deu fundamento ao decreto — o deficit orçamentário — não deva ser objeto de um tratamento específico. Mas essa é uma matéria própria e de responsabilidade do Poder Executivo, que deveria olhar para os cortes de despesas. 

 

O IOF incide somente nas pessoas ricas? 

O IOF não incide sobre ricos, como está dizendo no nome, incide sobre operações financeiras. Então, operações financeiras são operações que são feitas por ricos e por pobres. Do outro lado, quando feito, por exemplo, por uma empresa. Uma empresa tomou um empréstimo e ao tomar um empréstimo teve a incidência. Quando tiver incidência do IOF, o IOF vai ser tomado como custo, custo que vai repercutir sobre o preço que ela vende, seja a venda de mercadorias, seja a prestação de serviço, que no final vai incidir sobre uma pessoa física que pode ser pobre, que pode ser rico. E usar o argumento de quem incide sobre ricos, eu diria que é demagogia. 

 

O governo tentou taxar grandes fortunas. No caso dessa alternativa, o senhor acha que é uma possibilidade para aumentar a arrecadação ou realmente o senhor vê apenas o corte de gastos como a única saída para esse deficit orçamentário atual?

Imposto sobre grande fortuna tem previsão constitucional. A sua implementação se dá por lei complementar. Isso não funcionou em nenhum lugar do mundo. Isso também é outra forma de demagogia que foi criada, na década de 80, na França. Não tem o menor sentido. Porque quando você fala em uma grande fortuna, antes de ser constituída, ela já foi tributada pelos impostos patrimoniais, pelo imposto de renda, pelos impostos incidentes sobre consumo. Portanto, não se trata nem de um caso de bitributação, mas, um caso de múltipla tributação, imposto não funcional. Para implementar, dependeria de uma lei complementar que nunca foi viável, nem será viável. Tudo isso é feito como uma tática diversionista para não tratar daquilo que é a essência de todo o problema: Excesso de gastos. Excesso de gastos que compromete o equilíbrio fiscal. Não é um mero resultado contábil, é que isso, no final das contas, termina impactando a taxa de juros, impacta a inflação e eleva, como tem elevado todo o tempo, a nossa relação entre dívida pública e PIB (Produto Interno Bruto), uma transferência de responsabilidade intergeracional.

 

As arrecadações feitas pelo governo não conseguem acompanhar as despesas. O que deve ser feito?

Quem faz carga tributária é a despesa. Se a despesa continuar aumentando, como tem aumentado, com repercussão na nossa dívida pública em relação ao PIB, não vai ter jeito. O aumento de arrecadação pode ter várias razões. Pode ser maior eficiência, um melhor desempenho da economia, mas pode ser, também, e é esse caso particular que eu trago, em função do aumento de alíquotas, majoração de alíquotas ou instituição de novas incidências tributárias. Esse último aspecto que eu menciono é o aspecto inconveniente, indesejável e, portanto, deletério.

Qual é a primeira providência em relação ao excesso de gastos? 

A primeira providência é uma providência administrativa, acabar com os furos dos mais diversos. Fraudes praticadas no sistema de Benefício de Prestação Continuada (BPC), fraudes no Bolsa Família, fraudes no INSS, fraudes nas emendas parlamentares. Se cortar o que constitui fraudes, já é um bom começo. Além disso, temos manobras que são feitas para aumentar a despesa e fugir da tributação, como por exemplo os supersalários que não são pagos apenas Ministério Público e no poder Judiciário. São aqueles salários que são pagos pela participação de membros do Poder Executivo em empresas estatais ou empresas que têm participação estatal. Nós temos que retomar o controle do Orçamento Público. Não existe mais. Nós temos um conjunto de pisos, metas, indexações e tudo mais. O que temos hoje é ainda resultado de um disciplinamento feito na Lei 4320 de março de 1964. E a previsão do disciplinamento disto que está na Constituição de 1988. Até hoje a lei complementar que iria tratar disso não existe.

O Brasil deveria investir em segurança de sistemas?

Sem dúvida, nós não cuidamos disso. Um assunto que não interessa ao Estado brasileiro é a segurança dos sistemas. Um caso são as tentativas de fraudes por meio de formas de comunicação. Nada disso é objeto de atenção e controle. O número de tentativas para que isso ocorra é um número espetacular que todo o brasileiro conhece, porque se não é vítima, é objeto de uma tentativa de fraude. 

 

Qual sua visão sobre a guerra tarifária criada pelos Estados Unidos? 

É algo completamente fora de propósito, algo inusitado, uma guerra tarifária, nas proporções que estamos vendo. Quer dizer, a ação da tarifa, que nós chamamos de imposto de importação, para alcançar objetivos relacionados com o desenvolvimento econômico ou o reequilíbrio de relações comerciais. Então, completamente fora de propósito.

 

Como fica o Brasil diante disso? 

Não creio que, nesse instante, o Brasil possa ser incomodado ou tirar vantagens significativas nessa guerra tarifária. Porque o que foi estabelecido para o Brasil não é nada muito diferente do que já existe hoje. Essa alíquota é de 10%.

 

O Brasil poderá estar em vulnerabilidade ou em uma posição vantajosa neste conflito?  

Tudo em completa imprevisibilidade, pode ser que haja um rearranjo dos negócios internacionais, particularmente dos negócios que são realizados entre os Estados Unidos e a China, que resultem oportunidades de negócios em que o Brasil possa suprir algo, algum tipo de exportação norte-americana para a China. Mas tudo isso está num campo da imprevisibilidade, a cada dia nós somos informados de que houve um aumento de tarifa e no dia seguinte houve uma redução de tarifa e novo aumento de tarifa. Ninguém pode, nesse instante, fazer uma previsão, com um razoável grau de certeza de quais serão as consequências, quais serão as repercussões desse tarifaço praticado pelo governo norte-americano.

 

Qual a sua opinião sobre enfraquecimento dos organismos multilaterais?

A OMC realmente está enfraquecida, mas não apenas ela, mas todas as instituições multilaterais, a OMS, a ONU, estão enfraquecidas. Vai ter que se pensar no rearranjo completo disso,  o fato concreto é que essas instituições estão completamente ineficazes. Não serve de nada uma decisão da ONU, a mais importante das organizações multilaterais, condenando isso ou aquilo. É um mero discurso político que se dissipa, como qualquer outra informação que não ganha concretude. Nós estamos vivendo uma espécie de fim do multilateralismo, tal como conhecíamos. Não creio que ninguém saiba exatamente para onde vai caminhar. Quando você vê uma agressão infundada, sem nenhuma motivação, por exemplo, da Rússia contra a Ucrânia, um sintoma do fim ou da impotência das instituições multilaterais. Falar em direito internacional, nas circunstâncias atuais, não creio que faça muito sentido. Espero que desse desarranjo, dessa enorme confusão, surja algum tipo de encaminhamento para que se construa uma nova ordem, um novo equilíbrio internacional, mas não sou muito otimista com isso, ao menos no curto prazo.

 

O senhor ainda mantém o ceticismo em relação à reforma tributária?  

Eu reafirmo o meu ceticismo. Eu vou mostrar alguns dados que mostram isso. Nós começamos falando sobre IOF, para cobrir um deficit orçamentário e eu vi algumas algumas estimativas que variam entre 12 a 20 bilhões. Só os fundos criados para a cooptação dos estados para o projeto de reforma tributária demandarão nos próximos 20 anos, a preços de hoje, R$ 1,058 trilhão, que como a única fonte viável para financiar isso é o Imposto de Renda, que, por sua vez, tem aproximadamente a metade sua arrecadação partilhada com os estados e municípios. Nós estamos falando de R$ 2,1 trilhões.  Já teria que haver um aporte pequeno no meio desse montante tão elevado, um aporte de R$ 8 bilhões no universo de R$ 1,050 bilhão ou numa arrecadação de R$ 2,1 trilhões.

 

*Estagiários sob a supervisão de Edla Lula

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CY
postado em 08/07/2025 03:52
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