ENTREVISTA | Mailson da Nóbrega | economista e ex-ministro da Fazenda

Tarifaço: "É hora de serenidade e calma", diz ex-ministro Maílson da Nóbrega

Consultor afirmou que o Brasil deve adotar uma postura mais estratégica e menos confrontadora no diálogo com os EUA

 Correio Debate - Seminário Como Fazer os juros caírem no Brasil?. Na foto, Mailson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda. -  (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
Correio Debate - Seminário Como Fazer os juros caírem no Brasil?. Na foto, Mailson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda. - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Em meio à possibilidade de o governo dos Estados Unidos impuserem uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros, o ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega defende que o Brasil adote uma postura mais estratégica e menos confrontadora na condução das relações com Washington. Para ele, as declarações públicas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra Donald Trump e a operação da Polícia Federal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro podem agravar ainda mais o cenário e atrapalhar as negociações.

Mailson classifica o presidente norte-americano como "megalomaníaco", alguém que não ouve assessores e toma decisões emocionais. Nesse contexto, avalia que os ataques verbais de Lula são contraproducentes. "O país precisa de um acordo para neutralizar o efeito desastroso dessa tarifa, que prejudicaria nossa economia e também empresas e consumidores americanos", destacou.O ex-ministro também mencionou as declarações de Lula durante o encontro do Brics, quando chamou Trump de "irresponsável" e fez piadas com jabuticabas. Para Mailson, não é o momento para "brincadeiras ou gozações".

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Confira os principais trechos da entrevista:

O senhor acredita que a operação da Polícia Federal contra Bolsonaro pode influenciar negativamente a postura de Trump em relação ao Brasil?

Olha, o que se pode afirmar, com certeza, é que o Trump é imprevisível. Ele tem objetivos muito claros de ascensão global, de se tornar um líder global. E, como disse a revista The Economist, numa matéria de fevereiro deste ano, o método de ação dele é semelhante ao da máfia. Ele tem armas que os outros não têm. Por exemplo, se contrapor à máfia é correr o risco de morrer. Contra isso, você não tem racionalidade. O Trump, além de tudo, é um presidente megalomaníaco, que não ouve a sua assessoria, age de acordo com a cabeça dele e também emocionalmente. Então, tudo pode acontecer. É difícil prever.

E como o senhor vê as declarações do presidente Lula a respeito de Trump?

Acho que o presidente faria bem a ele e ao país se parasse com suas bravatas contra o Trump. Isso pode até agradar a um segmento da sociedade brasileira, particularmente sua base eleitoral, mas pode ser totalmente contraproducente. Estamos lidando com uma pessoa irracional, que não mede as consequências dos seus atos. Ele quer ferir, quer 'matar' no sentido figurado, claro. Não há nenhum líder de países que foram atacados pelo Trump que tenha adotado um discurso como o do Lula. O Brasil precisa de um acordo para neutralizar o efeito desastroso de uma tarifa de 50%, que pode prejudicar a economia brasileira, as empresas e até os consumidores dos Estados Unidos.

Lula também chamou Trump de "irresponsável" e fez piadas durante o encontro do Brics. Como avalia esse tom?

Isso não é hora de brincadeira. É hora de serenidade, de calma. É preciso confiar o trabalho de negociação aos profissionais do governo, que são altamente qualificados, como é o caso da diplomacia brasileira, e mobilizar os empresários brasileiros, como ele está fazendo corretamente. Esses empresários devem ajudar o Brasil a desenvolver uma boa estratégia e também mobilizar os empresários americanos, que também perderão com essa maluquice da tarifa de 50%.

Que papel os empresários e parlamentares nos EUA podem ter na defesa dos interesses brasileiros?

O Brasil também precisa recomeçar um trabalho de lobby nos Estados Unidos. Lá, lobby é legítimo e regulado por lei. É preciso mobilizar não só o governo e os órgãos de comércio exterior, mas também pessoas e setores da economia americana que serão prejudicados. Por exemplo, o suco de laranja, parte integrante do café da manhã americano, vai ficar mais caro, sumir das prateleiras ou ter oferta reduzida. Esse é o tipo de argumento que pode surtir efeito.

O que o Brasil deveria estar fazendo de diferente?

O presidente brasileiro não pode continuar atacando o presidente dos EUA diariamente. Não temos as mesmas armas. Não adianta o Lula dizer que vai defender a soberania nacional. Com isso, todos concordamos. Mas qual é a força dessa declaração para deter o Trump? Nenhuma. É óbvio. Qual brasileiro, a não ser o Eduardo Bolsonaro, não está de acordo com a defesa da soberania do país?

Na sua avaliação, Trump utiliza tarifas como parte de uma estratégia política, além da econômica?

Sem dúvida. Ele vê a tarifa como instrumento de ação política e de política de comércio. Trump tem uma ideia inacreditável, ele acha que deficit comercial é sinônimo de prejuízo. Não há nada na teoria econômica, nem na prática de comércio internacional, que diga que os países precisam ter equilíbrio comercial. Há países com superavit, outros com deficit, e tudo isso se ajusta com o tempo.

Trata-se de uma visão anacrônica?

Exatamente. Trump tem uma cabeça do século XVII, como a de Colbert, ministro francês que aplicou uma política mercantilista, buscar superavit a qualquer custo, inibir importações e aumentar exportações. Essa política caiu em desuso há quase três séculos. Trump está tentando ressuscitá-la. É uma ignorância inacreditável em questões básicas de economia. Por isso, não se pode reagir com o fígado. É preciso reagir com a cabeça, com prudência, com silêncio e com diplomacia.

 

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postado em 19/07/2025 03:29
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