AGROPECUÁRIA

Cuidados no manejo e no abate dos animais evita prejuízos na produção

Certificações de bem-estar animal definem os cuidados com manejo e o transporte para o abatedouro, para evitar lesões que comprometem a produtividade

O confinamento e o transporte dos suínos para o abate deve respeitar uma série de protocolos para não comprometer a qualidade da carne -  (crédito: ASEMG/Divulgação)
O confinamento e o transporte dos suínos para o abate deve respeitar uma série de protocolos para não comprometer a qualidade da carne - (crédito: ASEMG/Divulgação)

Para além do aspecto “humanizado” no manejo e abate dos animais de produção, as certificações de bem-estar animal chamam a atenção para outro aspecto dessas práticas: o ganho de produtividade. “São necessários seis meses para produzir um suíno. Se no momento de embarque desse animal para o abate, ele sofre uma lesão, um hematoma, isso significa uma perda. Daí vem a grande virada de chave, a mudança de mentalidade do produtor”, explica Filipe Dalla Costa, coordenador técnico da MSD Saúde Animal, empresa que oferece a certificação.

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“Se esse produtor acreditar que está criando apenas um suíno, pouco vai importar se o animal chegou bem ou mal, vivo ou morto, com hematomas ou não. Mas eles começaram a entender que são produtores de alimento, que qualquer ação do dia a dia afeta a qualidade final do produto”, completou Filipe. O momento mais crítico quanto às lesões é justamente o transporte dos animais para o abate.

Por isso, as boas práticas em bem-estar animal recomendam pegar as aves pelo dorso no momento de colocá-las nas caixas de transporte, ao invés de segurar vários animais juntos pelas patas. Essa mudança evita o estresse no animal e previne lesões. No caso dos suínos e bovinos, as rampas de embarque nos caminhões têm baixa inclinação e o acesso para o segundo piso é feito por meio de uma plataforma hidráulica (tipo um elevador).

A preparação para o transporte começa definindo o horário de saída, que vai determinar o momento do início de um jejum pré-abate. Com o estômago vazio, o animal não passa mal durante o transporte, prevenindo também um possível rompimento do seu trato gastrointestinal. O número menor de animais nos corredores de embarque, assim como o dimensionamento correto da equipe e dos veículos envolvidos, também permitem maior controle e segurança do processo.

“Esses procedimentos também favorecem o bem-estar humano, já que exigem menos esforço físico e mental. Já tive vários relatos de que essa capacitação mudou a vida das pessoas envolvidas nesses processos. Esses funcionários se dizem menos estressados, o que refletiu até nas suas relações familiares”, disse Filipe. Esta impressão não é um acaso. Antony Lunenburg, que também é coordenador técnico da MSD Saúde Animal, explica que a certificação oferecida é denominada Bem-Estar Único porque seus protocolos se baseiam em três pilares que envolvem o respeito ao animal, à pessoa (os funcionários) e ao meio ambiente.

Sob a ótica social e de Recursos Humanos, o protocolo verifica as condições de saúde e higiene oferecidas aos funcionários, se a legislação trabalhista é respeitada, assim como treinamentos sobre segurança do trabalho. Já a gestão ambiental examina se a propriedade mantém áreas de preservação permanente, a documentação junto aos órgãos ambientais e o descarte correto do lixo, como embalagens de agrotóxicos.

INVESTIMENTO AINDA NÃO AGREGA VALOR AO PRODUTO

Na visão de Filipe, a implantação das práticas de bem-estar animal não são consideradas um aumento de custo, mas um investimento, já que trazem um retorno. “Essas práticas trazem melhoria na produtividade, o que reduz o custo de produção. Me lembro de uma granja de suínos certificada que reduziu em 10% os indicadores de mortalidade de fêmeas e aumentou o ganho diário de peso dos leitões em 50 gramas. No fim do ano, isso representou entregar um mês a mais de produção em quilos de carne. Isso trouxe maior rentabilidade e margem de negociação para eles”, exemplificou o coordenador técnico. 

Filipe Dalla Costa, coordenador técnico da MSD Saúde Animal
Filipe Dalla Costa, coordenador técnico da MSD Saúde Animal MSD/Divulgação

 

Se não existem dúvidas sobre o aumento da produtividade, a adoção da certificação de bem-estar animal não agrega valor ao produto no Brasil. Filipe cita uma pesquisa americana em que 84% dos consumidores estão dispostos a pagar até 5% a mais por produtos com transparência e rastreabilidade na produção, e uma na Europa mostrando que uma carne suína com níveis exigentes de certificação alcança em mais de quatro vezes o valor de um produto padrão. “Mas isso são nichos de mercado, não sei se conseguiríamos ter o mesmo cenário no Brasil”, opinou.

Ricardo Godinho, sócio da Agropecuária Tucaninha, com produção leiteira e de corte no município de São João Batista do Glória, no Sul de Minas Gerais, afirma que a certificação ainda não abre portas. “O consumidor não conhece e não está disposto a pagar por isso. Mas, acredito que vamos chegar a esse ponto. O café chegou lá. Hoje, o fato de ser certificado nos dá maior credibilidade junto a compradores e fornecedores”, analisou.

Antes da certificação, a Agropecuária Tucaninha já tinha um sistema de gestão de processos, qualidade dos alimentos, bem-estar animal e dos funcionários. “Por isso, a adequação aos protocolos da certificação foi muito tranquila. Fizemos pequenos ajustes”, disse Godinho, garantindo que as práticas de bem-estar animal não são difíceis de serem implementadas.

“Nós fazemos a nutrição de precisão, nem mais e nem menos alimento que o necessário. O controle de temperatura também é importante, já que a fazenda está em uma local em que no inverno os termômetros chegam a marcar 4 graus Celsius e no verão podem alcançar os 40 graus”, explicou Godinho. Na saúde, ele considera importante aprimorar o diagnóstico de doenças por meio da análise sanguínea, usar antibiótico quando necessário, vacinar todo o rebanho, fazer o controle de parasitas, e, no caso de uma cirurgia ou tratamento invasivo, usar anestesia e analgésicos.

ABATE SEM DOR

O ponto mais sensível no sistema de bem-estar animal para a maioria das pessoas, talvez seja o método de abate que não implique dor e sofrimento. Filipe explica que existem dois métodos cientificamente comprovados que podem ser utilizados em suínos e aves. O primeiro é uma corrente elétrica no cérebro, que faz com que o animal fique inconsciente em 0,2 segundos, mais rápido que o estímulo da dor. Este método demanda mais tempo por ser individual e requer um controle da fila, para não agitar os animais. O outro método é o da atmosfera controlada, onde gases anóxicos (que são inertes) causam a perda da consciência por falta de oxigênio. Apesar de ser mais demorado, a vantagem desse método é poder ser aplicado ao mesmo tempo em vários indivíduos.

Atualmente, os dois métodos são usados tanto para a perda de consciência dos animais quanto para a morte. É que, antigamente, acreditava-se que não era viável matar o animal antes do processo de sangria justamente porque o sangue não sairia da carcaça. Mas essa possibilidade foi afastada. Assim, no caso da eletrocussão, após a descarga elétrica no cérebro, outra corrente é aplicada no coração, o que provoca uma fibrilação cardíaca. No caso da atmosfera controlada, a exposição ao gás por um tempo maior também resulta na morte do animal.

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PC
postado em 24/11/2025 18:44 / atualizado em 24/11/2025 18:52
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