
São Paulo — A reinvenção de um atleta olímpico de alto rendimento não é tão fácil como parece. Aos 36 anos, Bruno Giuseppe Fratus tem experiências recentes para contar ao Correio sobre esse processo de transição. No mês passado, o medalhista de bronze em Tóquio-2020 assumiu o papel de mestre de cerimônia do Comitê Olímpico do Brasil no lançamento do programa de patrocínio "COB LA2028". Engana-se quem esperava vê-lo como peixe fora d'água diante do público. Fratus dominou o púlpito, interagiu com simpatia e ganhou até um banner customizado de Aquaman para sentir-se no habitat natural durante o evento para 350 convidados entre representantes de empresas, agências, parceiros de mídia, atletas e ex-atletas olímpicos. Depois do show à parte, Fratus falou com a reportagem sobre a "nova profissão" e fez profecias. Uma delas sobre a joia Guilherme Caribé. Na opinião dele, o baiano de Salvador está pronto para brilhar em Los Angeles. Emocionado, Fratus admite a derrota para a dor, que o impede de ficar duas horas em pé.
Como está sendo essa transição de carreira: de nadador medalhista olímpico a mestre de cerimônia do Comitê Olímpico do Brasil (COB)?
A gente faz de tudo. Mas a parte da comunicação também pegou o meu coração ultimamente.
Como tem sido conciliar a rotina de atleta com a de apresentador?
Olha, eu ainda estou descobrindo. Eu não tenho muita certeza da resposta que eu vou te dar. Geralmente, alguém me manda um script, um roteiro, umas falas. Estou sempre muito preocupado com a minha dicção, a minha fonética. Tenho que dar uma trabalhada nisso. Assim como foi na natação, estou começando de baixinho agora, criando e estabelecendo uma carreira nesse meio.
Jornalismo é mais difícil do que natação?
Estou tendo dificuldade para falar em jornalismo. Eu não sou jornalista formado. Eu preciso estudar bastante. É o que eu faço com naturalidade. Eu, como atleta, eu me divertia tanto dando entrevista, ficando na frente da câmera, que, enfim, acaba saindo com uma naturalidade, com gosto. Como está sendo esse pós-carreira? Eu não sei fazer nada ainda. Nada, p.... nenhuma (risos).
Dá saudade das competições de alta performance quando vê o preparativo tão meticuloso do COB para os Jogos Olímpicos de Los Angeles-2028?
Eu tenho muita saudade de competir, de fazer parte, de chegar em uma missão, numa delegação dos Jogos do Time Brasil. Tanto que eu estar aqui é muita vontade de contribuir com o meu time. Continuar fazendo parte da maneira que eu possa. É isso que eu considero, o time brasileiro. É meu time, sabe? Eu nasci, eu cresci aqui dentro. E eu quero estar sempre acrescentando e sendo o melhor que eu posso aqui dentro.
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O que mais tem feito além da natação e da imersão na comunicação?
Tenho praticado boxe. Pego peso para caramba também. Eu amo o levantamento olímpico. Pratico. Lógico que não é intensidade de treinamento, mas... Sempre tive um gosto por boxe. Nunca pude praticar. Agora, eu estou desenvolvendo essa paixão por boxe maravilhosa, também. É um baita esporte. Muito mais difícil do que parece. Parece ser difícil, né? Quando você vai praticar, é 10 vezes mais difícil.
A Michelle Lenhardt continua enquadrando você nos treinamentos?
Não mais. Hoje em dia, a gente é só marido e mulher e está bom o suficiente. A época de trabalhar na borda da piscina passou.
Você tem planos na natação?
Hoje, eu sou responsável pelo programa de treinamento de mais de 150 crianças em um clube no sul da Flórida. Chama-se Swim Coral Springs. Treino diretamente 18 crianças entre 13 e 18 anos de idade.
O que esse projeto significa para você?
Encaro como uma responsabilidade. Quase que uma obrigação minha como atleta olímpico passar esse conhecimento todo à frente. Não tenho planos nem quero trabalhar em confederação. Não quero ser treinador da seleção principal, o head coach. Aliás, treinador de natação de forma geral, no Brasil, é extremamente subvalorizado. É uma classe que muitas vezes tem a voz abafada. Não tem a liberdade de trabalhar como poderia. Como gostaria também. Então, justamente por conhecer a situação do treinador de natação do Brasil, infelizmente... E é algo que eu falo até com um certo pesar.
Irreversível?
Para a minha vida, o melhor é que eu não me envolva com isso. Eu tenho caminhos onde eu posso prosperar de uma maneira mais harmoniosa, prazerosa, do que ter que ficar batendo de cabeça com clube, confederação, politicagem. Definitivamente, não é para mim.
Morar e treinar nos EUA continua sendo o atalho do Brasil para a medalha olímpica?
Não necessariamente os Estados Unidos, mas você vê que todas as medalhas que a gente teve recentemente são de atletas que treinam fora. Se não treinam fora, eles integram programas altamente individualizados e especializados. Até mesmo os casos da Ana Marcela e do Fernando Scheffer, que conquistaram medalhas treinando no território brasileiro. Treinavam em projetos nos quais o programa era feito para eles e todo mundo seguia. A gente tem a Fê Costa, que foi para a Austrália treinar com o Dean Boxall, um dos meus treinadores de natação preferidos da atualidade. Existe uma mentalidade diferente.
O que diferencia os treinos no Brasil e no exterior?
O Thiago Pereira já falava há um bom tempo que a grande diferença é que, no Brasil, você treina para o índice. E aí você vê a própria CBDA comemorando o índice, a mídia, os pré-releases que eles soltam. É sempre baseado no índice, nunca em ranking mundial ou baseado na projeção de resultado para campeonatos, como Mundial e Olimpíada. A mentalidade aqui dentro é muito limitante.
O Guilherme Caribé é o cara do Brasil para Los Angeles-2028?
O Caribe está pronto para confrontar quem ele quiser. Repito: quem ele quiser. A hora que aquele moleque... Não estou dizendo que já não esteja, mas se aquele moleque sobe em uma final olímpica falando que vai ganhar esta m..., ele vai ganhar esta m.... Com perdão do meu francês, é que eu fico empolgado falando sobre o assunto. Se o Caribé subir no bloco e falar que vai ganhar esta p..., ele ganha. É difícil falar que LA-2028 é a Olimpíada dele, é difícil cravar que ele vai ganhar uma medalha. Mas o Caribé está em plenas condições de competir com quem quer que seja. Chinês, romeno, americano, francês...
O que diferencia o Caribé?
Ele não deixa nada a desejar para ninguém fisicamente, mentalmente, emocionalmente, tecnicamente. O moleque tem uma técnica linda. Nada de uma maneira... Eu estava assistindo às provas dele na seletiva do Mundial agora e não achei erro.
Há margem para evolução?
Acho que ele ainda vai ficar mais rápido, acho que ele vai nadar 46, acho que ele vai nadar 21 baixo. Havia até uma aposta com ele agora na seletiva. Eu desafiei: "Bate o meu tempo, e ele não bateu". Eu faço essas apostas para me f... Eu quero que você bata meu tempo, vai lá. Então, meu, eu sou time Caribé 200%.
A ginasta Simone Biles chamou a atenção para a saúde mental em Tóquio-2020 e quebrou um tabu. Fala-se muito sobre isso no esporte olímpico e agora no futebol.
Acho legal que está todo mundo começando a se dar conta de que produtividade vem a um custo. Quando eu falo sobre isso, não estou só falando de esporte, estou falando de tudo. Por muito tempo, a gente usou fadiga e burnout como medalha de honra.
Qual são as lições?
Quando você estava extremamente ocupado, você não tinha tempo para nada, você estava estressado, fadigado, burnoutado, aquilo era visto como uma pessoa competente, relevante, importante, uma pessoa produtiva. Só que isso vem com um custo que, às vezes, não vale a pena. A gente vem muito desse caminho, de estar sempre conectado, estar sempre a par de tudo, estar sempre sabendo tudo, estar sempre tendo resposta. Fomo (medo de ficar fora) gigantesca. E eu acho que essa conversa de saúde mental é um aviso para a galera desacelerar um pouco e cuidar de si, cuidar do ser humano.
Falamos da dor na alma. E a dor física?
Acho que você viu eu me escorando ali. Minha coluna não suporta duas horas em pé. Eu estou quase deitando com o pé para cima. Pé, coluna, porra, estava doendo tudo ali. Se eu fosse máquina, feita de aço e parafuso, estava nadando. Trocaria peças e vamos embora. A cabeça ainda vai. Eu cheguei num ponto na minha carreira, cara, com uma mentalidade imbatível. O emocional ainda, sabe (...). O coração ainda ama isso aqui. É só o corpo realmente que não aguenta mais seguir.
Foi uma dor não ter ido aos Jogos de Paris-2024?
Gigante! Mas foi importante estar lá, foi importante estar lá contribuindo.
O jornalista viajou a convite do Comitê Olímpico do Brasil (COB)
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