
Rio de Janeiro — Psicóloga dos esportes olímpicos do Flamengo há quase quatro anos e com experiência de 12 temporadas pelo futebol de base do clube de maior torcida do Brasil, Adriana Lacerda não titubeia ao falar: “O atleta sem saúde mental não performa”. Ou seja, o alto rendimento exige muito mais do que a atenção aos fatores físico, tático e técnico. O Correio visitou o Centro de Treinamento da Gávea, conheceu a estrutura do Centro Unificado de Identificação de Desenvolvimento de Atletas de Rendimento, o Cuidar, e entendeu como funciona o projeto que completará, em 2026, uma década de suporte prestado às joias rubro-negras.
Atualmente, o Flamengo conta mais mil atletas. O Cuidar entra como suporte de caráter preventivo em diferentes áreas saúde. Além do apoio psicológico, os competidores vinculados ao clube tem à disposição um trabalho interdisciplinar entre nutrição, fisioterapia, ortopedia, massoterapia, preparação física, medicina, ciência do esporte, análise de dados. Tudo para permitir o alcance da melhor versão dos talentos rubro-negros. Em entrevista, Adriana Lacerda destaca o cuidado da equipe, fala sobre o prazer de trabalhar na área e cita as redes sociais como grandes vilãs.
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Como é o Cuidar na prática?
Damos o suporte aos nossos atletas, às comissões técnicas e aos pais dos atletas para que a gente consiga trabalhar de uma forma unificada, interdisciplinar para que o atleta possa ir dentro da sua modalidade e performar dentro daquilo que treina. Fazemos um trabalho de preparação, de apoio psicológico, que não é num formato de terapia, mas é um suporte, um acompanhamento psicológico, no qual a gente trabalha algumas habilidades psicológicas para que o atleta possa, então, colocar em prática.
Como o projeto começou?
A estrutura também foi construída com aporte, também, da seleção britânica para os Jogos Rio-2016, a Izabel (Miranda), que era a nossa antiga gerente aqui, foi quem idealizou. Ela pensou essa estrutura exatamente dessa forma, para que todas as áreas das ciências do esporte consigam dar esse apoio na integralidade aos atletas que são federados aqui. É pensando em todas essas áreas, atuando em conjunto em prol do rendimento do atleta. Quando falo da minha área, não é só alto rendimento. Sabemos saúde mental é um ativo do clube, né? Entendemos que o atleta sem saúde mental, hoje, não performa. É muito importante a gente ter esse olhar. Todas as áreas conversam.
Na minha área, tem o equilíbrio emocional, a saúde mental e o manejo das emoções. A gente não fala muito em controle. Emoção, sentimos, mas o que fazemos com ela? Então, é desde pequenininho, poder fazer esse trabalho mais introdutório das crianças. Quando a gente pega as meninas da ginástica, judô, a gente já iniciar esse trabalho, eles entendendo que a esfera mental é muito importante também para o desempenho, além da parte física e da parte técnica. Hoje, a parte mental é um pilar muito importante para o desempenho.
Em 2016, o Cuidar completa uma década. Isso é um reforça ao sucesso do projeto?
Acho que sim. Estou nessa área há bastante tempo, tive passagens por confederações (judô e esportes aquáticos) e trabalhei no futebol do clube durante 12 anos e voltei agora para o esporte olímpico. Acho que o modelo aqui de estrutura que a gente tem do Cuidar, as pessoas que me conhecem sabem, eu gosto muito de falar do ideal. O que a gente tem de ideal de trabalho? O Cuidar, ele se aproxima muito disso. É um trabalho integrado dessas áreas das ciências do esporte, e a gente tem um cunho também acadêmico-científico, que é muito bacana. O trabalho que acontece aqui é pensado no que a gente tem de pesquisa, de artigo. Do que a gente tem de evidências, né? Do que são produzidos. Então, todas as áreas aqui, a gente tem essa preocupação.
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É mais fácil trabalhar com o atleta olímpico ou com o jogador de futebol?
Não faço a distinção. Acho que o atleta, quando falamos do atleta de alto rendimento, ele está num cenário muito específico. Falamos de estresse, demanda, exigência, cobrança, pressão e é inerente, assim, tanto no futebol quanto no esporte olímpico, talvez em níveis diferentes. Mas estamos dentro do Flamengo. Sei que eu estou aqui para trabalhar para a saúde mental do meu atleta, mas sei que ele tem de performar, sei que tem de desempenhar. O desafio é esse, a gente tentar equilibrar dentro do que o atleta tem de cobrança, algo que seja saudável, prazeroso e, ao mesmo tempo, gere resultado.
Vocês cuidam dos treinadores?
Não tenho braços suficientes para atender a todos, mas o Serviço de Psicologia para o Alto Desempenho, oferta esse suporte. Não posso falar nomes, mas tenho treinadores que fazem acompanhamento comigo. Não é uma terapia, é um suporte, uma tomada de decisão que eles têm que tomar. A gente tem reuniões mensais, os Programas de Suporte à Decisão, que vão todas as áreas, uma hora de reunião, e ali a gente delibera com o treinador, a gente dá esse suporte para ele nas tomadas de decisão. Ele elege, por exemplo: ‘Ah, quero falar de um atleta que está em uma situação específica’, e todas as áreas dão os seus pareceres e dali sai uma ata com alguma tomada de decisão. Eles também estão sob pressão, estresse e precisam aprender a manejar as emoções. É difícil para eles também.
Rede social é um tópico muito abordado?
Temos ações com temas. Redes sociais, acho que hoje podem ser grandes vilãs na vida deles (atletas), então a gente tem esse cuidado de orientação. Temos encontros nos quais conseguimos falar sobre determinado tema, orientar e conscientizar, que eu acho que isso é o mais importante, sobre os malefícios e sobre os benefícios. Os temas são variados, e rede social, hoje em dia, sabemos que é um tema bastante falado e importante.
Qual o seu maior aprendizado como profissional do esporte?
Uni minhas duas paixões, que é psicologia, que é ajudar pessoas, e esporte. Também sou atleta, sou corredora, fui atleta de vôlei. A minha paixão, a minha ligação com o esporte é muito forte. O que eu tenho de mensagem, de aprendizado, é eu poder chegar, no fim do dia e ouvir, como em outra oportunidade, um atleta que falou: ‘Seu trabalho me ajuda muito'. Independentemente de resultado, mas eu ter o feedback do atleta, e a gente entender vê-lo valorizar a parte mental é importante. Para mim, não tem preço, o atleta falar “Seu trabalho me ajudou”. Isso, para mim, é, mais do que medalha, ranking… reconhecimento é tudo. Saber que você teve uma parcela de contribuição para o crescimento daquele atleta de uma forma geral, para mim, é o melhor pagamento
*O repórter viajou a convite da Medley
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