
O ano letivo nas escolas particulares e públicas do Distrito Federal está marcado para iniciar a partir de fevereiro — mas algumas instituições privadas devem iniciar o ano letivo na próxima segunda-feira. Com o retorno das atividades escolares, a Lei nº 15.100/2025, que proíbe o uso de celulares, tem gerado debate entre especialistas, diretores, pais e responsáveis. Ela foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e aguarda regulamentação. O Correio ouviu diferentes opiniões sobre o impacto desta lei na rotina estudantil.
A Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEEDF) explica que aguarda a publicação oficial no Diário Oficial da União da assinatura presidencial e consequente regulamentação pelo Ministério da Educação (MEC). "Somente após essas etapas será possível analisar detalhadamente a nova legislação e implementar as novas diretrizes estabelecidas pelo governo federal", destacou a pasta em nota. A secretaria ressaltou que desde 2008, conta com uma legislação que proíbe o uso de celulares em sala de aula.
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Vice-presidente do Sindicato dos Professores em Estabelecimentos Particulares de Ensino no DF (Sinproep), Trajano Jardim disse ser a favor da lei. "É uma medida social que vai trazer mais condições para o professor ofertar melhores conteúdos pedagógicos aos alunos", contou ao Correio. O Sinproep divulgou em nota que "ver as crianças e adolescentes nos espaços escolares livres da caverna digital, favorece a reapropriação do criar, cooperar e aprender juntos e contribui para minimizar o sofrimento de professores que, além de terem que dar conta de tanto conteúdo, passam a maior parte do tempo em sala de aula disputando a atenção dos estudantes com as redes sociais", acrescentou.
Denise Canal, diretora de um colégio em Águas Claras, é a favor da implantação da lei e contou que a instituição recebeu a informação da nova medida com entusiasmo. "Consideramos essa decisão um marco que será lembrado por pais, educadores e pelos alunos como um avanço significativo em favor da saúde mental e do bem-estar das crianças e dos jovens", disse.
A diretora explicou as estratégias que a escola irá adotar no retorno às aulas. "Estamos comprometidos em criar um ambiente onde nossos alunos possam se dedicar plenamente ao aprendizado e à convivência sem as distrações do celular. Estamos colocando porta-celulares (bolsões) em todas as salas de aula. Mas, os estudantes terão a opção de guardar os celulares em suas mochilas", detalhou Denise Canal.
Ela ressaltou que em caso de descumprimento, será adotado um protocolo que inclui orientação inicial, advertência verbal e, se necessário, uma sanção formal, com a presença dos responsáveis. Denise Canal está com expectativas de aumento no rendimento acadêmico. "Embora seja desafiador para a escola, a família e os estudantes. Os primeiros meses de ruptura com a "dopamina tecnológica" exigirão esforços conjuntos, mas a corresponsabilidade entre esses três pilares será fundamental para o sucesso", enfatizou.
No caso de Deborah de Salles, 36 anos, mãe de Maria Eduarda de Salles, 13, a medida veio em boa hora. "Acredito que a tecnologia, quando não usada de forma controlada, acaba se tornando uma grande distração. Minha filha tem 13 anos, é da geração alfa — primeira geração completamente digital. Mesmo com todo o acesso à informação, ela pode se perder facilmente nas redes sociais, o que afeta sua concentração nos estudos", opinou.
Deborah de Salles acredita que a medida deveria ter sido implementada há mais tempo. "As escolas deveriam ter percebido que o uso descontrolado de celulares dentro de sala de aula está prejudicando o aprendizado dos alunos. A tecnologia pode ser uma aliada na educação, mas é preciso saber dosar. Estava na hora de as escolas tomarem a iniciativa de limitar de maneira mais rigorosa, criando um ambiente mais focado para os alunos. Com certeza, essa mudança é positiva, mas acho que ela deveria ter ocorrido bem antes", enfatizou.
Entendimento
A diretora do Sindicato dos Professores da rede pública (Sinpro-DF), Márcia Gilda concorda com a nova lei. "É imprescindível que a comunidade escolar, como um todo, tenha traçado um entendimento de utilização do celular. A lei que proíbe o uso do celular em sala de aula é um pontapé para repensar o uso desse aparelho na vida de crianças e adolescentes. Mas não basta proibir. No mundo de hoje, é cada vez mais urgente que estudantes tenham educação digital, inclusive com o uso de outros dispositivos e construção de espaços específicos para isso", afirmou.
Mas Márcia Gilda alertou sobre a importância de democratizar o acesso a essas ferramentas tecnológicas. "Aqui, no Distrito Federal, por exemplo, o que testemunhamos, durante a pandemia, foi mais de 60% dos alunos sem acesso a essa tecnologia (celular), e que tiveram sérios problemas para participar das aulas on-line", acrescentou.
Professora da rede pública de ensino, Jéssica Motta é contra a forma como a lei está sendo aplicada. "Na minha opinião, a nova legislação veio para ludibriar o professor. Vejo muitos colegas animados com a proibição, mas acredito que vai trazer problemas para gente", avalia. "O maior questionamento é como o aluno vai receber essa novidade. Acho que a lei foi jogada de qualquer jeito, proibindo o aluno de usar o celular durante o intervalo, o que é um absurdo. Se ele quiser passar todo o período de intervalo jogando ou ouvindo música no celular, qual é o problema?", questiona.
Outro ponto citado por Jéssica é a fiscalização. "Quem vai fazer isso? Até porque a lei diz que os alunos não poderão utilizar nem durante os intervalos. Mas muitos pais dão o celular justamente para falar com os filhos. Como a escola vai agir nesses casos?", questionou. Jéssica lembrou que estamos vivendo uma geração tecnológica. "Não tem como 'remar contra a maré', é preciso seguir o fluxo. Não dá para simplesmente cortar, como se a tecnologia fosse uma vilã. Não é isso", ressaltou. "Vejo que isso é uma forma de o governo não preparar os professores para o mundo tecnológico e não ter que implementar tecnologia nas escolas".
A professora diz que não é o adolescente que não sabe usar a tecnologia, mas, sim, a sociedade. "Por mais que ele não utilize o celular na escola, por causa da proibição, o aluno vai chegar em casa e passar todo o contraturno no celular, porque ele tem o mesmo exemplo em casa, vindo dos pais", observou. "Isso depende de uma educação que acontece em casa, ou seja, os pais têm que mostrar aos filhos o que deve ser feito em relação ao celular", enfatizou.
Um pai de aluno, que não quis se identificar, diz ser contra a proibição total do uso dos celulares na escola. "Acho que o uso parcial seria a melhor solução, por algumas razões. O celular pode ser usado como ferramenta de aprendizado (se bem orientado pelos professores), ajudando os alunos a acessar informações, fazer pesquisas, assistir a vídeos educativos e realizar tarefas interativas", opinou.
Segundo o pai, o celular ainda pode ser usado em caso de emergência, para se comunicar com os pais. "Além disso, tem a questão de preparar os estudantes para o futuro, lidar com a tecnologia, tanto no ambiente acadêmico quanto profissional", afirmou. "Acho que permitir a utilização do celular, com regras claras, pode ensinar os jovens a desenvolver responsabilidades e a lidar com a tecnologia", avaliou.
Especialistas
Psicóloga e especialista em educação, Joana Cândida Pinheiro Lima explicou ao Correio de que forma essa medida pode contribuir para o ensino nas escolas. "O professor não vai precisar dividir a atenção dos estudantes com os estímulos de mídia presentes nos dispositivos eletrônicos, as aulas fluirão sem grandes interrupções, beneficiando o resultado da aprendizagem. Além disso, teremos estudantes mais ativos em sala de aula, interagindo, participando, o que pode colaborar com o seu desenvolvimento socioemocional nesse espaço coletivo", acrescentou.
Joana Cândida explicou que há outras maneiras de usar a internet e agregá-la à aprendizagem. "O uso de tecnologias não está restrito ou concentrado somente nos dispositivos eletrônicos. No ambiente educacional, todos os recursos presentes são tecnologias capazes de mobilizar conhecimento, promover interações entre os estudantes e principalmente como ponte entre teoria e prática", afirmou.
A especialista acrescentou que a restrição ao uso das telas pode promover o avanço de interações mais sadias dentro das escolas. "As escolas poderão empreender projetos para mobilizar a comunidade escolar na mudança cultural, investindo na educação digital e no uso consciente e responsável dos recursos digitais. O uso prolongado de telas, além de sobrecarregar o cérebro com estímulos repetidos constantes, dificulta a regulação emocional e causando fadiga mental", alertou Joana Cândida.
Segurança
A Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) informou que não há atribuições específicas ligadas à atividade policial no contexto da proibição do uso (e seu possível armazenamento) de aparelhos celulares em escolas públicas e particulares. "O Batalhão de Policiamento Escolar esclarece que tal medida tem caráter administrativo e cabe às próprias instituições de ensino sua implementação e regulamentação", declarou.
No comunicado, a PM reforçou que a eventual implementação de alguma medida administrativa sobre celulares não impactará as atividades dos batalhões escolares. "Ao longo do ano continuaremos a intensificar o policiamento nas instituições de ensino, assegurando a segurança, a ordem pública e a paz para toda a comunidade escolar", acrescentou em nota.
A Polícia Militar ainda anunciou que realizará a Operação Volta às Aulas referente ao 1º semestre do ano letivo de 2025, no período de 10 a 14 de fevereiro de 2025. A ação coordenada pelo Batalhão de Policiamento Escolar (BPEsc) e demais Unidades Policiais Militares consiste em ações de intensificação do policiamento e fiscalização de trânsito nas proximidades de escolas e instituições de ensino públicas e privadas em todo o Distrito Federal.
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Afastamento da realidade
Entendo que quaisquer formas de distração sobre o objetivo, que é o aprendizado, requer um foco total, no que tange não só o desenvolvimento do saber, mas também a importância da sociabilidade, questão que por conta do uso exacerbado de celulares fica cada vez mais escasso. Este tema, apesar de ser voltado para as escolas, nos dias de hoje, é quase que um problema crônico e afeta diretamente todos os âmbitos que o indivíduo está inserido.
Afinal, o uso excessivo de celulares causa um efeito de afastamento da realidade, uma dificuldade e perda de interesse no desenvolvimento da socialização com professores, amigos e até com a própria família, tornando tão grave que se estende a todo o contexto social e não só a escola. Portanto, é de suma importância que, além de evitar o vício no uso de aparelhos celulares ou qualquer meio que seja prejudicial à saúde dos alunos, também é preciso que a família se conscientize de que, apesar de ser um recurso extremamente fundamental, se usado de forma incorreta, trará consequências emocionais prejudiciais enormes para seus filhos.
Por isso, creio que seria de extrema importância retardar ao máximo o acesso das crianças ao uso destes aparelhos, preservando não só a saúde mental de seus filhos, mas evitando que vire um problema e consequentemente uma doença a ser tratada. Outro ponto são as atividades extras, como esportes dos mais variados, música, balé, e tudo que contribua para uma socialização e desenvolva a capacidade de utilizar o tempo para aprender, fazer amigos e estar 100% focado na atmosfera estudantil.
Que todos tenhamos um pensamento e responsabilidade com nossos filhos e a consciência de que, o quanto mais tarde nossos filhos tiverem acesso a esta tecnologia, mas preservado estará dos problemas que o mundo digital pode causar. Usar o celular nunca será o problema, a questão está na falta de controle e no uso exacerbado, fazendo com que as crianças e os jovens fiquem muito mais tempo conectados a um mundo virtual do que no mundo real.
*Pedagoga com pós-graduação
em neuropsicopedagogia
Entenda
» Projeto de lei que regulamenta a utilização de aparelhos eletrônicos portáteis, incluindo celulares, por estudantes nos estabelecimentos de ensino público e privado da educação básica foi sancionado pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em 13 de janeiro.
» De acordo com a Lei nº 15.100/2025, é vedado o uso de aparelhos eletrônicos portáteis pessoais durante aulas, recreios e intervalos em todas as etapas da educação básica. A vedação não se aplica ao uso pedagógico desses dispositivos.
» As exceções são permitidas apenas para casos de necessidade, perigo ou força maior. A lei também assegura o uso desses dispositivos para fins de acessibilidade, inclusão, condições de saúde ou garantia de direitos fundamentais.