
No primeiro dia de aulas na rede pública de ensino do Distrito Federal, para cerca de 470 mil estudantes, o grande destaque foi o debate quanto à restrição do uso de aparelhos eletrônicos no ambiente escolar, proibido pela Lei 15.100/2025. Pais, alunos, professores e diretores divergiram sobre os efeitos da nova legislação. Ontem, o Correio esteve em algumas unidades escolares e ouviu a opinião dos personagens principais desse novo desafio.
No Centro de Ensino Médio Elefante Branco (Cemeb), durante a saída do período da manhã, alunos relataram como foi a adaptação à nova lei. Caio Ribeiro, 17 anos, aluno do segundo ano, revelou que o celular não foi proibido durante o intervalo, como prevê a legislação. "Teve fiscalização dentro de sala, vi algumas pessoas usando e outras, não. Só que não vi nenhum tipo de proibição nos intervalos", contou.
Alice Fenelon, 16, relatou que um dos professores alertou que a utilização estava permitida somente fora de sala. "Acho que depende da postura de cada professor, alguns são mais rígidos e outros, não", avaliou. Colega dela, Enzo Petri, 15, acredita que, em sua primeira impressão do ano letivo, nada mudou. "Fiquei com o celular no bolso durante a aula e não foi dito nada. Durante o intervalo, fiquei de fone e ninguém me reprimiu", contou.
As amigas de Maria Eduarda Silva, 16, não pegaram o celular durante a aula e disseram também não ter sentido falta do aparelho. "A gente lembra mais quando tem alguma aula entediante ou quando não vem o professor, mas como é o primeiro dia, reencontramos os amigos e nem sentimos muita falta do celular", disse Maria.
Sofia Ferreira, 16, confessou que, para ela, não fez muita diferença. "Na sala de aula, eu já não tinha muito costume de mexer no celular, então foi supertranquilo", relatou a adolescente. Segundo ela, durante o intervalo, não houve fiscalização. "Estava bem solto mesmo, não vi ninguém controlando, só dentro de sala", contou. Para Lara Beatriz Almeida, 16, a experiência off-line na sala foi boa, porém nem a todo momento. "Muitas vezes ficamos sem professores, eles faltam e aí realmente ficamos sem fazer nada", disse.
O professor de matemática Pedro Cabral, 40, disse que, de fato, a escola não fiscalizou ou cobrou sobre a ausência de aparelhos celulares neste início de ano letivo. "Como é o primeiro dia, temos outras demandas de enturmação, estudantes chegando. A rotina é diferenciada. Creio que, com o passar do tempo, essa rotina vai ganhando mais destaque", explicou. Segundo o docente, a escola passa por outras dificuldades hoje, como o número reduzido de servidores.
O professor de artes Guilherme Sampaio, 38, contou que não cobrou os alunos sobre não utilizarem o aparelho durante sua aula. "Não entrei nesse assunto. Eu deveria, mas não me lembrei. Então, falei mais do conteúdo do ano e do método de avaliações", disse ele, que relatou não ter visto nenhum estudante utilizando o celular em sua classe. "Achei ótima (a nova lei), pois realmente atrapalha muito e, quando os alunos não se interessam, prejudica totalmente o ensino e a aprendizagem", observou.
Em relação à flexibilidade quanto ao uso dos celulares, nesse primeiro dia de aulas, a Secretaria de Educação respondeu, por meio de nota, que desconhece qualquer escola que tenha flexibilizado o uso de aparelhos eletrônicos portáteis pelos estudantes no intervalo, uma vez que a pasta orientou, por meio de circular, sobre o cumprimento da lei. "Uma vez identificada a escola, a SEEDF entrará em contato com os gestores para orientá-los", ressaltou.
Confira depoimentos de alunos sobre o uso de celular:
Contrastes
O ano letivo foi aberto pela secretária de Educação (SEEDF), Hélvia Paranaguá, no Centro Educacional (CED) 07 de Ceilândia. De acordo com ela, as expectativas são "as melhores" com a nova lei que proíbe celulares nas escolas. "No DF, o aparelho já era proibido em sala de aula, mas permitido nos demais ambientes das unidades escolares. Este ano, começamos com a proibição total. O aluno precisa ter foco para as aprendizagens", enfatizou.
Embora desagrade a muitos alunos, a nova medida é aceita por boa parte dos pais, que acreditam que, longe dos aparelhos, seus filhos podem aprender de forma mais efetiva. "Acho bom porque ajuda os alunos a manterem a atenção na sala de aula. Querendo ou não, eles mexem no celular na escola", conta a auxiliar de cozinha Auzenir Vieira, 48, mãe do aluno Iuri Teles, do primeiro ano do CED 07 de Ceilândia. Ela contou que agora, com o celular em casa, ela fica mais tranquila também quanto à segurança do filho nas ruas. "Ele vai a pé (à escola), porque moramos pertinho, mas fico preocupada com assaltos. A gente sabe como é a situação hoje em dia."
A diretora do CED 07, Adriana Rabelo, disse estar animada com a volta dos alunos às salas de aula e ressaltou que a escola já trabalhava com a regra da proibição dos aparelhos telefônicos durante as aulas. "A lei vem reforçar aquilo que nós estávamos fazendo", afirmou. Para ela, é necessário trabalhar a questão da informação dos alunos sobre a nova medida. "É preciso fazer com que eles absorvam essa lei, para que não haja o uso de celular na escola e que ele seja utilizado somente quando autorizado pelos professores."
No CED 01 da Estrutural, responsáveis por alunos demonstraram-se divididos quanto à restrição dos aparelhos eletrônicos. Kelly Cristina da Silva, 33 anos, é mãe de Ana Clara da Silva, 17, que inicia no 2º ano do ensino médio. Para ela, a medida pesa mais para o lado negativo. "Ano passado, era minha filha quem me avisava quando estava passando mal. Ela tem enxaqueca e quando pedia para me ligarem, falavam para ela sentar e esperar passar. Não acho uma decisão boa, ela costuma ficar sozinha nos intervalos e agora vai ficar olhando para o vento, sem ter o que fazer", pontuou. "Não gostei, porque a escola não avisa nada para os pais. Quando a gente vai sair mais cedo, tem que ficar esperando até mais tarde e, se eu estiver com o celular, posso avisar, por isso não concordo", reclamou Ana Clara.
A cuidadora de idosos Elly Batista, 35, porém, disse que a decisão foi acertada e contribuirá diretamente no rendimento dos alunos. "Acho muito interessante. Penso que isso ajuda no desenvolvimento dos estudantes, na atenção e no aprendizado, tanto para eles quanto para nós, os pais", apontou. A filha de Elly, Ruth Vitória, 14, acredita que a proibição ajudará a melhorar a concentração durante as aulas. "Achei ótimo, porque as minhas notas estavam caindo, mas acredito que, sem o celular, vou conseguir focar nas aulas e aprender mais. Além disso, a gente socializa com os outros alunos e se enturma com os colegas", declarou.
Segurança
Em relação à segurança da comunidade escolar, a tenente-coronel Renata Cardoso, comandante do Batalhão Escolar da Polícia Militar (PMDF), disse ao Correio que está sendo realizada a operação Volta às Aulas. "O objetivo central da operação é garantir a sensação de segurança para toda a comunidade escolar que, somada, chega a 650 mil pessoas", ressaltou.
Segundo a tenente-coronel, com o apoio de toda a Polícia Militar, o trabalho é focado na atuação ostensiva, evitando que crimes ocorram nas imediações das escolas, mas também é feito um trabalho preventivo. "Orientamos sobre o trânsito nos arredores das escolas, para que o fluxo seja o melhor possível e as regras sejam respeitadas", pontuou.
"Além disso, falamos com pais e estudantes sobre questões como diálogo, fiscalização sobre o que os alunos estão levando nas mochilas, uso de uniforme, trajeto até a escola, acompanhamento das redes sociais, entre outros assuntos", detalhou. A comandante do Batalhão Escolar destacou que está em constante capacitação do efetivo, sobre a atuação nas ocorrências em ambiente escolar. "Em janeiro, inclusive, trabalhamos uma série de demandas que estão relacionadas a esse tema, como o combate ao bullying", recordou.
Saiba Mais
Celular: o que pode e o que não pode
Fica proibido:
- Durante as aulas, em sala ou em qualquer espaço pedagógico da unidade escolar;
- Fora da sala de aula, durante atividades pedagógicas conduzidas por profissionais de educação e/ou realização de trabalhos individuais ou em grupo, na unidade escolar;
- Durante os intervalos entre as aulas, incluindo o recreio.
Será permitido, excepcionalmente, nas seguintes situações:
- Quando houver autorização expressa do professor regente para fins estritamente pedagógicos ou didáticos, tais como: pesquisas, leituras, atividades avaliativas supervisionadas, acesso ao material em plataformas de ensino, ferramentas educacionais específicas ou qualquer outro conteúdo ou serviço educacional;
- Para os estudantes com deficiência ou com condições de saúde que necessitam desses dispositivos para monitoramento ou auxílio de sua necessidade, e como recurso de adequação e acessibilidade pedagógica, visando garantir a inclusão e a aprendizagem:
- Quando houver autorização expressa da equipe gestora da unidade escolar por motivos de força maior, situações de estado de perigo ou estado de necessidade.
(ARTIGO) Mudança de cultura
Em um mundo movido por tecnologias que se renovam quase que diariamente, poderíamos imaginar que as mudanças em outros campos da sociedade seriam também sobrepostas na mesma velocidade. Porém, quando se trata de desenvolvimento humano, mesmo falando de uma geração altamente informada e conectada, a forma com que determinados comportamentos influenciam novos costumes, que desencadearam novas culturas, terá que passar por um processo necessariamente educativo, de repetição, de modelo, de estimular respostas direcionadas a resultados específicos.
A escola é um espaço de transformação ininterrupta, e se move permanentemente para o futuro. Nesses espaços educativos, a tecnologia pode ser usada como propulsora de mudança cultural em várias vias de possibilidades. Quando temos a oportunidade de, a partir de um texto, estimular os estudantes na busca pela fonte, pela veracidade ou não, por sua aplicabilidade para a realidade em sua comunidade local, certamente, estaremos utilizando essa tecnologia com intencionalidade e a serviço da educação, com responsabilidade de informação e repertório. Além disso, em contextos onde há um incentivo à diversidade, ao diálogo, ao contraditório e à inclusão, os adolescentes tendem a desenvolver uma visão mais ampla, crítica e empática sobre o mundo.
A tecnologia, incluindo os dispositivos móveis eletrônicos, necessita ser utilizada a favor da aprendizagem, neste momento em um movimento de ressignificação do espaço e sua aplicação prática com o ambiente. O contato com a tecnologia e zonas de inovação, como os ambientes maker, a robótica e as experiências educacionais interativas, onde o aprendizado se dá pela experimentação e pelo erro, a construção da identidade cultural do adolescente também ocorre por meio da tentativa e erro, da adaptação ao novo e da ressignificação do passado.
Este é um momento, portanto, de transformação cultural, onde as escolas estão sendo interpeladas a apresentar aos seus estudantes um novo modelo educativo, com tecnologia presente e maior intencionalidade, com rotinas de conexões sociais. Como toda mudança cultural, leva tempo, é um processo sócio-interacionista e precisa de construção e conexão com relações humanas seguras.
Joana Cândida Pinheiro Lima, psicóloga e especialista em Educação Básica do Grupo UBEC