
Moradora da Cidade Estrutural e mãe de três filhos, Auxiliadora de Moraes trabalha com serviços gerais e, como outras mulheres da região, enfrenta adversidades para manter todos em casa bem nutridos. Seu trabalho em serviços gerais e o do marido, como motorista, nem sempre são o suficiente para colocar comida na mesa. O alívio vem da escola, onde as crianças, de 15, 13 e 11 anos, têm duas refeições garantidas a cada dia de aula.
No Distrito Federal, de acordo com a Secretaria de Educação (SEEDF), vivem em áreas de vulnerabilidade 52,7 mil alunos, que recebem duas refeições por dia de aula. Auxiliadora conta que durante fins de semana e nas férias, o aperto financeiro aumenta. "Quando não tem a escola, fica complicado, porque o gasto é bem maior. A gente vai se apertando e cortando uma coisa aqui, outra ali. A gente corta a carne e as frutas, por exemplo. Eles ficam ansiosos para ir comer na escola, nunca reclamaram. Inclusive, meu caçula diz que a paixão dele é o estrogonofe da escola", relata.
Diretora da Escola Classe (EC) 02 da Estrutural, onde o filho mais novo de Auxiliadora estuda, Maria Leodenice Alves comenta que ela e outros funcionários veem as dificuldades que as crianças passam com a alimentação. Ela observa estudantes chegando com fome, ansiosos para o primeiro lanche, e diz que muitos têm na escola suas únicas refeições.
"A nossa escola está situada em uma área de grande vulnerabilidade social e econômica. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dessa cidade é o mais baixo de todo o DF. A nossa clientela é de crianças de 5 a 11 anos, de famílias de baixa renda, que vivem numa situação de vulnerabilidade social e econômica um pouco grande", descreve.
Maria Leodenice explica que os alunos da manhã e da tarde recebem almoço e lanche. As turmas comem em suas chegadas. Para ela, a alimentação balanceada fornecida na escola é de suma importância para a comunidade como um todo, por ajudar no desenvolvimento cognitivo das crianças que estão em fase de crescimento.
Desenvolvimento pleno
Ao Correio, a secretária de Educação, Hélvia Paranaguá, adianta que, para 2025, "com a criação da Gerência de Supervisão Técnica e Educação Nutricional, a meta é expandir as ações de educação alimentar e nutricional, além de realizar o rastreamento para identificar a prevalência de desnutrição e obesidade dos estudantes do DF".
O orçamento da alimentação escolar este ano no DF é de R$ 221,5 milhões. O GDF arca com a maior parte — RS 189,1 milhões (85,4%). O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) repassa R$ 32,4 milhões.
Assim como Auxiliadora, outras mães da EC 02 agradecem pela alimentação servida. Lucilene Rodrigues faz faxinas, tem quatro filhos e mora sozinha com três deles. Ela conta que falta carne constantemente na geladeira, algo que os filhos não precisam enfrentar quando vão à escola. "A merenda é muito fundamental. Faz muita falta, principalmente nos finais de semana. A verdade é que nós não conseguimos dar a justa alimentação todos os dias como a escola dá. A gente sente isso. As crianças sentem."
A nutricionista materno-infantil Flávia Cristina Oliveira explica que, nos primeiros anos de vida, as crianças estão em fase de rápido crescimento físico. Por isso, é vital uma dieta equilibrada, que garanta os nutrientes essenciais, como vitaminas, minerais, proteínas e gorduras saudáveis. "Uma alimentação saudável é crucial para garantir que as crianças se desenvolvam plenamente, tanto fisicamente quanto cognitivamente", aponta a nutricionista.
Preparo
Diariamente, a secretaria fornece 509,6 mil refeições para os matriculados do ensino infantil a educação de jovens e adultos (EJA). Quem frequenta um turno (cinco horas), pode fazer uma ou duas refeições. Em escolas com contraturno (oito horas), pode ter três refeições. Para os da educação integral (10 horas), são quatro refeições.
As refeições são planejadas pela equipe de nutricionistas. A SEEDF compra 60 gêneros alimentícios para garantir um cardápio saudável, tais como carnes e outras proteínas perecíveis, arroz, feijão, macarrão e flocão. Também adquire 34 variedades de frutas e verduras, oriundas da agricultura familiar, além de queijo e manteiga.
Nutricionista da SEEDF, Thalita do Carmo Pereira detalha que o cardápio é montado de forma minuciosa, para atender à segurança alimentar e nutricional dos alunos, com base em critérios técnicos e científicos. Entre outros aspectos, são levadas em consideração as normas do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), a sazonalidade e a regionalidade dos itens.
"Sempre que necessário, são realizados testes de aceitabilidade, os estudantes experimentam os pratos e oferecem feedback. Isso contribui para ajustar o cardápio, respeitando preferências alimentares e incentivando a introdução de novos alimentos de maneira gradual", assinala a nutricionista. Thalita complementa que ainda há casos especiais, onde os estudantes precisem de adaptações às refeições devido a alergias ou intolerâncias.
5 perguntas para
Hélvia Paranaguá, secretária de Educação do DF
O que a SEEDF está fazendo para manter o padrão de qualidade e aprimorar a alimentação escolar?
Temos procurado aumentar a quantidade de alimentos in natura, expandindo a aquisição de alimentos da agricultura familiar, ou seja, alimentos mais frescos para os alunos. Além de termos contratado mais 21 nutricionistas para melhorar a gestão dos serviços de alimentação.
Há alguma orientação às equipes gestoras sobre como agir quando detectam que o aluno não está se alimentando?
A equipe gestora deve contatar os nutricionistas da sua região de referência, para que esses façam intervenções de educação nutricional com a intenção de melhorar a aceitabilidade do aluno.
É possível, no âmbito da própria escola, fazer algo por esses alunos?
Sim, a escola pode contatar a família para entender o caso e, em paralelo, contatar a nutricionista e o psicólogo para o apoio técnico.
Os alunos podem comer o quanto quiserem durante as refeições?
A alimentação escolar é planejada com muito cuidado pela equipe de nutricionistas da secretaria, levando em conta a idade e as necessidades nutricionais de cada estudante. Sabemos que, em alguns casos, os alunos podem estar em situação de vulnerabilidade social e, por isso, já temos um mapeamento que permite oferecer refeições extras quando necessário. Portanto, os alunos podem repetir a refeição. O objetivo na hora do lanche é garantir que todos se alimentem bem e com dignidade em um ambiente de respeito e acolhimento.
Há gargalos em relação a algum fornecimento de alimentos?
Os gargalos que temos, atualmente, são bem pontuais, por questões de disponibilidade de alimentos no mercado interno, safra e questões econômicas, as quais são prontamente sanadas pela equipe técnica de nutrição. Contamos com mais de 45 contratos vigentes, o que permite uma maior possibilidade de ajuste nos cardápios.
Área social
A Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes-DF) informa que os benefícios sociais da pasta possuem critérios que priorizam o atendimento às famílias com crianças e adolescentes. Essas iniciativas, conforme a pasta, servem como apoio extra para que os pais consigam oferecer aos filhos uma alimentação de melhor qualidade.
» Cartão Prato Cheio — concede nove parcelas de R$ 250 para compra de itens alimentícios;
» Cesta Verde — as mesmas famílias recebem ao menos uma cesta com verduras, frutas e legumes como complemento durante o ciclo das parcelas;
» DF Social, programa de transferência de renda do GDF com crédito em dinheiro de R$ 150 mensais;
» Cartão Gás, que concede R$ 100 a cada dois meses para compra do botijão de gás.
A pasta destaca que os Restaurantes Comunitários também auxiliam na alimentação; são 18 unidades, que servem almoço por R$ 1 recentemente. Além disso, o GDF ainda realizou a ampliação do número de estabelecimentos na capital, que chegou a 18, incluindo um na Estrutural. A unidade serve café da manhã por R$ 0,50, mas não serve jantar.
A Sedes acrescenta que, de acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad-C), que utilizam a mesma metodologia para aferir os resultados, foi registrado um crescimento de 9,2% no índice de segurança alimentar do DF entre 2018 e 2023, marcando 76,5%, indicador acima da média nacional de 72,4%.
Artigo
Nutrição impacta no aprendizado
Por Henrique Gomes, pediatra e gastropediatra do Hospital Santa Lúcia
A alimentação desempenha um papel crucial no desenvolvimento físico, mental e intelectual de uma criança, influenciando diretamente sua saúde, aprendizado e bem-estar geral. Uma nutrição adequada fornece os nutrientes essenciais (proteínas, carboidratos, gorduras, vitaminas e minerais) necessários para o crescimento saudável dos ossos, músculos e órgãos. A deficiência de nutrientes pode levar a atrasos no crescimento e baixo peso. Outro aspecto importante é que alimentos nutritivos fornecem a energia que as crianças precisam para suas atividades diárias, como brincar, aprender e praticar esportes. Uma dieta equilibrada evita picos e quedas de energia, contribuindo para um comportamento mais estável.
Falando sobre o lado mental, nutrientes como o ferro, zinco, iodo, vitaminas do complexo B e ácidos graxos ômega-3 são essenciais para o desenvolvimento e funcionamento adequado do cérebro. Eles participam da formação de neurotransmissores, mielinização dos neurônios e fluxo sanguíneo cerebral, impactando a capacidade de concentração, memória e aprendizado. Além disso, a alimentação fornece os "blocos de construção" para o desenvolvimento cognitivo. Crianças bem nutridas tendem a ter melhor capacidade de concentração, memória, raciocínio e resolução de problemas, o que se reflete no seu desempenho escolar.
Estudos mostram que crianças com uma alimentação equilibrada apresentam melhor rendimento escolar e maior capacidade cognitiva. A deficiência de nutrientes pode levar a dificuldades de aprendizado e baixo desempenho. Em resumo, a alimentação na infância é um investimento fundamental no futuro da criança. Uma dieta equilibrada e rica em nutrientes é a base para um desenvolvimento físico saudável, uma mente ativa e um intelecto afiado, preparando a criança para um aprendizado eficaz e uma vida plena. É importante que seja oferecida à criança uma variedade de alimentos nutritivos e que sejam incentivados hábitos alimentares saudáveis desde cedo.
Colaborou Arthur de Souza
*Estagiário sob supervisão de Malcia Afonso