"Quando estou estudando, sinto-me no divã da melhor das terapeutas: a minha consciência. E, ao receber uma atividade com metas e prazos a cumprir, sinto-me novamente cidadão." Com essas palavras, Júlio César Pinto Coelho descreveu o ato de estudar durante sua formatura de ensino médio na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA). Na ocasião, ele representava a si mesmo e a seus colegas do grupo de estudantes que estão presos nas unidades prisionais Penitenciária 1 e 2 do Distrito Federal (PDF 1 e 2) e no Centro de Progressão Penitenciária (CPP).
Na carta lida na formatura, Júlio destacou que "a oportunidade de estudar no sistema prisional resgata, em cada estudante privado de liberdade, o sentimento de pertencimento à humanidade e a consciência de ser um ator social capaz de redesenhar e reconstruir sua própria história". Realizada no último dia 19, a celebração foi organizada de forma coletiva pelos professores do Centro Educacional (CED) 01 de Brasília e pelo núcleo de ensino das unidades prisionais, contando com becas, diplomas e um momento de confraternização.
Em seu discurso, o custodiado aproveitou para expressar profunda gratidão do grupo àqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para que ele e seus colegas chegassem até o momento de formatura. "Nossa minha família, mesmo à distância, nosso muito obrigado por nunca desistirem de mim. O amor e a lembrança de vocês foram meu sustento nos dias difíceis. Cada palavra de apoio, cada pensamento positivo que vocês nos enviaram foi combustível para nossa caminhada e para o sucesso na nossa formação", disse.
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Cristiane Almeida, diretora do CED 01, afirma acreditar que a educação abre janelas de liberdade, confiança e valorização pessoal, e que, no ambiente prisional, esse impacto se torna ainda mais evidente. "Pessoas que nunca tiveram acesso à escola, ou que acreditavam que não era para elas, passam a perceber, após algum tempo em sala de aula, que podem aprender, escolher novos caminhos e, sobretudo, compreender que não são desprovidas de conhecimento, mas que suas vivências têm valor", ressaltou.
Atualmente, o CED 01 é a única escola do Distrito Federal que oferece educação no sistema prisional. Segundo a diretora, a instituição atende todas as sete unidades prisionais do DF, além do Presídio Federal, ofertando educação básica organizada nos moldes da EJA (Educação de Jovens e Adultos) da rede pública: são 11 semestres letivos para a conclusão da educação básica, que abrange o ensino fundamental e o médio.
"Nossa escola existe para garantir o direito à educação básica gratuita, como consta na constituição, a todos os brasileiros, independente de raça, gênero, situação social, credo, lugar onde se encontra. A pessoa presa não é uma pessoa sem direitos, por isso a educação gratuita precisa estar dentro dos presídios", declara Cristiane.
As aulas são ofertadas em período diurno no Complexo da Papuda e no presídio feminino do Gama, e em período noturno no CPP, no SIA. Elas acontecem em salas adaptadas dentro das unidades prisionais: em alguns locais, professores e alunos compartilham o mesmo espaço; em outros, o ensino é realizado com a separação entre ambos por grades.
Ao todo, 19 internos se formaram em 19 de agosto. No dia seguinte, mais oito estudantes da Penitenciária Feminina também concluíram os estudos. Em 26 de agosto, foi a vez de outros 20 alunos do Centro de Detenção Provisória (CDP), do Centro de Internamento e Reeducação (CIR) e do PDF 4 receberem seus diplomas. Para que os presos possam estudar, é necessário que familiares ou advogados solicitem a vaga junto à escola. Como ainda não há oferta suficiente para todos, a seleção é realizada pela Polícia Penal, com base em critérios específicos.
Para os custodiados, a cada 12 horas de estudo — equivalentes a três dias de aula — é concedido um dia de remição de pena. Segundo Júlio Cezar, além desse benefício, a participação em atividades educacionais ajuda a combater a ociosidade carcerária à qual estão, ainda que temporariamente, submetidos. "Por um instante, restabelece-se em mim a vontade de manter uma conduta social compatível com o que tenho recebido dos profissionais que atuam no CED 01 de Brasília. Sinto-me um ser humano completo", declarou em seu discurso.
Avanços
No primeiro semestre do último ano, o Centro Educacional 01 de Brasília ofertou aulas em 59 salas, totalizando 111 turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA) no sistema prisional. No segundo semestre, os números cresceram para 77 salas e 148 turmas, representando um aumento de 30,5% no número de turmas e de 33,4% no total de salas de aula. Ao longo do ano, mais de dois mil estudantes foram atendidos.
Ainda em 2024, a Política de Remição de Pena pela Leitura realizou 29.092 atendimentos, registrando um crescimento de 15% em relação a 2023. O resultado levou o Distrito Federal a ser reconhecido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) como a sexta unidade da federação com maior avanço em atividades de leitura no sistema prisional.
Outro dado expressivo foi a melhoria nos índices de alfabetização das pessoas privadas de liberdade. Em 2023, o DF ocupava a 8ª posição no ranking nacional; em 2024, subiu para o 3º lugar, evidenciando o compromisso com a educação e a ressocialização.
Educação básica
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