O ensino superior brasileiro alcançou em 2024 um marco inédito: mais de 10,2 milhões de estudantes matriculados em cursos de graduação. O dado é do Censo da Educação Superior divulgado, ontem, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). O levantamento mostrou que esse é o maior volume registrado em 45 anos da série. No entanto, por trás desse avanço histórico, está um fenômeno que, ao mesmo tempo que amplia o acesso, desafia a qualidade e a permanência: a explosão da Educação a Distância (EaD). O aumento foi de 286,7% em 10 anos.
A modalidade superou o presencial pela primeira vez em número absoluto de alunos matriculados — agora com 50,7% do total — e também se tornou a principal porta de entrada para o ensino superior no país. Entre os ingressantes, 69% optaram por cursos a distância. Enquanto a EaD avançou 286,7%, o tradicional encolheu 22,3% no mesmo período, segundo o Ministério da Educação.
Para o diretor de Estatísticas Educacionais do Inep, Carlos Eduardo Moreno, essa é "uma mudança estrutural no sistema". A expansão tem como base principal a iniciativa privada: 93,8% dos ingressantes em licenciaturas EaD estão matriculados em instituições com fins lucrativos. No total, o setor privado concentra 91,7% das vagas em cursos não presenciais. Apenas quatro instituições privadas respondem por 23% das matrículas de graduação no país.
O volume de vagas oferecidas pela EaD impressiona: foram mais de 18,5 milhões em 2024, o equivalente a 79% da oferta total do ensino superior. Além disso, o número de cursos nessa modalidade cresceu 256% nos últimos seis anos, alterando também o perfil da formação superior no país.
Pedagogia lidera o ranking de maior número de estudantes a distância, com 878 mil matrículas, seguida por administração, direito e sistemas de informação. Em muitos casos, essas graduações chegam a municípios onde não há nenhuma instituição de ensino superior presencial.
Atualmente, a EaD está presente em 3.387 municípios — 61% do total de cidades brasileiras. Em cerca de 2.300 deles, a única opção de graduação é por meio da modalidade remota, atendendo a mais de meio milhão de estudantes. Na rede pública, ainda majoritariamente presencial, a distância também cresce: houve aumento de 14% na oferta de vagas entre 2018 e 2024. Já são 6,9% dos alunos matriculados em cursos não presenciais nas instituições federais.
Avanço com fragilidade
Apesar dos avanços, a educação a distância enfrenta um problema grave e persistente: a evasão. Em 2024, a taxa de abandono nos cursos EaD foi de 24,1%, mais que o dobro da registrada no ensino presencial (9,5%). Em um recorte de longo prazo, a situação se agrava: entre os estudantes que ingressaram em 2015, 65% dos matriculados em EaD haviam desistido da graduação após 10 anos. Entre os presenciais, a evasão no mesmo período foi de 34%.
Além da alta evasão, os cursos a distância registram menores taxas de conclusão. Apenas 33% dos alunos da corte de 2015 concluíram a graduação em EaD, enquanto o percentual entre os presenciais chegou a 40%.
A precariedade do modelo também se reflete na relação entre alunos e docentes. Na rede privada, a proporção é de 53 alunos por professor nos cursos a distância — cinco vezes mais que a média do ensino presencial, que é de 10. Isso compromete o acompanhamento pedagógico, o suporte individualizado e a retenção dos estudantes.
"O perfil do aluno de EaD envolve múltiplas vulnerabilidades: trabalha, cuida da casa, tem acesso limitado à internet e falta de apoio acadêmico. Sem tutoria ativa e políticas de permanência, a evasão é uma consequência previsível", afirma o professor William Dornela, pesquisador em docência no ensino superior.
Na avaliação dele, é preciso rever o modelo. "A tecnologia é uma aliada, mas não pode substituir o contato humano. A EaD, como está posta hoje em grande parte do setor privado, tornou-se uma engrenagem de escala, mas com fragilidade formativa."
Ciente dos problemas, o Ministério da Educação anunciou, em maio de 2024, uma nova política regulatória para a modalidade. A principal mudança é que nenhum curso poderá ser oferecido 100% a distância. Além disso, formações como medicina, enfermagem, psicologia, odontologia e direito deverão ser exclusivamente presenciais.
Em maio, o chefe da pasta, Camilo Santana, declarou que não há comparação entre cursos a distância e presenciais. "Há uma grande diferença na qualidade", disse, durante participação na comissão de Educação da Câmara. "Não acredito que o brasileiro quer ser atendido por um enfermeiro formado 100% a distância", concluiu.
"O crescimento da EaD é, sim, uma vitória no acesso, mas não podemos fechar os olhos para o que ele esconde: exclusão digital, formação precária e alto abandono", diz Dornela. "A universalização do ensino superior passa, necessariamente, pela valorização da permanência, da aprendizagem e da qualidade", acrescenta.
Estagiária sob supervisão de Luana Patriolino
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